O Depoimento Para O Educare (Com Direito A Uma Espécie De Adenda Ministerial)

Embora esteja muito bem transcrito na peça sobre as reservas de Tim Oates acerca do trajecto do sistema educativo finlandês, fica aqui todo juntinho.

Quando se analisam os resultados de um sistema educativo com bom desempenho devemos ter sempre em consideração um conjunto de variáveis que, por definição, não são invariáveis para todas as sociedades e momentos históricos.
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Em países como a Finlândia, o “sucesso” ficou a dever-se à conjugação de diversos factores como:
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  • Uma alfabetização quase total da população desde o início do século XX, o que permite que as famílias funcionem como um “activo” para os alunos sempre que precisam de acompanhamento para as suas tarefas e estudo fora da escola.
  • Uma grande homogeneidade cultural e étnica da população, que remete a questão da “inclusão” para nichos específicos de problemas de aprendizagem e não para a necessidade de incorporar minorias que têm maior dificuldade em assimilar um modelo curricular pensado para uma realidade específica.
  • Um baixo nível de desigualdade socio-económica que permite que os alunos partam numa situação de razoável igualdade de oportunidades, sem necessidade de fortes mecanismos compensatórios nas escolas.
  • A opção, até por razões geográfico-demográficas, por escolas com uma dimensão média ou pequena que permitem uma relação de proximidade entte as escola e as comunidades.
  • Uma forte consciência ética e de responsabilização pessoal pelo desempenho académico (ou profissional) que torna redundante legislações de tipo impositivo.
Este modelo lida muito bem com sociedades de países desenvolvidos, com baixa diversidade étnica e cultural ou crescentes bolsas de pobreza, assim como, curiosamente, está pouco preparado para lidar com uma verdadeira diversidade. O leque de “diferença” nas escolas finlandesas é muito mais baixo do que nas nossas, assim como as necessidade de mecanismos “inclusivos”.
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Quando se elogiou muito o modelo finlandês (ou outros do norte da Europa) esqueceu-se este tipo de realidade que começou um processo de forte erosão nos últimos 20 anos. A Suécia, ainda antes da Finlândia, demonstrou que a chegada de grupos culturais minoritários e algum agravamento da desigualdade socio-económica levava a uma pressão sobre o sistema educativo para o qual ele não estava preparado, começando os resultados a declinar (como aconteceu com a própria Alemanha).
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O século XXI não é, por paradoxal que isso seja para algumas ideologias, o mais adequado ao modelo finlandês, exactamente porque o seu dinamismo está limitado pela natureza da sociedade finlandesa tradicional.
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No caso de Portugal, nunca se reuniram as condições acima referidas, pelo que nunca se atingiu um patamar de desenvolvimento educacional semelhante ao finlandês durante o século XX e quando se insiste em tentar emular algumas das suas soluções estamos a fazê-lo no momento errado, nas circunstâncias erradas.
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Por falta de conhecimentos de História dos sistemas educativos, os nossos “especialistas” e diversos governantes têm tomado opções erradas por isso mesmo, tal como Tim Oatees refere:
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brainstorm
Mas eis que o nosso ministro Tiago nos anuncia ao mundo (a partir de Castela) como o novo farol da Educação mundial:
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“No hay que ser impositivos: cuando confías en las escuelas, responden”

Portugal se ha convertido en un referente mundial en mejora educativa y pedagogías innovadoras. Es la nueva Finlandia.

21 opiniões sobre “O Depoimento Para O Educare (Com Direito A Uma Espécie De Adenda Ministerial)

  1. Uma vergonha o papelão que o pomposo Tiago fez. O homem, atribui-se o mérito dos avanços no Pisa! O rapaz acha que faz maravilhas com o ensino especial. O homem dá lições no pré-escolar. O homem mente, mente e mente!…
    Só não lhe chamo traste e bandalho porque é ministro do meu querido Portugal.

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  2. Do princípio ao fim do artigo do El País, seja na introdução do jornalista, seja nas perguntas/respostas com o entrevistado, sinceramente, não faço ideia do que se fala. Portugal? Por amor da santa… Há uns 20 anos atrás, os senhores das ciências da educação que impingiam as suas teorias a quem gramava a profissionalização em serviço, também diziam que Portugal era uma referência mundial em educação e o mundo tinha os olhos postos em nós (uma das teorias era a da flexibilização do currículo, que morreu logo ali). Esta gentinha não regula bem da cabeça! Dizem descaradamente as coisas mais absurdas, ridículas e inexistentes, e ninguém lhes dá uns tabefes. Este ministro nem faz a mínima ideia do que fala, nem do que se faz, nem do que existe, mas tem a cassete toda enfiada em modo retal para desbobinar e fazer um brilharete no mundo das suas infantis fantasias… raios o partam!

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  3. Ouvi hoje na TSF a reportagem sobre essa publicação. É mesmo inacreditável. Não é para rir,sim para chorar,ganir,miar… Como é possível mentir tanto e com tanta lata. Estamos entregues a uma súcia de vigários , aldrabões ,etc
    Boa Páscoa para todos !!!!!

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    1. A RTP também fez o seu trabalhito…: referiu a notícia dada pelo excelso Brandão à rigorosa gazeta espanhola com uma quente e afetuosa distância. Um pouco há maneira de um boletim municipal de âmbito um pouco alargado…
      Cá ‘check and balance’, qual carapuça! Bof…

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  4. – Faz de conta que todos os alunos das escolas portuguesas têm comida em casa, dinheiro para livros e outros materiais necessários, cuidados médicos adequados e que chegam à escola todos dias muito felizes e contentes, muito agradecidos por poderem estudar num país que lhes proporcionará um futuro brilhante e cheio de sucesso…

    – Faz de conta que todos os pais/encarregados de educação se preocupam com os seus filhos/educandos, que não negligenciam nenhum aspecto relativo aos seus dependentes e que incentivam o desempenho escolar dos mesmos… Faz de conta que todos os pais/encarregados de educação têm condições sócio-culturais adequadas e consonantes com as exigências do contexto escolar…

    – Faz de conta que todas as escolas portuguesas estão devidamente apetrechadas com os meios tecnológicos necessários e que todas têm condições físicas para proporcionar bem-estar, de acordo com as condições climatéricas dos vários meses do ano… Faz de conta que todas as escolas portuguesas têm WC que cumprem os princípios de higiene e que os respectivos refeitórios servem refeições equilibradas em termos de qualidade e de quantidade…

    – Faz de conta que a classe docente portuguesa se encontra muito satisfeita, não só do ponto de vista psicopedagógico mas também do ponto de vista sócio-político, com expectativas muito positivas face à respectiva carreira profissional… Faz de conta que os docentes se sentem realizados e valorizados profissionalmente e que o seu trabalho é reconhecido…

    – Faz de conta que todas as escolas portuguesas têm um ambiente facilitador das relações interpessoais e que estimulam o trabalho cooperativo, a troca de experiências, a discussão saudável e construtiva… Faz de conta que a opinião de todos conta e que é tida em consideração…

    – Faz de conta que as escolas portuguesas são democráticas, havendo respeito e consideração por cada um e que todos contribuem, na medida das suas possibilidades, para definir e alcançar desígnios comuns… Faz de conta que os directores das escolas portuguesas fomentam a convivência democrática e que não impõem procedimentos e medidas sem previamente auscultar a sua comunidade educativa… Faz de conta que os directores das escolas portuguesas não ignoram o estado de exaustão em que se encontra a maioria dos profissionais da sua comunidade educativa…

    – Faz de conta que o Ministério da Educação conhece bem a realidade das escolas que tutela e que fornece orientações que visam a simplificação e diminuição de procedimentos burocráticos e que estabelece metas exequíveis e adequadas à realidade e ao contexto sócio-cultural dos alunos portugueses…

    Será que o Ministro acredita que vive num país assim???

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    1. Muito bom, Matilde!! 👍👍

      Já estivemos mais longe disto: o aluno faz de conta que aprende, o professor faz de conta que ensina e o sistema faz de conta que funciona.
      Como no “terceiro” mundo…

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    2. Gostei muito, reflexão bem feita; esta escola dos contos de fadas que nos querem impingir não existe, mas só nos professores é que o sabemos!

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  5. Arranjaram-lhe uma entrevista do órgão oficioso do PSOE na imprensa espanhola. Uma espécie de DN de lá… deve estar feliz. Gostava de saber se respondeu às questões em portunhol ou se foi por escrito, via gabinete.

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  6. Mais palavras para quê? Subscrevo M. Acrescento que ao ler a entrevista, não consegui deixar de rir. Serei uma velha do Restelo (ou talvez da Trafaria) enloquecida?:)

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  7. Muito bom o artigo : lógico, óbvio e conhecedor!!!… e muito mau o pobre ministro.

    Quanto a este último o subscrevendo o texto da “Matilde” apenas acrescentaria aquilo que é ESTRUTURAL em portugal ( com letra pequena, intencionalmente) e em todas as áreas/ sectores/ contextos: O FAZ DE CONTA!!!

    E…(como já mencionei algures)… Viva o marketing que especula e vende mer** a preço de diamante.
    Resta saber se os outros como portugueses gostam de “banha da cobra”…

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  8. Espero, sinceramente, que os professores se envolvam, a sério, neste debate e não se limitem a ser meros espectadores que invariavelmente assistem a finais pouco felizes. Quanto mais o fizerem, quanto maior participação conseguirem, mais força vão ter em questões- sem dúvida importantes, mas não as mais importantes- como as da recuperação do tempo de serviço.

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