Sobre O Estatuto Social Da Docência

As minhas respostas para esta peça do Jornal de Leiria.

–  Há umas décadas, ser professor era prestigiante e dava ‘status’. A desvalorização a que a classe sido sujeita e a dificuldade que os novos docentes têm em encontrar colocação são razões para o afastamento dos jovens nesta profissão? Que outras razões existem? 
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O estatuto social dos professores era mais sensível no caso do Ensino Secundário, porque implicava um curso universitário na maioria dos casos, o que era uma situação minoritária da população. No caso do Ensino Primário, a feminização é quase total desde o início do século XX e esse estatuto era mais relativo. Podemos falar no “respeito” pela figura da professora primária, em especial nos meios rurais ou urbanos mais pequenos, em que a população adulta tinha escassa alfabetização, mas em termos de “estatuto” estava muito longe do chamado “professor de Liceu”.
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A desvalorização do estatuto social ocorre, inicialmente, com a massificação do ensino e com o aumento das habilitações médias. A massificação levou à entrada, por exemplo na segunda metade dos anos 70, na docência de quem ainda nem sequer tinha chegado à Universidade. apenas frequentado o então Ensino Propedêutico. O ajustamento no sentido de os professores serem quase em exclusivo licenciados acontece nos anos 90 do século XX, em simultâneo com a revalorização dos seus rendimentos e a instituição de um Estatuto de Carreira.
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Tudo isso veio a ser colocado em causa com as políticas desenvolvidas nos últimos 15 anos por um poder político que escolheu a classe docente como alvo preferencial dos seus ataques aos funcionários públicos, dirigindo-lhe publicamente críticas em muitos casos sem justificação e desenvolvendo medidas sucessivas que diminuíram os seus rendimentos e tornaram a carreira pouco apetecível para os novos alunos do Ensino Superior.
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–  Há um envelhecimento claro do corpo docente das escolas e vários estudos têm evidenciado o cansaço, depressão, ansiedade e até burnout a que os professores estão sujeitos. Que implicações têm isso nos alunos?
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A principal implicação é a menor disponibilidade mental e de tempo dos professores para corresponderem às necessidades dos alunos, por muito que se faça para minorar tal efeito. Mas há que perceber que grande parte da pressão sobre os professores resulta da combinação das suas funções tradicionais com outras de tipo burocrático (organizar processos dos alunos, fazer matrículas, elaborar relatórios de turma de período, de grupo, grelhas de registo de todo o tipo de ocorrências) e outras que em tempos seriam impensáveis (distribuir chaves de cacifos, recolher manuais escolares, distribuir folhetos da oferta educativa de outras escolas, etc). Este tipo de “trabalho” é incompatível com o trabalho qualificado dos docentes, mas passou a estar a seu cargo, obrigando-os a um dispêndio de tempo assinalável que, naturalmente, tem efeitos negativos na sua disponibilidade total para os alunos.
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– Toda esta instabilidade que têm vivido os docentes pode levar a que haja “falta de paciência” para os alunos e que alguns professores se “sintam cansados” e com pouca vontade de ir dar aulas
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A resposta muito clara é “sim”, porque a docência se tornou uma espécie de labirinto, do qual não se entrevê saída. O desânimo impera, a sensação de desamparo e abandono pela tutela, que apenas elogia e valoriza os professores se eles aplicarem acriticamente os seus normativos. Normativos esses produzidos em catadupa e muitos deles com evidentes falhas técnicas e evidente inadequação ao quotidiano escolar. Há uma generalizada sensação de “perda de sentido” no trabalho desenvolvido.
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– A renovação não tem sido feita. Não seria importante os recém-licenciados professores conviverem com os mais velhos para a troca de experiência?
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A colaboração intergeracional e a partilha de experiências de professores com idades e trajectos diversos seria muito importante para enriquecer a docência e minorar os efeitos do envelhecimento. A mera presença de professores mais novos é estimulante, quando o processo é feito de forma coerente e não como está a acontecer, lançando os professores contratados mais novos para uma situação de precariedade extrema, precisando de estar em 2 ou 3 escolas para completarem o seu horário. Isso torna-os também a eles vítimas de um cansaço precoce e de uma menor abertura para trocar experiências com aqueles que acham ser “privilegiados” por terem lugar no quadro. Nesse aspecto, foi insidiosa e perniciosa a acção de alguns políticos e comentadores mediáticos ao fomentarem uma espécie de conflito de gerações na profissão docente.
A preocupação parece ser apenas a de manter os professores mais novos muito tempo à espera até entrarem numa carreira à qual foi cortada grande parte do horizonte de progressão, numa lógica de Educação Low Cost.
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Domingo

Apesar do tempo cinzento, a silly season estival já se instalou de forma bem firme nos noticiários e intervenções públicas de políticos e derivados. Deixemos em paz Rui Rio e os seus recorrentes tiros ao lado do essencial, porque aos sobredotados está reservado um cantinho especial no reino dos Céus. Fiquemo-nos pelo rico batatal que é a Educação e o seu ministro, sempre feliz quando regressa ao seu torrão a mostrar obra para efeitos eleitoralistas. Entretanto, multiplicam-se notícias indignadas sobre a necessidade dos alunos (a família, os professores) apagarem os exercícios feitos nos manuais que não foram oferecidos ou “emprestadados”, mas apenas emprestados, que isto dos vouchers não é bem o que alguns pensavam. O problema é idiota a vários níveis, desde o facto de criar óbvias desigualdades entre quem apanha os manuais pela primeira vez, novinhos em folha, e quem os leva já numa 2ª ou 3ª vaga que, por muito que não se queira, após meses e meses de utilização e transporte em mochilas em conjunto com comida, ténis e outro material para Ed. Física, dificilmente estarão em condições próximas das ideais. Mas há mais aspectos a destacar como o facto de a generalidade dos manuais já não contemplar espaços para resolver exercícios. O que não impede que, por exemplo na leitura de um texto, o aluno, em especial um bom aluno, faça pequenas ou grandes anotações para se orientar. Que tudo isso tenha de ser apagado não é propriamente o fim do mundo em cuecas, mas começa a ser um pouco excessivo que agora queiram que sejam os professores a acrescentar isso ao conteúdo funcional da sua profissão, quando os encarregados de educação consideram como menor e indigna tal tarefa.

Entretanto, no CNE, volta.se à produção de documentos absolutamente inócuos a menos que correspondam aos desejos da elite política em exercício. A qual tem manifestos problemas em articular um argumentário lógico ou, sequer, intelectualmente honesto. Em notícia sobre a correia de transmissão do Governo no organismo, lêem-se coisas de pasmar sobre a carreira docente como “a pouca atratividade da profissão se liga, desde logo, aos números de desemprego”. E eu pensava que a “pouca atratividade” se devia à sua crescente proletarização material e desqualificação simbólica, fenómenos que levariam muita gente a não querer ingressar na docência. Mas não… é o desemprego que faz com que faltem professores o que só não é um paradoxo na cabeça da conselheira em causa.

Mas, não satisfeita, Inês Duarte continua em grande estilo, afirmando que aquilo que tem sido apresentado como “privilégio” da docência é, afinal, uma desvantagem, pois “a estrutura da carreira, cuja progressão é essencialmente baseada na antiguidade, torna-a pouco atrativa”, pelo que “a sua alteração parece-me essencial para a dignificação da carreira e para a revalorização social e profissional dos educadores e dos professores”. Ou seja, considera-se que é preciso eliminar o que ainda há pouco era apresentado como uma vantagem “injusta” da docência. Sendo que já se sabe que a alteração se destina não a revalorizar qualquer carreira, mas a limitar ainda mais o seu ritmo de progressão, alargando o tempo de permanência em cada escalão e apertando os critérios para essa mesma progressão.

E a mim, ainda choca esta falta de decoro em pessoas que não passam de tarefeiras políticas, cujo discurso se adapta a qualquer conveniência e sem qualquer convicção própria ou, sequer, preocupação com a coerência. Neste particular, a silly season é todo o ano, mas, em conjunto com a proposta de eliminar a prova de Matemática no acesso aos cursos que dão formação para a docência, convenhamos que Junho está em alta na parvoíce quanto às estratégias propostas para “elevar” a “atratividade” da carreira docente.

E ainda que reconhecendo a “necessidade de uma formação sólida em Matemática para quantos iniciam a aprendizagem das crianças desta disciplina”, o CNE defende, no entanto, que os tópicos que se aprofundam no ensino superior para se ser professor são os ensinados até ao 9.º ano de escolaridade, “não havendo assim relação direta entre a realização de um exame de Matemática do ensino secundário e conhecimento matemático necessário para um bom desempenho enquanto professor que também ensina Matemática“.

Entretanto, para compensar, a “atratividade” da carreira sindical em regime vitalício está igualmente em alta.

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