Domingo

Apesar do tempo cinzento, a silly season estival já se instalou de forma bem firme nos noticiários e intervenções públicas de políticos e derivados. Deixemos em paz Rui Rio e os seus recorrentes tiros ao lado do essencial, porque aos sobredotados está reservado um cantinho especial no reino dos Céus. Fiquemo-nos pelo rico batatal que é a Educação e o seu ministro, sempre feliz quando regressa ao seu torrão a mostrar obra para efeitos eleitoralistas. Entretanto, multiplicam-se notícias indignadas sobre a necessidade dos alunos (a família, os professores) apagarem os exercícios feitos nos manuais que não foram oferecidos ou “emprestadados”, mas apenas emprestados, que isto dos vouchers não é bem o que alguns pensavam. O problema é idiota a vários níveis, desde o facto de criar óbvias desigualdades entre quem apanha os manuais pela primeira vez, novinhos em folha, e quem os leva já numa 2ª ou 3ª vaga que, por muito que não se queira, após meses e meses de utilização e transporte em mochilas em conjunto com comida, ténis e outro material para Ed. Física, dificilmente estarão em condições próximas das ideais. Mas há mais aspectos a destacar como o facto de a generalidade dos manuais já não contemplar espaços para resolver exercícios. O que não impede que, por exemplo na leitura de um texto, o aluno, em especial um bom aluno, faça pequenas ou grandes anotações para se orientar. Que tudo isso tenha de ser apagado não é propriamente o fim do mundo em cuecas, mas começa a ser um pouco excessivo que agora queiram que sejam os professores a acrescentar isso ao conteúdo funcional da sua profissão, quando os encarregados de educação consideram como menor e indigna tal tarefa.

Entretanto, no CNE, volta.se à produção de documentos absolutamente inócuos a menos que correspondam aos desejos da elite política em exercício. A qual tem manifestos problemas em articular um argumentário lógico ou, sequer, intelectualmente honesto. Em notícia sobre a correia de transmissão do Governo no organismo, lêem-se coisas de pasmar sobre a carreira docente como “a pouca atratividade da profissão se liga, desde logo, aos números de desemprego”. E eu pensava que a “pouca atratividade” se devia à sua crescente proletarização material e desqualificação simbólica, fenómenos que levariam muita gente a não querer ingressar na docência. Mas não… é o desemprego que faz com que faltem professores o que só não é um paradoxo na cabeça da conselheira em causa.

Mas, não satisfeita, Inês Duarte continua em grande estilo, afirmando que aquilo que tem sido apresentado como “privilégio” da docência é, afinal, uma desvantagem, pois “a estrutura da carreira, cuja progressão é essencialmente baseada na antiguidade, torna-a pouco atrativa”, pelo que “a sua alteração parece-me essencial para a dignificação da carreira e para a revalorização social e profissional dos educadores e dos professores”. Ou seja, considera-se que é preciso eliminar o que ainda há pouco era apresentado como uma vantagem “injusta” da docência. Sendo que já se sabe que a alteração se destina não a revalorizar qualquer carreira, mas a limitar ainda mais o seu ritmo de progressão, alargando o tempo de permanência em cada escalão e apertando os critérios para essa mesma progressão.

E a mim, ainda choca esta falta de decoro em pessoas que não passam de tarefeiras políticas, cujo discurso se adapta a qualquer conveniência e sem qualquer convicção própria ou, sequer, preocupação com a coerência. Neste particular, a silly season é todo o ano, mas, em conjunto com a proposta de eliminar a prova de Matemática no acesso aos cursos que dão formação para a docência, convenhamos que Junho está em alta na parvoíce quanto às estratégias propostas para “elevar” a “atratividade” da carreira docente.

E ainda que reconhecendo a “necessidade de uma formação sólida em Matemática para quantos iniciam a aprendizagem das crianças desta disciplina”, o CNE defende, no entanto, que os tópicos que se aprofundam no ensino superior para se ser professor são os ensinados até ao 9.º ano de escolaridade, “não havendo assim relação direta entre a realização de um exame de Matemática do ensino secundário e conhecimento matemático necessário para um bom desempenho enquanto professor que também ensina Matemática“.

Entretanto, para compensar, a “atratividade” da carreira sindical em regime vitalício está igualmente em alta.

Stupid2

8 opiniões sobre “Domingo

  1. “a estrutura da carreira, cuja progressão é essencialmente baseada na antiguidade, torna-a pouco atrativa”, pelo que “a sua alteração parece-me essencial para a dignificação da carreira e para a revalorização social e profissional dos educadores e dos professores”.

    Ó rica, imagine a atratividade da carreira para quem chega aos 30 e poucos anos no quarto escalão e daí não passará até ao fim da sua existência profissional. Ui, ui!

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    1. Agora imagina, ter quase sessenta anos, trinta e quatro de serviço e estar no quarto escalão apenas porque é bacharel.
      Então e sendo bacharel não faz o mesmo que os outros sendo até avaliador.
      Os bachareis não contam para o governo mas os colegas também não lhes dão grande importância.

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  2. Está dado o mote e agora é só versar. Primeiro os jornalistas, a seguir comentadores depois os pais, os diretores, os municípios e finalmente, o Costa. Até outubro!

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  3. Magalhães,

    Claro, que é outra questão, sempre outra questão. Mas o principio de igualdade que tanto apregoamos fica onde?
    Os bacharéis são poucos, é verdade mas não deixam de ser competentes e fazendo o mesmo são mão de obra barata que ninguém quer ouvir.
    Claro, é outra questão!

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