Não, Arlindo… Não Posso Concordar!

Depois do primeiro artigo, que continha o essencial da proposta do Arlindo para revisão da carreira docente, ele já fez mais dois posts sobre aspectos como a redução da componente lectiva e as regras de transição entre carreiras. Nenhum deles altera a minha posição sobre a proposta, visto que apenas visa operacionalizar um modelo de que discordo. E, já agora, o ECD que temos tem origem em 2007 e não em 2005 e as “ultrapassagens” que se têm verificado entretanto não resultam do ECD em si, mas da forma como se legislaram as vinculações extraordinárias e as regras dos reposicionamentos. Por muito detestável que o ECD seja com as quotas, foram mecanismos posteriores de desregulação (e o congelamento) que o tornaram ainda pior.

Mas voltemos à proposta do Arlindo a a aspectos mais concretos dela que estão na base da minha discordância que alguns poderão considerar à vontade “corporativa”, porque tenho boa resposta para isso. Afinal, a minha reserva será “macro-corporativa”.

Concentremo-nos no primeiro quadro do Arlindo, no qual ele compara a estrutura da actual carreira com a que ele propõe.

ENSAIO-PARA-UMA-NOVA-CARREIRA-DOCENTE-2b

Se tomarem atenção aos escalões, seja à sua duração, seja ao índice salarial, verifica-se que a existir uma vantagem ela localiza-se no que seria o primeiro escalão da nova carreira, em que os docentes ganhariam (em termos globais) um pouco mais de 12% no conjunto dos 8 anos. No 2º escalão ganhariam globalmente mais 8% nesse período de tempo, mas a partir daí os ganhos desapareceriam e nos últimos escalões passariam a verificar-se perdas em relação à estrutura actual. O “problema” é que nas condições actuais, contabilizando-se o tempo de serviço antes da entrada na carreira, quase ninguém entra(ria) para esses escalões. A regra tem sido a entrada com 10 anos ou mais de serviço na generalidade dos grupos. O próprio Arlindo nos tem facultado esses dados.

Isso percebe-se, por exemplo, quando se analisa o tempo necessário para atingir os 4º e 5º escalões propostos pelo Arlindo, que correspondem a mais dois anos do que agora para os índices equivalentes (chega-se ao 272 com 22 anos teóricos de serviço, mas apenas ao 275 do Arlindo com 24, assim como se chega ao 299 com 26 – teóricos – enquanto ao 300 se chegaria com 28 anos). Para além  disso, o horizonte de progressão seria esse escalão correspondente ao índice 300, o que faria recuar esse horizonte para um patamar inferior ao que existe desde os anos 90 do século XX.

Esta minha objecção é puramente salarial e corresponde à visão de um professor “velho” que está contra a melhor remuneração dos “novos”? Só num primeiro olhar porque se fizerem as contas perceberão que, no seu conjunto, a proposta do Arlindo acaba por distribuir quase a mesma massa salarial pelo conjunto da carreira, apenas estreitando o seu leque de um modo que está próximo de algum discurso demagógico dos que afirmam que os “velhos” trabalham menos e recebem mais, deitando fora uma visão que tem quase um século (pelo menos no antigo Ensino Liceal) de que a idade corresponde a maior experiência, assim como desgaste, pelo que deve ser compensada pela progressão salarial e redução da componente lectiva. Só que o Arlindo quer substituir uma amplitude de 167 para 370 (2,2) por uma de 200 para 300 (1,5).

Quanto à redução da componente lectiva, a proposta em nada beneficia os professores mais velhos e com maior desgaste, apenas antecipando a redução para quem aceda ao 2º escalão da carreira, o que num cenário de ingresso por volta dos 30 anos, apenas iria beneficiar professores abaixo dos 40 anos. Confesso, não é por estar já acima dos 50 e rodeado de gente em boa parte mais “velha”, parece-me que se deveria reforçar a protecção de quem está mais vulnerável e não o contrário.

Ensaio3

Mas, como digo, as minhas objecções são puramente salariais e do ponto de vista de quem está a meio da carreira? Não propriamente, porque eu já desisti de ir além do índice 299 (equivalente ao topo da carreira para o Arlindo). O que acho é que, desta forma, iremos armadilhar as futuras gerações de professores, com uma carreira que terá um horizonte de progressão menor do que o actual. Se isso é compensado pela eliminação das quotas? Talvez para alguns, mas a verdade é que escalões de 8 anos são longos demais e seriam porventura os mais longos de toda a administração pública. Se aceitaria ir até escalões de 6 anos? Sim, se fossem pelo menos 6 escalões sem quotas e com uma avaliação do desempenho decente, coisa que ainda não conheci.

E nesta carreira, como seria feita essa avaliação? O Arlindo respondeu-me que discorda de uma avaliação centrada nas coordenações de departamento, a quem ele reserva uma carreira própria acima dos professores “lectivos”. Pelo que eu me interrogo porque teriam essas coordenações direito a carreira própria e escalões exclusivos, tal como subdirectores e directores? Afinal, sem funções de supervisão pedagógica ao nível da avaliação, o que fariam de especial essas “chefias intermédias”? Manteriam o redil em ordem? E como acederiam a essa posição? Tem a IGEC capacidade para avaliar todos os directores, subdirectores e coordenadores de departamento em tempo útil, mesmo sendo 8 anos? E no Pedagógico teríamos 7 professores de carreira funcional e os outros da “disfuncional”, ou seja a lectiva? Ou teríamos outras “funcionalidades”? Há uns bons anos defendi a diferenciação funcional da carreira docente, mas com estruturas paralelas e não sobrepostas.

Na prática, esta proposta recupera, de forma mais draconiana, a lógica dos “titulares”, o que mais ofendeu a generalidade dos professores no ECD de 2007. E defende o encapsulamento dos directores num casulo de excepcionalidade, de carreira própria, um “corpo” especial dentro de uma carreira dita “especial” algo que ouvi a MLRodrigues lamentar, num congresso da Andaep, ainda não existir nessa data.

A proposta do Arlindo tem o mérito de existir e suscitar discussão, mas teria mais mérito se surgisse depois de uma discussão sobre o modelo de governação das escolas que parece tomar como adquirido, o das lideranças unipessoais com uma lógica de nomeação ou eleição condicionada das chefias intermédias.

Eu gostaria que o Arlindo, como director, tivesse começado por reflectir sobre o modelo e gestão, porque assim dá a sensação que concorda com o que temos e que a primeira prioridade é rever a carreira, para a dividir de forma horizontal.

Ou que tivesse pensado num modelo diferente de avaliação do desempenho, nomeadamente ao nível do que deve ser considerado relevante no desempenho dos docentes e, já agora, no perfil de competências dos avaliadores. Porque o que temos foi herdado, em muito, de quem acabou por se deixar ir na onda dos simplex de MLR e Crato. Não chega afirmar que se pretende uma avaliação “formativa”. Isso é um nada em forma de tudo.

Alterar a estrutura da carreira nesta perspectiva de “achatamento” e de criação de categorias estanques é algo que tenho visto ser uma preocupação daqueles que (como os porfírios) sempre estiveram a favor dos congelamentos, das sobretaxas, das quotas, de um modelo de gestão no qual os procedimentos democráticos são residuais. Não é a minha preocupação, nem prioridade minha.

Em toda a proposta, até agora, só vejo o mérito de eliminar as quotas, mas não sei ainda como seria feita a transição entre escalões. E a contrapartida parece-me problemática para a generalidade dos professores, mesmo os “novos” que podem olhar só para conveniências de curto prazo.

Com esta proposta só vejo vantagens para menos de 5000 docentes, numa perspectiva simpática. Os que ocupam os cargos que ficariam com o exclusivo dos índices 340 e 370 e estejam agora abaixo do 5º escalão.

26 opiniões sobre “Não, Arlindo… Não Posso Concordar!

  1. Por um lado acho que o Arlindo fez bem em começar a discussão. Por outro lado as propostas dele não são nada boas, é um facto. Mas haveria que começar já a antever o que o PS vai fazer se for governo para depois agirmos com respostas e não apenas com “nãos”. E é preciso não ter ilusões porque eles vão mesmo mexer no estatuto da carreira docente! E estão desertinhos para aumentar os anos dos escalões, tanto que já foi o argumento deles aproveitando o congelamento. Ou seja na opinião deles ( e sei do que falo!) a carreira dos professores tem demasiados escalões e não se leva 10 anos a progredir como no resto da função pública! Mesmo que isto não seja verdade é o que argumentam… Seria melhor calcularmos desde já o que vai acontecer para não sermos apanhados de surpresa.

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  2. Concordo inteiramente como o Paulo Guinote. Até porque isto de termos um DIRECTOR a avançar com estas propostas deve ter muito que se lhe diga…

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  3. Paulo, você é uma mente lúcida! Por favor não abandone este «Quintal»!
    Não poderia estar mais de acordo. Sou uma «velha», tão velha que estou no 370. Não tendo dores, nem doença visível (só aquele colesterol alentejano), preocupa-me aquilo que vejo em redor: gente que desiste de uma carreira digna; gente que só vê o umbigo; gente que corre aos cargos e vê neles uma promoção ou um trampolim político; gente que nunca vi ler um livro, …
    A proposta do Arlindo (sim, sei quem é) trata-se de uma negação da docência. Que fazem os professores numa escola? O que é um professor? (Apetece perguntar)

    Bem haja!

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  4. Dividir / complicar para reinar continua a ter aqui uma grande oportunidade. Em vez de se buscar uma simplificação das coisas, insiste-se numa teia complexa que continua a deixar lugar para inúmeras situações díspares. Para além, claro, da busca pessoal de cada um por um buraco por onde se enfiar e subir a um patamar superior ao dos vulgares professores que dão aulas e aulas e aulas. A inovação dos “professores titulares” foi algo mesmo feio de se ver nas escolas, com muitas situações de meter nojo e com muitos colegas a revelarem o pior de si (e do ser humano) quando se apanharam com a faca e o queijo na mão. É para insistir neste tipo de coisas? É para continuar a fingir-se que a avaliação de desempenho que temos reflete realmente o mérito de cada um e que por isso deve ser tido em conta para que uns possam ultrapassar outros? Não há mais vergonha?

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  5. Devo estar a ver mal, mas a sensação que fica, é a de um réu que ainda não foi julgado, e já esta a propor que lhe transformem a pena de morte em prisão perpétua, como se já fosse culpado; e no caso dos professores, como se não merecessem ganhar o que ganham.

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    1. O “senhor” Nuno Sousa deve ser “parte interessada”. Certamente não é Professor mas se quiser experimentar é só tirar o Curso… depois comente qiem merece o que ganha…
      É só “tristes”…

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      1. Vou reformular: A ler esta proposta, vem-me à ideia um prisioneiro do campo de concentração que vai falar com os guardas e propor ser executado por fuzilamento em vez da câmara de gás.
        Entao a carreira não é atrativa? E com o índice máximo a 300 já passa a ser? Entao aceita-se que os professores passem a ganhar menos no fim da carreira?

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  6. Porra, nova carreira, novos escalões.. agora é para se ficar no meio….irra é dar tiros nos pés…. é dar ideias a nova ministra da educação e aos novos secretários de estado… já não serão necessários sindicatos……..

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  7. O “senhor” Nuno Sousa deve ser “parte interessada”. Certamente não é Professor mas se quiser experimentar é só tirar o Curso… depois comente qiem merece o que ganha…
    É só “tristes”…

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  8. As questões que o Ilustre Colega Guinote aqui coloca são da maior relevância, v.g. o facto de a proposta “sub judice” poder conduzir à introdução de uma fractura no seio da Carreira Docente idêntica à dos professores Titulares. Confissão de interesses: “ascendi” a Titular no tempo de MLR.
    Tanto quanto posso avaliar da putativa Ministra da Educação, v. g. pelos seus escritos académicos enquanto professora da FDL, não me parece que vá tão longe em sede de fractura do ECD quanto aquela proposta que se “farta” de lhe dar “ideias”…

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  9. “(…)Com esta proposta só vejo vantagens para menos de 5000 docentes, numa perspectiva simpática. Os que ocupam os cargos que ficariam com o exclusivo dos índices 340 e 370 e estejam agora abaixo do 5º escalão.” Estou a ver um. O Arlindo.

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  10. Também subscrevo «Não, Arlindo, não posso concordar!». Mais uma vez se prova que o inimigo convive entre nós e que espera uma oportunidade para nos usar como degrau de ascensão. Os magistrados, sem dar nas vistas, conseguiram superar o salário do topo da carreira ao do PR, os militares continuam com benefícios na aposentação, os enfermeiros recuperaram na totalidade os pontos do tempo de serviço, e entre nós há quem defenda a redução salarial nos últimos escalões! Isto vai de mal a pior!

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  11. Nuno Sousa peço-lhe as mais sinceras desculpas! Não percebi mrsmo o que queria dizer com o seu comentário. Estou muito perturbada com tudo isto…
    Agora com este seu esclarecimento compreedi e concordo consigo.

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  12. Se o Arlindo trabalhasse, dar aulas mesmo, não teria tempo para isto…
    Como o poder, mesmo que pequenino, corrompe!
    Mais um, eu, a sentir vergonha alheia.

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  13. Não consigo entender esta mudança de clube.
    Há momentos em que mais vale ficar caladito.
    Mas o que se está a passar ?
    Necessidade imperiosa de férias ?
    Muda-se assim ????
    Não consigo entender mesmo !

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  14. Grata Paulo pela presença e pelo discernimento.
    Fez uma boa análise e conseguiu exprimir as conclusões de uma forma muito clara…
    Partilho que o que eu mais receio, na educação, é a falta de capacidade de defendermos os nossos interesses. E também de encontrarmos quem os defenda por nós.
    Foge de todo a essa generalização.
    Parabéns! Não largue por favor!

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