Última parte do texto da colega Maria de Fátima Patranito sobre vários aspectos da burrocracia escolar que nos submerge. Em relação a alguns comentários que fui lendo, em especial no fbook, gostaria de deixar umas breves notas: em alguns casos, a descrição até pode pecar por defeito, pois há escolas nas quais se realizam reuniões e se pedem documentos que não surgem nesta listagem; em seguida, que se há pessoas que acham que nos lamentamos demais e as outras profissões também os seus problemas, então que essas profissões se queixem dos seus agravos, pois ninguém se queixará por nós; por fim, que sei perfeitamente que existe quem acha que isto é tudo muito natural, necessário e mesmo indispensável, sendo que muitas delas costumam estar no topo da cadeia hierárquica e de sala de aula ou praticam pouco ou fazem-no com aquela mestria que só é possível a quem se alegra com mais um procedimento administrativo, mais um cabeçalho por inovar.
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C – Relatórios e outros documentos de preenchimento obrigatório
1 – Mediação/tutoria/apoio (“intervenção em foco académico” de acordo com o novo vocabulário do 54/2019). Os professores que estão no gabinete de mediação fazem 3 registos por aluno (!!!). Cabe à coordenação do gabinete elaborar o relatório final. Na tutoria, o professor faz 1 relatório por aluno e por período letivo.
2 – Relatório de autoavaliação (final do ano, em diferentes datas, de acordo com a situação profissional do professor).
3 – Avaliação de colegas (preenchimento de 3 documentos para cada colega avaliado).
4 – Relatório da Direção de turma.
5 – Relatório de Coordenador de área disciplinar (CAD).
6 – Relatório de Coordenador de Departamento.
7 – Se tens um recurso de nota (1 relatório do professor da disciplina e 1 do DT).
8 – Se tens alunos a quem devam ser aplicadas medidas de recuperação e integração (no caso de excesso de faltas).
9 – Se tens alunos a quem devam ser aplicadas medidas corretivas (no caso de indisciplina); 1 por aluno.
10 – Documento que atesta que a PEF (prova de equivalência à frequência) e PEA (prova extraordinária de avaliação) estão feitas de acordo com as orientações superiores (JNE e legislação em vigor). É preenchido e assinado pelo coordenador da área disciplinar (CAD) ou pelo coordenador de departamento, no caso de acumular funções, como é o meu caso.
11 – Identificação de alunos que necessitam de uma ajuda mais individualizada (um documento extenso, com imensos quadradinhos onde deve ser debitada informação que ninguém compreende muito bem o que é, ou que não serve rigorosamente para nada e a que a equipa multidisciplinar deu o ilustre nome de “Ficha de identificação da necessidade de medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão” (acrescento um reparo pessoal: o D.L 54/2019, acrescentou a tudo o que já existia um elevado grau de loucura).
12 – Avaliação das atividades de apoio ao estudo dos alunos que as frequentaram, preenchendo 1 documento com o nome dos alunos, número total de sessões e nº de sessões a que cada aluno assistiu, se foi proposto ou se as frequentou voluntariamente.
13 – Relatório final das atividades do CAPA (Centro de apoio ao estudo).
14 – Documento da distribuição de serviço para o próximo ano letivo e preferências de horário (da responsabilidade do CAD ou do Coordenador de Departamento).
15 – PTT (projeto de trabalho de turma) de preenchimento obrigatório pelos diretores de turma e onde são registadas todas as informações relativas aos alunos da turma, nomeadamente:
(A) caracterização da turma;
(B) contactos com encarregados de educação (% de presenças nas reuniões; nº de contactos pessoais; nº de outras formas de contacto). Estes registos são feitos para cada uma das reuniões/período a período a que acrescem ainda o registo dos motivos das reuniões ou dos contactos e existe ainda uma coluna de observações;
(C) Perfil da turma, com registos período a período e onde se destacam “pontos fortes”, “áreas de melhoria” (não se pode dizer “pontos fracos” pois não é politicamente correto) e “ações de melhoria” (aqui tens de registar “Objetivos”, “Estratégias/Atividades” e “Resultados”;
(D) ocorrências disciplinares – registos por período (nomes dos alunos; disciplinas onde se registaram as ocorrências; resolução (identificar medidas, sanções e data);
(E) outros dados que incluem o n.º de alunos com assiduidade irregular; n.º de alunos que anularam a matrícula; n.º de alunos com classificações negativas; n.º de alunos com média de suficiente; n.º de alunos com média de bom; n.º de alunos com média de muito bom; nomes dos alunos propostos para mérito escolar (3.º P);
4ª NOTA MUITO IMPORTANTE: Todos estes dados estatísticos podem ser obtidos a partir do programa Inovar ou de outro que a escola utilize, mas a partir do momento em que se instalou na escola a mentalidade de que os professores, além de 3 meses de férias, não faziam nada, inventaram-se mil e uma “tarefas” repetidas em vários suportes para justificar a sua presença na escola, para lhes infernizar a vida familiar e os tempos que deveriam ser de descanso ou para lhes ocupar todo o tempo, sem lhes deixar tempo para a atualização científica, leituras diversas e para preparação de aulas.
(F) medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão, que implicam um registo aluno a aluno, período a período e onde se devem identificar “Barreiras/fatores que afetam de forma significativa o progresso e o desenvolvimento do aluno”; “disciplinas”; “medidas” e “monitorização/avaliação”;
5ª NOTA: Este registo ocupou 7 páginas no PTT da minha direção de turma.
(G) projeto(s) de articulação horizontal (interdisciplinar), onde se devem registar as “Atividades”; “Aprendizagens/Áreas de competência”; “Disciplinas/serviços”; “Calendarização”; “Domínios de Cidadania”; “Recursos”; “Avaliação (realizado/ não realizado; balanço global)”;
(H) educação para a cidadania (disciplinar), onde se devem registar os “Domínios”; as “Atividades”; as “Disciplinas/serviços”; a “Calendarização”; “Avaliação (realizado/ não realizado; balanço global)”;
(I) avaliação do ptt, onde se devem registar, período a período, os “Objetivos do conselho de turma” e se estes foram atingidos “Total, parcialmente ou não atingidos”;
(J) projeto de educação sexual (pes), onde se deve registar o professor responsável (DT) e os professores envolvidos; as dimensões da sexualidade humana (biológica, psicoafectiva, sociocultural); atividades/iniciativas; disciplinas; nº de horas; calendarização; avaliação do projeto.
16 – Questionário online para os classificadores, na plataforma moodle, do IAVE.
17 – Questionário online para avaliação da biblioteca escolar.
D – Comunicação/informação por correio eletrónico (um outro lado da escravização)
– Esta é uma forma fácil de comunicar e difundir informação, contudo ela é abusivamente utilizada por direções, encarregados de educação, colegas, outros serviços das escolas, centros de formação, câmaras municipais e serviços educativos, editoras, e muitos mais.
Este meio de correspondência eletrónica é abusivamente utilizado porque nos é remetida a qualquer hora do dia ou da noite, nos períodos de descanso como por exemplo feriados e fins de semana e até quando já se está em pleno período de (merecidas) férias.
Os números apresentados são aproximados, dado que ao longo do ano vou apagando alguns dos mails recebidos e reenviados, nomeadamente os de entidades diversas que pedem divulgação de atividades ou de ações de formação, por exemplo. Nestes números, também não estão contabilizados os contactos de e com os encarregados de educação, dado que os mesmos são efetuados através do programa informático Inovar/alunos. (*)
– Enviados: 746;
– DT 10º – 294 (assuntos da direção de turma, excepto contactos com e de encarregados de educação, (*);
– CT 7ºC e F: 36;
– Cidadania: 45;
– Departamento: 68;
– Direção e Conselho Pedagógico: 84;
– Editoras: 98;
– Formação: 49;
– Grupo disciplinar: 146
6ª NOTA: Segundo a legislação em vigor e para além da desconsideração e do desrespeito pelos docentes por parte de quase todos estes serviços e organismos, a situação configura assédio moral, pois não se respeitam os períodos de descanso, nem a vida privada, como se ela não existisse e fosse totalmente desnecessária. Por algum motivo, alguns Estados Europeus já legislaram sobre este assunto, proibindo às empresas/entidades patronais este contacto permanente e abusivo.
E – A componente não letiva (ou o que cabe aos “mais velhos”)
No meu caso pessoal, as 11 horas de componente não letiva, estão assim distribuídas: 2 h (direção de turma) + 4 h (coordenação de departamento e CAD, em acumulação) + 2 h (apoio aos alunos do 10º e de 7º) + 2 h (gabinete de mediação) + 1h (trabalho colaborativo). Muitas destas atividades estavam integradas na componente letiva, pois são atividades de carácter pedagógico, mas a ministra Maria de Lurdes Rodrigues, do cimo da sua arrogância, alterou o ECD a seu belo prazer. Isto implicou redução de horas e de horários e mais uma poupança de milhões, ao longo de todos estes anos. Políticos e sindicatos continuam a ignorar esta situação.
F – Organização do dossiê digital, da responsabilidade do CAD ou do Coordenador de Departamento
Antes da era da informática, cada grupo disciplinar mantinha o seu arquivo em papel, onde eram colocados todos os documentos inerentes às atividades do grupo – planificações, testes, atas de reuniões, etc.
A era digital trouxe a esperança de se pouparem papéis e árvores, mas acrescentou mais umas “tarefas” aos coordenadores de departamento ou aos CAD. Assim, os vários documentos são enviados por cada um dos professores ao coordenador e este “arquiva-os” no dossiê digital, que se divide nas seguintes pastas: (1) Atas; (2) Avaliação (todas as grelhas Excel onde constam as classificações dos vários instrumentos de avaliação e que vão sendo completadas ao longo dos vários períodos letivos); (3) PAA do grupo; (5) PEF + PEA + Exames nacionais – dados estatísticos); (6) Planificações (gestão curricular, planificação anual e planificações por tema, domínio ou módulo); (7) Professores (diversas subpastas consoante o número de professores, onde são colocados os testes e outros instrumentos de avaliação + critérios de correção de cada um deles); (8) Projetos e protocolos de cooperação com outras entidades); (9) Relatórios do CAD e do coordenador Departamento).
G – Formação contínua de frequência obrigatória
Como mudei de escalão em Dezembro de 2018, as 30 horas de formação, feitas entre Dezembro/2017 e Fevereiro/2018, foram literalmente deitadas no lixo. Assim, fui obrigada a fazer 50 horas de formação, entre Abril e Julho/2019, para poder aceder ao 10º escalão, no próximo ano letivo.
Todas as ações de formação são, intencionalmente, realizadas fora do horário de trabalho, ou seja, nos períodos que deveriam ser, obrigatoriamente, de descanso. Mais uma “modernice” da ministra MLR, porque “os professores, além de privilegiados, não faziam nada ao longo do ano letivo!”.
NOTA FINAL: Os docentes que estão na carreira têm, atualmente, a 1ª redução da componente letiva aos 50 anos (2 horas e só aos 60 atingem a redução máxima de 8h). Estes colegas estão “carregados” de turmas, sobretudo os que lecionam as disciplinas das Humanidades (História, Geografia (EB) e Filosofia (ES) e das Artes (EV), algumas reduzidas a uma carga horária semanal de 50 minutos.
Maria de Fátima dos Santos Patranito
(Por questões compreensíveis não é referida a escola onde leciono)