O Que Me Interessa Muito…

… é detectar os nacos de hipocrisia de quem ao sair, quer dar a entender que não disse e fez uma série de coisas que efectivamente fez e disse, ao contrário do que agora escreve, recorrendo a malabarismos, truncagens e silogismos diversos. É por isso que ler um confuso elogio dos conhecimentos de história (assim, escrita à moderna com minúscula) dos alunos (pp. 28-32 do livro de que o actual SE Costa é co-autor) me bate mal, quando confronto essas páginas com declarações públicas produzidas há menos de três anos já quando era governante.

O currículo foi sendo vítima do empilhamento de conteúdos. Nas últimas duas décadas nunca se produziu tanto conhecimento e a escola foi absorvendo. A disciplina História é exemplo disso, passam dez, quinze anos e lá vem mais um capítulo para o programa de História. São conteúdos sem fim que não dá para fazer mais do que despejar e esquecer no dia a seguir, descartando o conhecimento”.

Mas depois escreve-se, pelo meio de alguma verborreia de trabalho breve para a cadeira de Teoria da História de curso bolonhês, o seguinte (p. 31, mas podia ter usado outra passagem):

IMG_1916

Repare-se que eu não estou contra o que se escreve agora, mas sim contra o que se disse (que a cada 10-15 anos era preciso saber mais conteúdos de História recente)  e o que se fez antes, nomeadamente ao nível da salamização curricular da História, semestralizada em aprendizagens anedóticas que fazem lembrar aqueles livros para totós. Se a História progride em conhecimentos, a solução é reduzi-los ou ao tempo disponível para construir o “conhecimento histórico” que se elogia em 2019 depois de em 2016 se afirmar que era para esquecer no dia seguinte?

E temos todo um primeiro capítulo em que é possível encontrar este tipo de “desconformidades”, como o elogio das artes depois de se ter concretizado a total terraplanagem desta componente no currículo. Nos dois casos com o colaboracionismo, mais ou menos consciente, de certas organizações “académico-profissionais”.

Nem sempre o verbo pode apagar a práxis. As palavras são importantes, mas quando correspondem aos actos.

A Bíblia Também Não Tem Bibliografia

Confesso um preconceito que poderá ser disparatado, mas quando folheio pela primeira vez um livro sobre qualquer área académica, em especial sobre as que me são mais próximas como a História, a Educação ou sobre o campo mais alargado das Ciências Sociais e Humanas, gosto de ver a bibliografia em que o(s) autor(es) procuram sustentar as suas teses, na presença ou ausência de algumas notas ou referências de pé de página ou final de texto que fundamentem o que é afirmado ou infirmado, mesmo que se trate de uma prosa ensaística mais ao correr da pena. Ou em especial nestes casos. Detesto a exibição bacoca de uma erudição virtuosa (aqueles artigos com mais espaço nas páginas ocupado por notas do que propriamente pelo texto nuclear), mas há limites para a apresentação de certezas sem que elas se sustentem em algo reconhecível, para além de profissões de fé ou de estribilhos como”todos sabemos que” ou “é evidente que” ou “é óbvio que”. É essencial que, mesmo quando se repete o que acha evidente, se explique o porquê e se demonstre. Sem isso todos podemos escrever qualquer coisa e apresentá-lo como dogma, atirando para quem discorda o anátema da intolerância ou “teimosia”.

O livro de João Costa e João Couvaneiro envereda por esse caminho. O de achar que é tudo tão evidente que nem vale a pena fazer a fundamentação empírica das suas “evidências”. Que nem uma variante do método científico é necessário para que as suas verdades sejam auto-explicativas. Em 150 páginas, há 9 notas de fim de página, sendo 3 de documentos produzidos pelo actual governo/ministério. Há uma (a primeira) relativa a um texto de natureza “técnica” e é de 2010. Basta comparar com as 6 páginas de prefácio da responsabilidade de António Nóvoa que, de forma perfeitamente natural e no contexto do que é afirmado, cita João Guimarães Rosa, Michel Serres, Mikhail Epstein, George Steiner e John Dewey. Quem se sente seguro de si e do que sabe, não receia identificar as raízes do seu pensamento. Ou aqueles a que se opõe. Quem se ensimesma, talvez por insegurança ou preguiça, recusa o confronto aberto e argumenta no vácuo referencial.

Simplicidade não é simplismo. Clareza na escrita não deve ser equivalente a pobreza de substância.

Quando se pretende replicar a posições adversas, não é estratégia incomum a caricatura ou a omissão de referências exactas, para ser inverificável o que se atribui a um outrém indefinido. Essa foi a estratégia de João Costa e, lamento, de João Couvaneiro. Referem posições críticas, reduzindo-as a formulações simplistas, sem emissores reconhecíveis, para lhes ser mais fácil manipular a argumentação na resposta. Receiam nomear e citar com rigor o que foi dito ou escrito, para poderem afirmar que estão a discutir “ideias” e “conceitos” em abstracto. Mas a verdade é que na introdução até chamam a ética à pedra para legitimarem a prosa produzida que apresentam como “reacção” e “resposta”. Mas não dizem a quem estão a reagir ou responder. Preferem reduzir a expressões caricaturais o pensamento alheio. Nisso fazem muito lembrar o livro-testemunho da ministra MLR, incapaz de ir além da sua circunstância pessoal.

Pessoalmente, acho de uma imensa falta de coragem, o que se quer passar por “elevação”. Não chega a ser sobranceria, pois carece da devida sustentação. Fica-se, no fundo, pelo “achismo” quando se pretende apontar isso a quem não alinha com uma tendência específica do pensamento pedagógico da segunda metade do século XX.

Agora… pensem que escrevi isto e só li o prefácio e a introdução, passando os olhos sobre o resto. Ao contrário dos autores, tenho todo o interesse em citar com clareza tudo o que discordo, porquê e com base em que pensadores, estudos, “evidências”. É essa a longa tradição do verdadeiro “pensamento crítico”.

IMG_1915

Pelo Educare

Para ver as coisas por mais de um lado.

O envelhecimento docente é mau?

Como processo natural, o “envelhecimento” da classe docente deveria fazer parte de um fenómeno de transmissão e troca de experiências, saberes e práticas entre gerações, permitindo um enriquecimento mútuo do trabalho com os alunos, conjugando elementos de tradição e renovação e permitindo uma diversificação harmoniosa de perspectivas e metodologias.

pg contradit