O Texto Completo (Do Público De Hoje)

O ano que começa em Novembro

Estamos em período de arranque do ano escolar e em breve do ano lectivo (são diferenças subtis e técnicas do maravilhoso mundo da terminologia educativa), de novo em período de plena campanha eleitoral. O que significa que tudo arranca formalmente em Setembro, mas só dois meses depois se perceberá ao certo o rumo do ano. Basta recuar quatro anos para perceber que tudo o que estava previsto por esta altura foi sendo pacientemente desfeito a partir de Novembro, tornando-se necessário rever todo o trabalho desenvolvido nas primeiras semanas de Setembro.

Não é que seja excepção que no sector da Educação se legisle em qualquer altura do ano, sem qualquer cuidado especial pelo impacto que isso possa ter no quotidiano escolar, em particular no dos alunos que tanto se usam como pretexto para a generalidade das medidas tomadas, em particular as que levantam maior resistência na opinião pública ou na classe docente. Aliás, a regra é legislar a esmo, como recentemente se viu acerca das medidas relacionadas com a defesa dos alunos transgénero. Com anos para tratar adequadamente de um assunto delicado, faz-se um despacho a meio de Agosto, sem qualquer aviso prévio, e espera-se que as coisas aconteçam, surgindo depois alguns governantes em trânsito entre o veraneio e o final de mandato, com ar de fastio, a acusar quem deles discorde das maiores das incompreensões.

Por tudo isto, o arranque deste ano escolar/lectivo deve ser encarado com calma e sem demasiada excitação, porque muito do que agora se possa fazer poderá vir a ser desfeito ainda no primeiro período, conforme o resultado das eleições, o perfil da futura equipa governamental na área da Educação e jogo de equilíbrio entre os grupos de pressão em presença. Tudo isto a juntar ao início da implementação em dezenas de municípios da “descentralização de competências” na área da Educação que, em muitos casos, se traduz no início de um caminho de que poucos perceberão o verdadeiro sentido, para além da captação de fundos europeus.

Uma das ocupações deste período pré-eleitoral é a de identificar o que é prometido, como se isso fosse verdadeiramente importante para o futuro. A tradição de muito prometer e pouco fazer vem de longe, assim como de fazer algo que nem sequer aparecera em parte alguma. Como são recorrentes formulações vagas do tipo “dignificar a profissão docente” ou “mobilizar medidas para promover o sucesso/combater o insucesso” nas quais tudo e nada cabem lado a lado.

Perante isso, mais do que fica escrito para uma posteridade efémera, prefiro procurar o que não está lá. Como professor ou como encarregado de educação. E há muita coisa que não está nos programas eleitorais, como a ausência da Educação, enquanto tema autónomo das “Cinco questões nucleares para o futuro do País” do PCP aos “5 Objectivos para esta legislatura” do CDS, passando pelas 6 propostas do PSD, pelos 4 desafios estratégicos do PS ou pelos 5 pontos principais do programa do Bloco de Esquerda. Talvez por ter mais áreas individualizadas com propostas (acima da dúzia), o PAN é o único partido que apresenta a Educação de forma individualizada.

Sobram formulações vagas ou então sem qualquer explicação sobre a forma como se pretendem implementar as medidas propostas, como e com que cronograma. Pelo que é tão ou mais importante ler-se o que lá não está, nem sequer nas entrelinhas. E por maioria de razão no partido que se anuncia como o vencedor antecipado das eleições. Não está lá a reversão ou sequer flexibilização do modelo de gestão escolar, até por imposição da agenda municipalizadora. Não está uma clarificação do modelo de avaliação dos alunos, não se sabendo se, em caso de maioria relativa e estabelecimento de alianças (permanentes ou transitórias), serão viabilizadas propostas de extinção de exames e provas finais defendidas à esquerda. Se o processo de descaracterização curricular, com a menorização de saberes fundamentais em favor de abordagens resultantes de paixões transitórias, irá continuar. E não está qualquer preocupação explícita ou implícita com a especificidade da carreira docente, sendo de temer a opção por uma adaptação do modelo de avaliação dos docentes ao dos restantes trabalhadores da Administração Pública.

Só em Novembro saberemos tudo isto ou o que nem ainda imaginamos. Em boa verdade, estes dois meses serão apenas uma espécie de período de espera. Com a certeza de que a Educação deixou de ser uma prioridade governativa para a generalidade dos partidos com assento parlamentar.

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Os “Rótulos”

Há pessoas com tão firmes convicções que as mudam a cada “formação” a que assistem, para ver se camaleonam melhor a pele aos tempos. Nada como ouvir quem há um ano dizia cobras, lagartos e osgas de alguns alunos, com adjectivações coloridas e muito inclusivas na perspectiva vocabular, a jurar a pés juntos que a pior coisas que se pode fazer a um aluno é “rotulá-lo”. Não é que discorde da ideia na origem e formulação ideal, mas arrepia-me o seu uso de forma acrítica para justificar preguiças diversas e tudo menos inclusão. Porque o pior que pode acontecer a um aluno é ele ter um problema e, para não o “rotular”, ficarmos sem saber características suas importantes e, como consequência directa, como lidar com essa situação.

No império do politicamente correcto, o Camões podia ser “poeta”, mas nuca “zarolho”. Aceita-se Beethoven como “músico”, mas não como “surdo””. Mozart como “génio” mas ai-jesus se levantarmos suspeitas sobre um possível distúrbio como o síndrome de Asperger. Por exemplo, a recentemente famosa Greta Thunberg poderá ser “ecologista” mas que se livrem aqueles que refiram o seu diagnóstico de TDAH ou de Asperger sobre a qual a própria falou sem complexos (coloquem legendas), em mais de uma ocasião.

Os “rótulos” são maus, diz-se que “reduzem” as pessoas e as estigmatizam, que são factores de “exclusão”. Mas só são “rótulos”, de um ponto de vista negativo, de acordo com a forma como agimos em relação ao que são características das pessoas. Continuo sem perceber como se pode ter “o direito à diferença” se ocultarmos essa diferença. Não entendo que as mesmas pessoas – algumas nem isso, porque lhe falta a elasticidade mental – que se dizem defensoras dos direitos das pessoas lbgtq+ assumirem a sua identidade específica, se depois querem ocultar outras situações, que podem ser tão ou mais complicadas no quotidiano, com base no argumento da “rotulagem”.

Acho que quem fala em “rótulos” é que, em muitos casos, tem a cabeça cheia de preconceitos. Eu sou míope, ponto final e esse é um facto que não adianta ocultar, em especial se, quando aluno, tivesse partido os óculos a jogar à bola e insistissem em deixar-me na última fila da sala. Sim, também sou “gordo” e isso não me incomoda como “rótulo”, a menos que quem assim me trate acrescente observações abusivas do ponto de vista “moral” ou “ético” quanto a este ou aquele estilo de vida.

Porque caracterizar de forma adequada e rigorosa um@ alun@, com base num diagnóstico competente, não é apoucá-l@. É permitir que @ conheçamos e estejamos melhor equipados para lidar com a sua circunstância particular e com a sua individualidade.

É pena que exista quem da “inclusão” só recolha os tiques de linguagem.

bacalhau-narcisa

(por exemplo, o bacalhau tem 1001 rótulos e vive bem com isso… e até ajuda quando estamos a consultar a ementa…)