Há notícias que são pasmosas em tudo aquilo que nos revelam sobre ou o que se devia fazer e não fazia ou sobre o que de novo nada traz mas como novo é apresentado. Leio no Expresso (em artigo da Isabel Leiria, que muito estimo e admiro pela sua competência e conhecimentos, algo que que gostaria de deixar bem claro) que “Diretores de escolas vão ter de denunciar ao Ministério casos de bullying” e cai-me o queixo até ao chão, em especial quando o ME faz saber que:
(…) quer tolerância zero em relação aos atos de bullying e vai lançar um plano de combate com o objetivo último de o “erradicar” das escolas. O plano e a campanha associada, com o lema “Escola sem bullying. Escola sem violência” preveem um conjunto de medidas que ajudam a identificar sinais de alerta, orientam professores e escolas e levam a intervenções mais eficazes.
Um dos aspetos contemplados no plano passa por uma mudança na forma como o problema é assumido dentro das escolas. O Ministério lembra que o bullying tem de ser tratado como uma situação de “violência em meio escolar” e criou para esse efeito um novo campo no sistema de informação de segurança escolar, a plataforma usada pelos diretores para reportarem à tutela ocorrências que acontecem no interior dos estabelecimentos de ensino.
Vamos lá tentar ser educados a tratar disto e por partes pequenas para que se compreenda:
- Todas as situações de “bullying” ou “violência em meio escolar” já há muito devem ser reportadas ao ME, em especial quando implicam medidas disciplinares sancionatórias. A sua não comunicação de forma completa, contudo, não me espanta.
- É bem verdade que, também já de há muito (umas duas décadas ou mais) se tem feito muito, a partir do poder político e de algumas cliques académicas, para relativizar as questões da “indisciplina” e mesmo “violência em meio escolar”, não faltando aquela trupe de sociólogos acarinhados pela “reitora” (sebastiões e abrantes, nomeadamente, mas também antecedentes que remontam ao estatuto benaventista do aluno) que muito teorizaram em torno da “vitimização” dos agredidos e da necessidade de compreensão e contextualização dos actos dos “alegados agressores” (coloco aspas porque é essa a linha de pensamento seguida por esses estudiosos do tema).
(sim, eu sei que devemos distinguir “conceitos” e que indisciplina e bullying não são o mesmo, mas talvez fosse igualmente interessante não se fazerem tantas micro-distinções que até a “intensidade” de um pontapé ou murro possam servir para relativizar oq ue é ou não é “violência”)
- Também é verdade que em muitas escolas e agrupamentos, ainda antes de se traçarem metas em contratos de autonomia ou planos de sucesso e combate ao abandono escolar, se enveredou por uma “cosmética da indisciplina”, desincentivando o registo formal de ocorrências ou incentivando o esquecimento do seu devido tratamento de acordo com a legislação (que nem sequer é muito “autoritária”, ao contrário de algumas opiniões no canto inferior esquerdo do espectro político). Conheço de forma directa – porque pedi esses dados para o meu concelho quando estive no CME há quase uma década – a forma como escolas com evidentes problemas de disciplina, do conhecimento de toda a comunidade, reportavam superiormente menos de uma dezenas de casos por ano ou ainda menos. Ou a forma como “classificavam” actos claramente graves como ocorrências menores, evitando abrir processos disciplinares.
(tenho ainda esses dados arquivados, que vão de escolas que tudo relataram aos serviços do ME, PSP, GNR, em detalhe e pormenor às que optaram, com escasso decoro, pela versão “paraíso na terra sem pecado”)
- O ME, da tutela política às estruturas intermédias, sempre preferiu estatísticas “limpas” sobre a indisciplina e a “violência em meio escolar” (leia-se… estatísticas com decréscimo de ocorrências) para divulgação pública, não sendo prática desconhecida a “ameaça” de que se assim não fosse, as escolas em causa poderiam ter de ser visitadas por “equipas” para as ajudar a lidar com as situações, Algo que, como também sabemos, desagrada imenso a quem, lá do topo da gestão escolar local, sente que isso pode ser uma intromissão ou desautorização, quiçá mesmo um factor de menorização da sua avaliação.
- O bullying é um fenómeno que existe desde muito antes de ter esse nome. Nem sempre é combatido de forma eficaz por indiferença dos adultos que passaram pelo mesmo e acham que, como na tropa, as más práticas podem aceitar-se em nome do “sempre assim foi, é assim que eles crescem”, por falta de meios humanos especializados na sua prevenção, detecção precoce e combate, pela gritante incompetência de alguns que existem ou porque se prefere – por causa dos tais “indicadores” ou dos receios de “má imagem” – apresentar os momentos mais graves como ocorrências isoladas e não integradas num fenómeno contínuo de abuso verbal ou físico de alun@s mais fracos, diferentes ou apenas porque sim, pois há “matilhas” que assim agem e só não o admite quem nunca o sofreu ou observou em funcionamento.
- Só que o bullying ganhou mediatismo, entrou na agenda dos tempos e fica bem dizer-se que se está a combatê-lo como nunca foi combatido. Com jeitinho até será estudado até ao tutano por aqueles mesmos que há 10-15 anos diziam que ele era residual ou, no limite, o resultado da “vitimização” das “alegadas vítimas”.
- O que o ME agora fez foi apenas criar um novo campo numa plataforma electrónica, coisa que se faz em poucos minutos, como em poucos minutos já antes se poderia fazer uma pesquisa por palavra-chave na plataforma não revista para detestar este tipo de ocorrências, acaso as mesmas não andem a ser dissimuladas pelos órgãos de gestão das escolas para corresponderem a metas de “sucesso” que incluem a redução das estatísticas de indisciplina.
Ou seja… o mais certo é o novo campo ser muito pouco usado por quem já se habituou por demais a considerar sem gravidade o que a tem e a considerar ser relativamente grave o que é mesmo muito grave. Quando há verdadeiros “arrastões”, com registo documental e tudo, que acabam sem nada se passar, tudo se pode esperar. Quando há agressões físicas ou destruição de material escolar que fica sem qualquer tipo de medida disciplinar, a esperança é pouca que algo mude. Quando se “cozinham” estatísticas para caberem em intervalos de “sucesso” das medidas e “planos” já se percebeu que a realidade já nem chega a ser virtual. Em nome de se cumprirem “metas” tudo pode deixar de ter acontecido.

(fica para uma próxima prosa a questão do bullying sobre docentes… com, no mínimo, um punhado inteiro de fontes…)
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