Os atemorizados analistas dos resultados das eleições e o próprio líder do partido/movimento que foi a votos parecem concordar numa caracterização que me deixa ainda mais preocupado com o fosso que cada vez mais separa as palavras e o aquilo que elas deveriam significar. O que é ser “anti-sistema”? É querer outro “sistema”? O “Chega” tem péssimas ideias mas propõe-se acabar com a democracia? Defende a luta armada contra o “sistema” que temos”? Uma sublevação popular? Propõe-se, caso tome o poder, ao que parece por via eleitoral, dissolver o Parlamento e governar por decreto? Acabar com as liberdades constitucionais? De forma explícita, nada disso.
André Ventura tem umas ideias próprias de muita extrema-direita xenófoba, homofóbica, securitária e “populista”, sendo seguido por pessoas que, em muitos casos, nos deixam aterrados quando abrem a boca? Certo, certo… mas daí a ser um tipo anti-sistema parece-me ser um daqueles saltos quânticos em que a sombra de um rato pode parecer um leão (cruzes, credo, que o homem é lampião dos costados todos). André Ventura é tão “sistémico” quanto tantos outros que ele critica e o criticam, bastando ver o seu trajecto profissional e político, assim como a forma como está bem encaixado na comunicação social como comentador de tudo um pouco, umas vezes com razoável cuidado técnico (algumas matérias jurídicas) e outras com um descabelamento assinalável (futebol).
Se para mim é um demagogo que fala alto disparates em enxurrada, sendo muitas vezes absolutamente insuportável como veicula mentiras e atropela quem com ele debate? Claro, mas há muito tempo e muito antes de criar qualquer movimento/partido. Mas o problema de muita gente é que enquanto ele usou essa forma de estar para defender interesses ou afinidades comuns, achavam muito bem. Quando mudou de camisola e entrou na política, já o estilo e a substância parecem arrepiar, Mas ele continua o mesmo trauliteiro que era. Apenas decidiu ir a votos e descobriu-se que há quem adore aquilo (e acreditem que tem mesmo margem para progredir, não pelas “causas”, mas pela forma desabrida como se apresenta num país de engomados que se assustam a cada bluff de um PM manhoso). Já se tinha percebido com o Marinho e Pinto que há muitos órfãos de um líder que berra.
O “Chega” é “anti-sistémico”? Tanto quanto aqueles que, no Parlamento eleito, do PCP à Iniciativa Liberal, defendem soluções diferentes das do “arco da governação” que acaba de seduzir o Bloco ex-revolucionário. E não acenem com trumps ou bolsonaros porque só a casca pode ter parecenças… ouvindo umas botas cardadas pela noite escura o AV até se borra todo.

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