O Programa Do Governo Para A Educação

Está aqui e eu gostaria de destacar alguns aspectos (cf. pp 22-23 e 141-142 e p. 8 para a parte das “carreiras especiais”).

1. Revisão do modelo de gestão escolar, mas no sentido de subordinar a “autonomia” às exigências da municipalização, não me parecendo espúrio que talvez considerem a possibilidade de colocar técnicos autárquicos na direcção das escolas ou em cargos de assessoria.

Avaliar o modelo de administração e gestão das escolas e adequá-lo ao novo quadro que resultou do processo de descentralização e aos progressos feitos em matéria de autonomia e flexibilização curricular;

(…)

Dotar as escolas de meios técnicos que contribuam para uma maior eficiência da sua gestão interna, recorrendo a bolsas de técnicos no quadro da descentralização;

2. Manutenção de uma lógica de instabilidade nos concursos de docentes, mesmo que se afirme o contrário, ao privilegiar-se o qzp como unidade de referência para as colocações, ao mesmo tempo que se parece considerar que devem ser reforçados os poderes das chefias internas, escolhidas por métodos vagamente democráticos ou meritocráticos, mas que asseguram o funcionamento de uma cadeia hierárquica.

Estudar o modelo de recrutamento e colocação de professores com vista à introdução de melhorias que garantam maior estabilidade do corpo docente, diminuindo a dimensão dos quadros de zona pedagógica;

(…)

Avaliar a criação de medidas de reforço e valorização das funções de direção das escolas, incluindo as chefias intermédias;

3. Reestruturação da carreira docente com o objectivo de reduzir escalões acessíveis à generalidade dos docentes e reservando o topo (provavelmente restrito aos órgãos de chefia como o Arlindo publicou, de forma prematura, há uns meses) para uma minoria ainda mais escassa do que a prevista nos tempos dos titulares com justificações falaciosas como a seguinte, em que “estáveis” tem o significado de “estagnadas” anos a fio no mesmo escalão e “de desenvolvimento previsível” significa apenas que a progressão salarial será mais demorada e menor, com mecanismos de estrangulamento a manterem-se ou a agravar-se, pois “imprevisível” é estar agora anos à espera que desbloqueiem vagas para que quem cumpriu tudo possa progredir. Quem “instabilizou” a carreira foram os governantes do sector com as suas medidas. E reparem que o modelo de progressão nas “carreiras especiais” é apresentado como inibidor de se premiar a subserviência, desculpem, a excelência. 200 milhões de euros por ano é muito dinheiro? A sério?

O debate em torno das carreiras da Administração Pública é inevitável. As progressões na Administração Pública custam todos os anos 200 milhões de euros. Deste valor, quase 2/3 é gasto em carreiras especiais em que o tempo conta no processo de progressão, e que cobre cerca de 1/3 dos trabalhadores do Estado.
Este desequilíbrio deve ser revisitado. O aumento desta despesa não pode continuar a limitar a política salarial na próxima década e a impedir uma política de incentivos na Administração Pública que premeie a excelência e o cumprimento de objetivos predefinidos.

(…)

Não é possível pensar na concretização de políticas públicas de educação alheadas de profissionais com carreiras estáveis, valorizadas e de desenvolvimento previsível.

4. Proibição da retenção dos alunos no Ensino Básico (provavelmente eliminando qualquer mecanismo de avaliação externa como as provas do 9º ano), e limitando-a fortemente no Ensino Secundário, responsabilizando exclusivamente os professores por essa medida. Não é totalmente claro se existe a intenção de estender o modelo das provas de afeição ao Secundário, embora não esteja explícito o fim dos exames nacionais.

Criar um plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e diferenciada com os alunos que revelam mais dificuldades;

(…)

Reforçar o Plano Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, especialmente ao nível do ensino secundário, onde se encontra o principal foco de insucesso;

(…)

Melhorar a eficácia dos sistemas de aferição do sistema ensino/aprendizagem para alunos e professores;

5. Escola, muita escola, escola a tempo inteiro. Se possível 12 horas por dia.

Promover programas de enriquecimento e diversificação curricular nas escolas públicas, nomeadamente assentes na formação artística, na introdução de diferentes línguas estrangeiras e de elementos como o ensino da programação, contribuindo progressivamente para a concretização de um princípio de educação a tempo inteiro, ao longo de toda a escolaridade básica;

6. Extensão ao Ensino Superior à lógica do “sucesso” a todo o custo, embora, como parece natural, isso venha a ser conseguido principalmente através de um modelo de Universidade a várias velocidades.

O caminho percorrido no ensino básico e secundário no que respeita ao acesso e apoio à frequência precisa agora de ser estendido ao ensino superior. Parte da sociedade portuguesa ainda projeta o ensino superior como um sistema inacessível e essa perceção, contrária às necessidades do país, deve ser combatida com medidas políticas efetivas.

(…)

Fomentar a qualificação de profissionais a quatro níveis:

  • Licenciados em áreas de menor empregabilidade, ativos ou inativos, com cursos curtos (1 ano) seguidos de estágios profissionais;
  • Não licenciados no ativo, mediante uma colaboração intensa entre empresas, associações empresariais e instituições de ensino superior;
  • Mestrados profissionalizantes;
  • Cursos curtos, não conducentes a grau, equivalentes, nas áreas tecnológicas, aos MBA Executivos.

Não há nada de positivo no programa do governo para a Educação? Há, mas são medidas que se subordinarão sempre às medidas destinadas ao embaratecimento do sector, à submissão aos poderes e interesses locais que reforçarão as cadeias de obediência hierárquica e, claro, à proletarização da larga maioria do pessoal docente, com a introdução de novos mecanismos de diferenciação interna e estrangulamento na progressão.

Todas e quaisquer bolsas de resistência ao modelo único das pretensas e demagógicas “boas intenções” serão subjugadas ou exterminadas sem dó nem piedade.Inferno1

42 opiniões sobre “O Programa Do Governo Para A Educação

  1. Será esta uma das tormentas referidas na tomada de posse? A quem mete medo o saber e o espírito crítico? Uma coisa é certa, a ignorância é igualitária! Assaltam-me imensas comparações, mas prefiro esperar pelos normativos e pelos novos tempos de bulício que se anunciam. Coragem!

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  2. É pena não termos representantes à altura para combater estes ataques que aí vêm. Mais uma vez são os mesmos a serem mais prejudicados, se tal acontecer, claro. Vamos esperar pelo que aí vem, com a leitoa à cabeça. Tenho a impressão que os alunos sem professores em algumas disciplinas vão ser cada vez mais. Lá voltamos aos anos 90 em que muitos dos professores eram jovens acabadinhos de terminar o 12ºano . Com o ordenado mínimo nos 750 euros, não duvido que um jovem opte por trabalhar na worten, a ser professor.
    O ataque que começou em 2005 com o PS parece que vai ser para continuar!

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  3. No que respeita à hipotética revisão da carreira docente:

    Numa classe profissional caracterizada pela extrema heterogeneidade (a todos os níveis), é inconcebível o tratamento igualitário dispensado aos seus membros – seja na remuneração, seja no que for.
    Sem menosprezo por qualquer área ou disciplina (todas contribuindo para a formação “holística” do aluno), pergunta-se- à se é admissível que quem ensina Matemática ou Físico- Química ao 12º ano possa ter um tratamento exactamente igual a quem “ensina” a tecer tapetes de Arraiolos, vigia uma relaxante corrida à volta do campo, ou entretém umas criancinhas NEE. Mas há mais…

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    1. Deverá também ser introduzido neste programa um mecanismo que permita baixar de escalão os professores que não obtiverem a classificação global de “Muito Bonzinho”, com parciais de 9.9 nos parâmetros “integração na comunidade e organização de eventos” e “flexibilidade curricular para a optimização do sucesso”, ou que não tenham cumprido as 50 horas semanais de apoio aos alunos com necessidades de sociabilização em jogos online, ou não tenham completado 16 módulos de 100 horas de reeducação num estabelecimento especializado na RPC.

      Sem isso não poderemos avançar para esse mundo prometido, no qual as touradas, o deficit e a Madona — Deus perdoe a Santa República Portuguesa por ter albergado tamanha afronta aos bons costumes, que não se via tal desde que o Dr. Salazar teve a ideia de pôr a nota de 20 escudos com a cara do Santo António na algibeira dos portugueses, onde se roçava nas partes suadas dos trabalhadores, — terão passado à História, juntamente com a mendicidade desorganizada à porta das igrejas que tanto desfigura a nossa bela cidade.

      Um orçamento manietado pela necessidade de pagar aos funcionários não permitirá os necessários investimentos em hotelaria de que carecemos para receber condignamente a presidência da CE e os turistas de além mar. Se os bancos estrangeiros já pagam juros negativos, porque não exigir aos funcionários que paguem para trabalhar? Deveriam fazê-lo, e a própria taxa de IRS deveria ser indexada às taxas de retenção de cada estabelecimento de ensino.

      Compete também a todo o bom governo criar incentivos fiscais que promovam a igualdade. Por isso devem ser baixados os impostos às maiores empresas, uma vez que, por serem muito grandes, uma pequena taxa representará sempre uma soma muito considerável. Ao invés, o trabalhador individual deverá ser taxado numa percentagem grande, para que do seu pequeno rendimento resulte um montante aceitável de imposto a utilizar no fortalecimento das nossas instituições financeiras. E assim, um dia os nossos netos agradecerão por terem herdado instituições tão formosas e robustas e virão do estrangeiro, nas férias, para visitar as respectivas sedes e louvarem um original conceito de igualdade que esteve na origem, entre outros benefícios, da generalização do analfabetismo funcional.

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    2. Oh, Maria!!
      embarcou na falácia, fez exatamente o raciocínio que o “documento” socialista pretende.

      Já agora, gostava de saber que tratamento acha que eu devia ter leciono
      – Biologia e Geologia ao 11º ano – disciplina com exame nacional para acesso ao ensino superior (ao contrário da Física e da Química do 12º ano que não são disciplinas com exame nacional)
      – Ciências Naturais do 3º ciclo, turmas que incluem o que chama de “criancinhas NEE”

      Sabe que mais?
      entrar na sala para ensinar Biologia e Geologia ao 11º ano é um oásis, um consolo…
      gostava mesmo de a ver lidar com as minhas “criancinhas NEE” do 3º ciclo

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      1. apbaz

        Infelizmente tomou ” à letra” a menção que fiz ,apenas, às disciplinas do 12º ano. Foi uma “maneira de dizer”. Compreende que estava – implicitamente – a referir-me também às “suas” disciplinas pré- universitárias , como a qualquer outra outra , de qualquer ano, cujo conteúdo implica um aprofundado conhecimento académico, uma responsabilidade acrescida, um trabalho árduo e permanente de preparação das aulas, testes, etc. (trabalho que pode prolongar-se noite dentro e fins- de- semana).

        Reitero que não deprecio as outras áreas – aquelas de recorte mais técnico ou “recreativo” . Importantes, como afirmei. Porém, as coisas são o que são. Daí a “dicotomia” que estabeleço, e não estou só.

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      1. Claro que a Maria não está… Isto está e acabará , como se prevê, por haver várias Marias que lecionam as disciplinas importantes e quase universitárias…

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  4. Bom dia, Maria.

    Sou professora de uma disciplina redundante, tenho 6 turmas, cerca de 130 alunos e várias “criancinhas NEE”. Nem imagina quão folgada é a minha vida profissional!

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    1. Quando, sem ofensa, me referi às “criancinhas NEE”, tinha em mente o “exército” composto por , nada mais , nada menos, 6ooo (seis mil) criaturas.

      Sem duvidar do brio que acompanha a maioria destes profissionais, temos de reconhecer que o alcance do seu munus não é suficientemente escrutinado.Não por culpa dos próprios,ressalve-se.

      Tirando os que estão adstritos às chamadas “unidades” de autismo e multideficiência, a esmagadora parte ocupa o seu tempo a reproduzir relatórios e outras inutilidades. E em deslocações semanais às escolas primárias onde , durante uma hora (!), “apoiam” uma ou duas criancinhas que lá se encontram. Ora, a menos que possuam uma varinha de condão , esse apoio deveria ser prestado pelo próprio professor residente, pois ,ele sim, é o verdadeiro conhecedor das lacunas do aluno (com quem lida diariamente)e e é também portador dos métodos que supostamente lhe conferem a desejável proficiência. ( recorde-se que, actualmente, muitos desses voluntariosos professores de EE nem sequer são oriundos do ensino primário).

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  5. Madalena

    Percebeu que , no meu comentário acima , referi-me unicamente ao grupo 910- Educação Especial.
    Não me canso de repetir que o fiz com o devido respeito.

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    1. Sou do grupo 910. Não me revejo em nada do seu comentário. Não acompanho meia dúzia de alunos nem estou com eles um tempinho ou dois. Sou a professora que melhor os conhece por ter o previlégio de conseguir estar com eles algum tempo de qualidade, mais individualizado. Para ajudar os meus alunos estudo Português, Inglês, HGP, Matemática, Ciências, música, físico química. Estou vários tempos em sala de aula onde artículo com as restantes colegas, para que os materiais sejam realmente adaptados às suas necessidades e capacidades. Para além das matérias, estudo as diferentes patologias, as características dos alunos e as metodologias que melhores resultados conseguem.
      Por favor, não generalize. Ser professor de Educação Especial não é só preencher papelada e entreter meninos.

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    2. Por existir quem pense como a Maria é que esta classe profissional nunca vai chegar a lado nenhum😣
      Que tristeza de comentários e que falta de consideração para com os colegas.

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  6. Gosto particularmente da referência ao “principal foco do insucesso” a propósito do secundário. Será porque para lá converge ou dar-se-á o caso de ser de lá que se propaga?
    Seja qual for o sentido os reforços programados não são bons augúrios.

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  7. Querem tentar encontrar um racional educativo nessas propostas quando o racional se faz fora da escola. Quantas vezes foram feitas alterações da “coisa educativa” e os professores foram ouvidos? Nunca. É tudo feito em gabinetes onde até a matemática faz contorcer o Conde de Contar da Rua Sésamo. A coisa tem a ver com finanças, dinheiro que se deve a “pensionistas alemães” e tal. E tudo se constrói a partir disso. A conversa, uma de muitas que serve de tiro de partida para tudo, começou há uns anos com “o que custa um chumbo”. Eles nunca ouviram aquela de se a educação é cara… Agora é para privatizar a Educação e a Saúde. A Saúde é complicado por que as pessoas, malandras, têm apego a isso. A Educação é mais fácil. E tudo é capaz de fazer sentido se virmos a realidade desde esse prisma.

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  8. Maria, Maria …

    Lamentável essa tua perceção, da função do professor de educação especial, professor 1º ciclo, 2º ciclo, 3º ciclo, etc…
    As NE são fáceis para ti querida, deves estar a dar lhes a atenção que merecem…
    Parabéns pelo teu conceito de inclusão.
    Uma sociedade é MUITO mais desenvolvida, quanto protege os mais FORTES, OS MAIS CAPAZES.
    Professores de primeira, segunda e terceira categoria. Very nice.
    Ficaremos todos, muito mais realizados profissionalmente quando estiveres no topo da classe dos professores.
    Maria, precisas de atenção especializada, individualizada porque o teu juízo encontra-se abaixo do esperado para a faixa etária, no que diz respeito, À CIDADANIA, EQUIDADE, SOLIDARIEDADE.
    BJS

    PAULO BORGES

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  9. A inclusão ao incluir tudo massivamente perde pertinência…quem sofre?, os alunos com mais necessidades (faltarão sempre recursos para esses casos extremos, porque são empregues em desveladas atenções em alunos com poucas necessidades)… tão só…

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