Testemunhos Da “Inclusão”

Publico, conforme me chegou e com autorização da autora.

Passo a apresentar me.

Chamo-me Marta e sou mãe da Maria. Mais conhecida como Maria Ervilhinha.

A Maria nasceu, há 5 anos, com uma Monossomia 22, denominada de Síndrome Phelan McDermid. Esta doença rara que assolou a Maria, por sequência da delecção do cromossoma 22 é enormíssima, o que lhe atribui inúmeras dificuldades, limitações e incapacidades.

A Maria faz ciclos intensivos terapêuticos de reabilitação em Braga, desde o seu diagnostico. Ja vai no sexto ciclo. Com muita luta e, as vezes, algum desespero, pois sao tratamentos muito caros: 10,200€ cada ciclo de 9 semanas.

Estes ciclos são espaçados semestralmente. Isto para a contextualizar.

A Maria andou numa IPSS aquando do seu diagnostico. Correu mal. Procuramos um Colégio privado. Ingressou e correu muito bem. Porém, engravidei e ela ficou comigo ate hoje. O mano fez agora 1 ano de idade.

Colocar a Maria numa escola dita inclusa sempre foi uma luta. Desde a primeira má experiência. A única opção viável e de aceitação em receberem a Maria foi apenas daquele Colégio.

Ora como a Maria está numa fase de pré escolar, com muitas limitações e atraso cognitivo ( um atestado multiusos com 99% de incapacidade), foi aconselhado pela equipa que a trabalha o regresso rápido á escola. Todos os parâmetros associados – socialização, grupo de pares, interacção – teriam de ser realmente trabalhados agora, nesta fase. Começou toda a busca por uma escola com valência de educação especial. Zero resultados obtidos. Descartou-se hipóteses com filtros de proximidade de casa e contexto/valência de ensino especial. Zero.

Fase 1) ir ao agrupamento da freguesia de residência e perceber como funciona. Péssima ideia. Apresentam o espaço com uma unidade de “deficientes, em que só saem de la para ir ao ensino regular 1h por semana, se se portarem bem; se se portarem mal voltam à unidade”. Imaginei logo que enjaulavam me a filha, como num zoológico, não fosse ela ter actos canibalistas.

Fase 2) Perceber como funciona a revisão da Lei 54/2018 e uma série de direitos relativos à área da deficiência e ensino das pessoas portadores de deficiência.

Fase 3) Procurar Colégios e Instituições Privadas. Bastava dizer que a minha filha tem NEE diziam de imediato que não haveria vaga, nem agora nem nos anos seguintes.

Fase 4) Retorno ao Colégio que acolhera a Maria em tempos, e planearmos em conjunto (equipa do Colégio e nós pais) a melhor forma de dar resposta à Maria. A necessidade de um professor, educador de ensino especial (pago por mim, aparte do Colégio) foi unânime.

Fase 5) Nós pais, na procura do dito acompanhamento para a nossa filha poder voltar à escola, encontramos uma associação que faria essas deslocações a contexto escolar com crianças como a Maria.

Acompanhamento das 10h as 13h, 5 vezes por semana = 1008€

Somando a isto, o pagamento da propina escolar e as sessões de terapias que a Maria necessita de fazer, pelo menos 2 vezes por semana, e que ascende aos 790€ / mês.

Posto isto, e sabendo que a minha filha recebe 62 € da bonificação da deficiência unicamente, como é possível o nosso governo dizer que não há discriminação na área da deficiência. Onde está a inclusão? Como posso eu ir trabalhar se as escolas fecham se a crianças deste tipo? Como é comportável para qualquer família este tipo de gastos para que a filha tenha um “normal” acompanhamento diário? Que raio de decretos e leis anda aquela gente toda no parlamento a criar?

No terreno é tudo tão diferente. Tão cru. Tão suicidário.

E recordar que para o próximo ano lectivo a Maria tem que estar matriculada numa instituição de ensino – seja para estar entregue ao “Deus dará” ou apenas para criar estatística de rankings – é revoltante. Desesperante.

O país é isto!

Aparte desta luta, existe a luta de angariar dinheiro para que a minha filha (e tantas outras filhas, de tantos outros pais!) tenha acesso a tratamentos de valores absurdos como os que referira. Há cerca de um mês atrás, numa publicação das redes sociais consegui fazer mexer o mundo; mexi com os ditos influencers e com alguma nata da sociedade que se diz benemérita, quando lhes pedi apenas a partilha da história da minha filha. Não mendiguei dinheiro. Correu muito mal e correu muito bem. Li gente a debater-se uns contra outros pela minha filha; gente a dizer me “você se pensa que os influencers têm que salvar a sua filha, está enganada! Bata a porta do governo e vá fazer greve de fome para a porta do parlamento, ninguém tem que a ajudar”…

E então… ficamos sem saber o que fazer, nem pensar…somos desprotegidos de uma constituição que se aparenta não discriminatória, e de dados estatísticos entregues ao Comité Europeu de Pessoas Portadoras de Deficiência fantásticos, quando na verdade nada de nada está a funcionar. Isto sem eu falar do que vejo na realidade, na prática quando me desloco aos locais onde estas crianças deveriam ser bem acolhidas. Ou minimamente acolhidas.

Desculpe a revolta nas palavras mas já me vejo sem saída para me fazer ouvir. Já me imaginei ate nas galerias do parlamento a ser algemada para gritar todas estas injustiças. Mas ninguém quer saber…

Nos últimos tempos já me revejo do outro lado da linha, sem solução. à espera que chegue o dia em que eu, obrigada, tenha que deixar a minha filha não-sei-onde, a não-sei-quem, a fazer-não-sei-o-que. Com o enorme receio de voltar para busca-la, e ela tenha fugido, esperneado, gritado, descompensado ou simplesmente sobrevivido a mais um dia estúpido, enrolada numa manta sem estimulação, qual lar à espera que os dias passem.

Morro dia a dia. E já quando me sinto no fim da linha, já só peço que o comboio passe rápido para acabar com este sofrimento.

Os melhores cumprimentos de uma mãe desesperada

Grata pela sua atenção,

Marta L.

tristeza_2

26 opiniões sobre “Testemunhos Da “Inclusão”

  1. Para além da minha solidariedade, apenas duas qustões dirigidas à Marta L.: (i) por que não identificar pessoas e instituições que, pelo que descreve, parecem ignorar as ditas leis? (ii) por que não relatar o assunto a um serviço do ME que possa averiguar o que está a contecer nessas instituições escolares públicas?

    Gostar

    1. Não quero desiludi-la, já basta o que vive, mas vão dizer-lhe para não mencionar na escola onde quiser matricular a Maria que ela tem dificuldades de aprendizagem. É assim que se passa. Obrigam a escola a aceitar a matrícula, mesmo que não existam quaisquer condições para um acompanhamento condigno, como aliás teve ocasião de constatar. Lamento. No quotidiano escolar, a classe docente sente-se impotente para combater esta farsa do Dec-lei 54/2018. O que contam são as estatísticas. Procure entrar/estar em contacto com outras famílias que vivam o mesmo e, juntas, façam ouvir a vossa voz.

      Gostar

  2. Sem poder ajudar, quero exprimir a minha solidariedade para com esta mãe. Um grande abraço e penso que não é possível imaginar, o que uma mãe nesta situação vive, neste país desumano!

    Gostar

  3. Marta, não desista! Há dias em que pensamos não haver mais solução e de repente as coisas acontecem. Continue buscando conhecimento, direitos, pessoas! Minha filha tem T21. No dia em que não precisarmos mais falar sobre isso, a inclusão terá acontecido. Força!

    Gostar

  4. Um beijinho à Marta e à Maria Ervilhinha.
    Que país ! Que tristeza ! Que atraso ! São estas situações reais que diferenciam um país a sério de uma hipótese de país ! Estas gritantes injustiças matam ! Matam mesmo ! Nunca mais há apoios ? Apoios eficazes e sérios ? Não apenas papeladas e mais papeladas.
    A minha total solidariedade , mas que em nada de concreto se poderá traduzir.

    Gostar

    1. Traduz-se sim. Num apoio importante de quem ja se sente completamente ao abandono num sistema que me obriga a contribuir para si mesmo. O carinho e apoio tem sido o balão de oxigénio para que não me desvie do foco principal. Um beijinho grande!!!!

      Gostar

      1. Lamento muito por tudo que você marta e a Maria estão a passar eu tive sorte com as ajudas que tive pra minha filha Fabiana Reis na escola das Lopas no Cacém Agualva com pessoas do melhor que há infelizmente a Fabiana já pártio a quase 4 anos mas eu nunca desisti enquanto ela viveu e só tenho agradecer os profissionais da escola das Lopas A São a Margarida e muitas mais bjus Marta e grande pra Maria

        Gostar

  5. Não desista. Não imagino as suas preocupações….a dgeste nunca lhe resolverá o problema… neste país é tudo burocracias e papeladas…
    Espero que consiga a curto prazo minimizar a situação…..

    Gostar

  6. Boa Noite,
    contacte com a DGE
    Educação especial
    As escolas públicas parecem depósitos de crianças …
    Mas também lhe digo nos nossos casos até no privado é perciso ter sorte!
    Tudo de bom 😀

    Gostar

  7. Subscrevo integralmente cada linha que a Marta escreveu. Tenho uma Matilde que ao fim de 6 anos e meia perdida nos caminhos da grande prematuridade, acabo por descobrir que praticamente todss as limitações que tem se devem não facto de ter nascido as 26 semanas com 540 grs, mas devido a uma variante raríssima da syndrome de joubert, a variante 25. Ora também eu andei um ano em visitas reuniões e afins à procura de uma escola que recebesse a Matilde caso o adiamento da entrada no primeiro ciclo não lhe fosse concedido. Quem me dera a mim ela pudesse continuar onde estava desde os 3 anos e onde se pratica a verdadeira inclusão, mas infelizmente não é possível por ser apenas creche e jardim de infância. Pois vi-me na mesma situação da Marta, ninguém quer estes meninos, todas as portas se fecham. As desculpas são mil e umas mas a medida que vamos avançando constatámos que são todas iguais. A mim propuseram-me exatamente o mesmo suportar uma pessoa que acompanhasse a Matilde a tempo inteiro. Provavelmente quem sabe até o mesmo colégio uma vez que somos da mesma cidade. Posso dizer que desde vila Nova de Gaia a Santa Maria da feira bati a todas as portas. A Matilde não teve adiamento, a dgest não está nem aí para os nossos problemas. Felizmente e nem sei bem como(há muito que começo a achar que de facto há uma estrelinha que nos protege) pois foi por indicação de uma coordenadora coloquei como 2 opção á última da hora na matrícula a única escola que não tinha visitado. Sempre me debati para que a Matilde não fosse colocada numa unidade uma vez que só nos restou a escola pública. Só posso dizer que apesar de ter entrado em pânico quando a Matilde foi colocada na única escola que não visitei, não podia ter ficado em melhor sítio. Não é o que se desejaria claro, mas com os recursos que são disponibilizados à classe docente têm feito um ótimo trabalho. Está a correr muito bem e muito se deve a vontade e empenho de quem está a trabalhar com ela. Não tenho a menor dúvida que se lhes fossem dadas as ferramentas e recursos necessários esta gente conseguiria ótimos resultados. Mas era preciso que os decretos passassem do papel a prática 😔 sinto-me como a marta diz revoltada e acorrentada por este sistema.

    Gostar

    1. Marta, solidarizodo me, sei o que sente, nao me posso comparar… O meu folho e autista, tem 11 anos e nao ha um atl que o aceite… O meu pai tem tomado contacdele, ja tem limitações fisicas e psicologicamente no ultimo ano tem vindo a ficar muito mal… Eu e o meu marido trabalhamos nao ha solucoes, respostas. Ja escrevi para todo o lado… Escreva para a Provedoria da Justiça, Ministro da Educacao, Secretaria de Estado para a Inclusão, Ana Sofia Antunes… Poderao nao fazer nada, mas nao dirao que nao tem conhecimento. Faca ondas, lute pela sua filha,, agrarre se a todas as leis e direitos. Um grande abraço

      Gostar

  8. Lamento muito por tudo que você marta e a Maria estão a passar eu tive sorte com as ajudas que tive pra minha filha Fabiana Reis na escola das Lopas no Cacém Agualva com pessoas do melhor que há infelizmente a Fabiana já pártio a quase 4 anos mas eu nunca desisti enquanto ela viveu e só tenho agradecer os profissionais da escola das Lopas A São a Margarida e muitas mais bjus Marta e grande pra Maria

    Gostar

  9. Já tanto aqui foi dito. E bem.
    A inclusão que foi «atirada» pelo ministério da educação para as Escolas dá cada vez menos atenção a estas situações. Há muito que somos números para o ministério da economia e para o das finanças. A Educação e a Saúde estão a definhar.
    Nas reuniões, em que temos os Encarregados de Educação presentes, tento alertá-los para o que está a acontecer e digo-lhes que está na hora de se mexerem pelo bem dos seus filhos. Dizem que concordam, mas até agora nada fazem. A Marta faz a diferença.
    Marta, admiro a sua coragem. Não lhe sei dizer se vai conseguir ou não, quero muito acreditar que sim. Há escolas que, com o pouco que têm e lhes permitem fazer, fazem um trabalho nobre, outras…não. Mas, apesar de me sentir esgotada de continuar a insurgir-me nas escolas e de me sentir muito pouco apoiada, pois a maioria dos meus colegas dizem-se cansados (e sei bem que sim. Também eu!), aceitando o que nos impingem, continuo a manifestar-me contra esta farsa.
    Se todos nós, em vez de reclamarmos atuássemos, como o que está a fazer, talvez não estivéssemos tão mal. Força para os pais e desejos do melhor para a Maria.

    Gostar

  10. Marta sei que pensas que a mensagem não chegou a muita gente,mas chegou.
    E eu que conheço tão bem esta tua estória ,e tantas outras, ainda não consigo engolir nada disto…
    Mas descreveste tudo tão bem minha querida, e bem sei que tens tanto mais pra descrever. Espero que sirvas de exemplo e que mais tenham coragem de denunciar … Se tu tiveste, apesar das questões particulares que sabemos, a coragem de descrever o indescritível outras mães devem sentir se animadas a denunciar,seguindo o teu exemplo.
    Beijo enorme minha querida ,pela tua coragem

    Gostar

  11. Como testemunha pessoal de um caso semelhante não sou politicamente correto: a inclusão nunca existiu nem existe. Não querendo desmoralizar, mas é uma hecatombe familiar ocorrer um caso de NEE: ou a familia tem dinheiro ou não há acompanhamento. No fundo, é uma espécie de eutanásia social e finge-se com leis que as pessoas com deficiência são apoiadas. Quem padece, sabe que tem poucos ou nenhuns apoios se não for abastado. Um pai de um rapaz com incapacidade cognitiva grave, no seu desespero dizia-me:”Sabe, aquele tipo de bigode esquisito na década de 40, abominaram o homem porque aplicava uma solução para estes casos; agora dizem direitos para aqui, direitos para acolá, mas aplicam a mesma solução, só que de forma mais lenta e subrepticia…”.
    Já não falando que o mercado laboral capitalista simplesmente rejeita essas pessoas no sistema produtivo.
    E isto também acontece com doenças incapacitantes (perguntem aos cuidadores os apoios que têm…) e com a velhice.

    Gostar

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.