Os Involuntários Tiros Nos Pés

Discordo que os cargos nas escolas, de director de turma a coordenador de departamento, sejam atribuídos tendo como critério essencial a posição na carreira ou a idade.

Poderia alongar-me sobre o tema(para isso recomendo este post do António Duarte que comenta um texto do Luís Sottomaior Braga no fbook do qual já discordei por lá), mas vou ficar-me por três pontos que acho que estão a passar ao lado de quase todos os que decidiram debater o tema pela superfície.

  • Como defensor de um modelo vagamente meritocrático, acho que os cargos devem ser ocupados pelos mais habilitados ou competentes para o fazer. No caso dos directores de turma considero que, em muitos casos, há colegas mais novos que estão em muito melhores condições para o desempenhar do que outros mais desgastados e em situação de claro pré-esgotamento pessoal ou evidente burnout. As quatro horas reservadas para o desempenho da função devem ser todas na componente lectiva e não dependerem de qualquer redução do artigo 79º nem ser objecto de umas trocalhadanças do tipo um DT para duas turmas com dois secretários ou repartição com o secretário, se isso implicar uma redução efectiva da redução. Claro que acho que não se devem despejar os cargos a quem acabou de chegar à escola, muito menos quando isso acontece a meio do ano (como agora acontece com regularidade com as substituições por motivos de saúde), mas não vejo porque alguém no 2º ou 3º escalão será menos competente ou adequado do que alguém no 6º, 8º ou 10º.
  • Como defensor de um modelo vagamente democrático, acho que os cargos de chefia, intermédia ou de topo (de representante de disciplina a director), devem ser ocupados por eleição entre os pares ou, em situações específicas, com base em formação específica (caso de bibliotecários, coordenadores de gabinetes de gestão da indisciplina, de saúde escolar, etc). Parece que já quase toda a gente se esqueceu que a democracia nas escolas e um muito melhor ambiente nas escolas decorreria com naturalidade de todos se sentirem incluídos nos processos de escolha das chefias e na tomada de decisões relevantes. Não me choca que um coordenador de departamento esteja em escalões mais baixos do que alguns elementos desse mesmo departamento. Isso já acontece, incluindo com cargos de direcção ou outros com assento nos Conselhos Pedagógicos, sem qualquer legitimação verdadeiramente democrática.
  • Por fim, quem defende que certos cargos sejam desempenhados apenas por docentes a partir de determinada posição na carreira está a abrir a porta ao regresso da velha ideia dos “titulares”, da divisão formal da carreira para lá das quotas e para a remuneração selectiva dos docentes, com eventuais suplementos remuneratórios (e não apenas reduções de horário lectivo) a quem os ocupar. Ideia lançada há uns meses para a blogosfera e que, pelo que sei, agradaria bastante a um sector do actual governo de que fará parte a nova ministra Leitão e os seus colegas das Finanças. Se é isso que querem… ou se estão a esquecer-se das curvas na estrada, façam lá o favor de repensar as coisas com mais uns quantos elementos de análise.

cabecinha_pensadora

20 opiniões sobre “Os Involuntários Tiros Nos Pés

  1. Como já nos habituou, apresenta uma análise que ajuda a pensar melhor um conjunto de problemas. Obrigada, Guinote. Encontro neste quintal um discurso crítico e lúcido, que não cede a emoções fáceis e primárias e que também não abdica do humor, por vezes cáustico, mas nunca rasteiro.

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  2. Tenho pena que o colega Paulo defenda um sistema apenas vagamente democrático. Por mim devia ser radicalmente democrático até ao ponto de serem os alunos ou os pais a elegerem o director de turma ou no limite a escolherem de entre os disponíveis no agrupamento, os professores de cada disciplina. Por isto valeria a pena lutar.

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    1. Arlindo,
      Há a dita pachorra e desgaste. Eu fui Dt com poucos meses de funções. E correu muito bem. Agora ? Nem imagino.
      O sistema era mais honesto e simples. E os miúdos não gostam tanto de antiguidades. Estão tb saturados.

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  3. Concordo!!!

    Todos nós conhecemos DT, Coordenadores, Directores, Professores (acho que esquecem com frequência que esta deveria ser a função mais importante),…, que desempenham funções com rigor, profissionalismo e dedicação – INDEPENDENTEMENTE da idade – sendo a competência, motivação e as aptidões pessoais os critérios que deveriam presidir à escolha entre pares como, de resto já foi!

    Um dos grandes erros, e com inúmeras sequelas visíveis hoje, foi retirar as horas lectivas associadas ao desempenho dos cargos que exigem, por inerência, um outro tipo de trabalho, de pesquisa e de permanente leitura e actualização (basta olhar para os enquadramentos e mudanças legais e para um olhar sobre estes, necessariamente crítico e interventivo e fundamentado para se compreender a necessidade de tempo)… Na verdade, quiseram tirar isto à escola e aos professores e, sem tempo para análises, discussões, participação,…, torná-los em meros obedientes servos acríticos das ordens “de cima” como qualquer outro funcionário público de trabalho indiferenciado e sujeito às ordens do chefe e aos mecanicismos rotineiros para o trabalho a desenvolver no dia-a-dia!
    Conseguiram-no, na grande maioria, como se constata – proliferam, por aí os burocratas de serviço e os obedientes sem memória!

    Tenho mais de 30 anos de serviço e desempenhei todas as funções (nomeadamente na Conselho Directivo) na primeira década da minha vida profissional – deu-me uma experiência fantástica e um conhecimento abrangente e acima de tudo, da Escola, fantástico e muito enriquecedor!

    Quando em 2010, a lurditas e sócrates – já eu levava 20 anos de trabalho: aulas e muitos cargos, o que na verdade me doeu, profundamente, numa MÁGOA que permanecerá para sempre, foi o acharem que eu deixara de ter competência para o exercício de cargos, desde logo de DT.
    Não foi a ideia de quem está à frente e recebe mais… não foi a ideia de igualitarismo (queiram ou não, o tempo de trabalho tem que contar)… não foi a invejazinha de outros que trabalham mais ou menos… Foi, mesmo mágoa e o sentimento de profundo desrespeito pelo trabalho dos professores que me fez pedir, por escrito à directora, via secretaria, que não me nomeasse para qualquer cargo mais!
    (Infelizmente, não tive essa sorte! Sim, hoje, digo sorte pois a malta mais nova parece não entender, como quem está fora do sistema, que continuar a ter muitas turma e alunos mais o exercício de cargos sem tempo para o efectivar com a qualidade que deveria ser inerente é profundamente desgastante e emocionalmente destruidor de qualquer bom profissional – velho ou novo, … talvez os novos lhe resistam mais facilmente pois ainda não tiveram tempo de sentir todo o desencanto, o colapsar dos ideais, a destruição da carreira e da Escola Pública e o espezinhamento e os “pontapés no rabo” pelo trabalho que tenham e venham a realizar! – Senti-los-ão, com o tempo, não tenho dúvida!

    Na discussão que li, poucos são os argumentos de carreira apenas me pareceu ver, por lá, muitos “umbigos” e “inveja”! E, acrescento: de experiência que na educação, como na saúde e na justiça, são fundamentais!

    Constatam, entre os mais velhos, desalento, desmotivação, cansaço e pouca disponibilidade e revoltam-se (como se o tempo de trabalho e profissionalismo, SÓ POR SI e sem o anteriormente referido, não cansasse/ desgastasse/ corresse a máquina humana???

    Pois bem, meus caros colegas, se mo permitissem, ia-me já embora e, sem saudades – quem me conhece sabe a triateza que isto me provoca – deixava tudo para vós!!!

    Alguns ainda serão capazes de me responder: “Se está mal, mude-se!” A, eventuais, estes responderei com um ditado bem português: “quem me comeu a carne, que me roa os ossos!”
    Muitos, os que querem saber, os que gostam de ser professores, os que deram de si para uma escola melhor… virão a perceber… pois que, como tudo na vida, há um tempo para… um tempo, também, para entender!

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  4. Como ando de escola para escola, já lá vão 20, sei como as coisas se fazem em muitas delas… um grande número de DT’s vai para os contratados que são colocados, seja num horário anual, seja num de substituição de alguém que já está de baixa há uns anos… não é preciso ir muito longe, na última década, apenas no ano letivo de 2017/18 não fui DT, em todos os outros já lá tinha o petisco à minha espera… e, num dos casos, até tinha dois, duas direções de turma, num horário de 20 horas que foi para concurso e que nunca foi sequer completado, se tivesse mais dois ou três anos desses já estaria em burnout também… se fosse hoje, se me voltar a acontecer, apresento queixa na DR se não me alterarem o horário! Já apanhei escolas onde os DT´s eram relativamente bem escolhidos, em função das capacidades/perfis dos professores, mas em quase todas acho que há muitos contratados com direção de turma. Não é nada fácil estar numa escola nova, ser DT complica ainda mais… curiosamente, na escola onde tive as duas DT’s, trabalhei que nem um escravo, mas foi onde tive a nota mais baixa de sempre na avaliação do meu desempenho, em termos quantitativos, 6,9… foi só porque funcionavam assim mas eram muito exigentes e corretos na avaliação. Como é que, com duas direções de turma uma pessoa tinha tempo para dinamizar atividades?!

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    1. Há de tudo… e muitas vezes os critérios mudam de ano para ano.
      Pessoalmente, acho que nunca deveriam ser distribuídas DT a quem se sabe estar com situação de ausência prolongada, porque isso vai sair em cima de alguém que chegará à escola no início do ano lectivo, na melhor das hipóteses.

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      1. Oh Paulo, mas eu tenho experiência disso, e na realidade a maioria das escolas é isso que fazem, aos professores dos quadros dão direções de turma a quem quer ter e a quem é obrigado a ter para conseguir ter um horário na escola… o resto vai para os contratados, sejam em contratos anuais, sejam de substituição. Porque é que achas que eu nos últimos 10 anos só num deles não fui DT?! Este ano até estou num horário completo e anual, mas em todos os outros foram mais os que estive a substituir alguém, no ano em que me deram duas DT’s era um horário de 20 horas anual! Já tenho 20 escolas diferentes no curriculo, conheço também alguns colegas nas mesmas condições que eu, que juntam mais algumas escolas, as experiências deles são idênticas às minhas… ainda estou é para encontrar uma escola que faça o contrário do que aqui estou a descrever!

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  5. Paulo, eu sei disso. Há muitos anos passei pelo mesmo como contratado.
    O que me horroriza é que as coisas, depois de algumas mudanças, tenham mergulhado de novo nesta vergonha.
    Não posso justificar aquilo de que discordo frontalmente. Só posso fazer por não contribuir para isso, na muito pequena capacidade que posso ter ao escrever.

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  6. As 4 horas podem, ou não, ser todas atribuídas ao DT, entre a CL e a CNL.
    Por isso é que escrevi que deveriam ser todas para o DT, não por ser tarefa “hercúlea” mas por ser a função em que se dá mais a cara e se fazem (em algumas turmas) de tudo um pouco, e na CL.

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