O Texto Integral Do JL/Educação Da Semana Passada

A pedido de várias famílias.

O professor como um canivete suíço?

Há uns anos pedi a uma aluna com recorrentes problemas de pontualidade e com frequente falta do material mais básico para as actividades (era comum chegar sem nada, pedir uma caneta a uma colega e uma folha de papel a outra) para ficar no final da aula e falarmos acerca da sua atitude. Do diálogo estabelecido, mais longo e complexo em termos emocionais para ambos, por diferentes razões, ficou-me a passagem em que ela disse algo como “professor, já vi tanta coisa na minha vida que me sinto vazia, sem alma e sem vontade para nada”.

Foi um daqueles momentos para que nenhuma formação (inicial, contínua ou fabricada) nos prepara, pois esmurra-nos como pessoas e não como professores. Não existem fórmulas para lidar com situações destas, se queremos enfrentá-las, procurar ajudar quem confiou em nós para desabafar, e ser mais do que a pessoa que passa o problema a outro, alegando que não é essa a função de um professor regular, mesmo que director de turma. E esta é aquela parte do trabalho do professor que escapa a muita gente, desde o comentador mediático, certificado e diplomado, que acha que sabe tudo sobre Educação porque até é encarregado de educação e se calhar deu umas aulas no passado, até ao comentador de esplanada que, por entre umas “bocas” sobre futebol e a corrupção na política lançadas com a jactância das certezas, gosta de zurzir naqueles professores “que nada fazem, que querem todos os direitos e nem sequer percebem que o país está como está por causa de quem como eles”. Esta é a parte do trabalho do professor que nem é assim tão incomum, porque dos seus dias de trabalho fazem parte centenas ou milhares de interacções, com dezenas de alunos, hora a hora minuto a minuto, e é necessário tomar decisões, processar a informação e optar pelo que se considera, quantas vezes em breves momentos, qual a atitude certa a tomar.

Como quando, há não tanto tempo assim, uma aluna que desconhecia me entrou pela sala dentro quanto estava numa tutoria com três alunos, sem pedir ou sequer se dirigir a mim e deu duas palmadas em colegas sentados, enquanto continuava calmamente com o telemóvel na mão e quando a inquiri o que se passava me respondeu que não era nada comigo e que quando insisti e lhe perguntei se percebia com quem estava a falar, replicou que “estou a falar com um professor, e depois?” E é necessário decidir o que fazer, até porque, nos tempos que corremos, este é aquele tipo de ocorrência que as entidades que definem o que é a indisciplina a nível macro e quem a gere a nível micro, consideram de pequena gravidade mas que, quando tolerada, pode ter efeitos graves na imagem de um professor perante uma turma ou grupo de alunos. É necessário combinar firmeza e ponderação, buscar o equilíbrio racional perante provocações que, por si só, parecem menores a quem não as enfrenta com regularidade. E nem sempre se acerta, porque não há fórmulas mágicas para gerir relações humanas ao segundo, com personalidades muito diferentes, muitas delas em formação sem referenciais cívicos mínimos ou estáveis no seu meio de origem e em que a afirmação se faz na base do confronto, da provocação, da agressão. Não nego que reagi e que ainda tive de me irritar após, ao sair da sala ouvir um “vou-me embora, mas é porque eu quero!” com aquela certeza (errada? correcta?) de que nada de grave lhe poderia acontecer e, talvez, até pudesse vir a beneficiar da benévola compreensão de quem gosta de “contextualizar” e de “privilegiar os afectos”, comprazendo-se no vazio de pretensas boas intenções.

A opinião pública está habituada, infelizmente com uma frequência cada vez maior, a serem-lhe servidas notícias de casos bem mais dramáticos de agressões de diverso tipo nas escolas (nos hospitais, até nos tribunais), entre alunos, de encarregados de educação para professores e mesmo de professores para com alunos. Mas essas são situações extremas que, mesmo em crescimento real (não acreditem nas estatísticas extirpadas do que possa prejudicar a “imagem” disto ou daquilo), ainda são excepcionais, uma fuga à regra. As escolas ainda são espaços seguros, mesmo se é perceptível a erosão do respeito para com a instituição escolar e os seus profissionais. Mas são, e não paradoxalmente, lugares onde existe muita violência verbal, fenómenos de pequena indisciplina, um rumorejar de agitação que alguns consideram “normal da idade”, mas que não é compatível com espaços e tempos de aprendizagens significativas desde logo de regras basilares de convivência social e respeito mútuo.

A Cidadania começa aqui, nas pequenas coisas. Aquelas que os professores tentam fazer respeitar, mas tantas vezes não conseguem de forma plena, até porque não se sentem apoiados nessa missão. Se falham uma decisão em cem, haverá logo quem lhes aponte o dedo porque “não sabem gerir a sala de aula”, porque “precisam de formação em gestão de conflitos”, ignorando as outras noventa e nove acertadas ou, no mínimo, não problemáticas. Mesmo se os casos de maior gravidade são traumáticos, não devemos ignorar o quão desmoralizador é alguém tentar fazer o seu melhor e saber que acabará por falhar, mais cedo ou mais tarde, porque as probabilidades são o que são e ninguém lhes escapa. E há quem esteja à espreita…

Mas voltemos ao professor que, por um acaso que tem pouco de coincidência, recebe os testes de uma turma e não dá logo atenção a uma pequena anotação na primeira página de um deles. E que, ao finalizar a aula ao colocá-los por ordem, percebe que na anotação, em letra delicada e discreta, se pode ler “não aguento viver aqui… esse mundo é um inferno… eu não queria ter nascido… já não aguento mais… não quero nascer de novo aqui…” e um pouco mais ao lado “Suicide”. E vai em busca d@ alun@ para perceber se é “apenas” uma chamada de atenção ou uma declaração de desespero com uma situação de potencial risco iminente. Porque aos 11 anos o dramatismo ou o mimetismo do que se vê ou lê algures nem sempre é fácil de caracterizar e nas escolas o “rácio” dos “recursos” especializados para estes casos é ele próprio dramático. E descobre-se que @ alun@ que chegou este ano de longe, chegou porque havia violência no seu quotidiano familiar, que o medo se transformou numa tristeza que é ainda possível afastar com pequenas gentilezas, com a amizade d@s colegas que ousam aproximar-se de quem se recolhe num casulo que não se pretende verdadeiramente fechado. De quem, afinal, deixou ali a ponta do fio que quer que desenrolemos. Mas o desenrolar é todo um outro processo. Complexo. Longo.

Em termos humanos, tudo isto é desgastante e está nos antípodas da imagem dos professores que só se preocupam em “despejar matéria”, em “mandar montes de trabalhos de casa”, que “só se preocupam com os escalões e anos de carreira”. Aquele discurso simplista e demagógico a que se recorre sem se parecer ter consciência dos danos causados e que incita encarregados de educação a entrar pelo espaço escolar e a coagir professores, a exigir-lhes que sejam tudo e mais um pouco quando isso é necessário e dá jeito, mas dando uma pedra sem sopa em troca. Falo dos adultos, porque a petizada, em regra, devolve desde que tenhamos disponibilidade para o apreciar, se não tivermos já tantas cicatrizes ou feridas mal saradas que a reacção automática seja a de erguer um muro de defesa, de indiferença. Porque isso também acontece e é desnecessário ocultá-lo. Há quem só assim consiga sobreviver e, embora não seja a atitude mais desejável, é compreensível. Se devemos “contextualizar” as “rebeldias próprias da idade” também deveremos ser capazes de o fazer com as consequências das mágoas acumuladas ao longo de anos de incompreensão e crescente sensação de isolamento.

A empatia é essencial no processo educativo, mas é um “recurso” relativamente escasso e que tem uma resistência variável à erosão. E não a devemos confundir com outras aparências em forma de fingimento, mais ou menos sorridente. Muito menos com retóricas postiças (em quem as emite) e assumindo a credulidade imbecil (daqueles a que se dirigem). Mesmo se a maioria da petizada, ainda pouco filtrada e com receptores pouco corrompidos pela hipocrisia, é um óptimo detector de encenações.

Tudo o que fica relatado pode ser real, relato fiel dos factos ou pode ser um mero exercício de quase ficção, o recurso a uma efabulação, destinada a captar a atenção do leitor, a fim de demonstrar uma tese. O enorme problema é que, para quem vive o quotidiano escolar em modo acordado, a linha que separa a realidade da imaginação é ela mesma uma quase abstracção.

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ÚLTIMA HORA!!!

A excitação atinge o rubro com a primeira professora suspeita de Covid-19. Nem o golo do Éder, o calcanhar do Madjer, a mão do Vata ou os três penaltys do Coates a favor do Rio Ave provocaram tamanha comoção no país (ok, posso ter exagerado um pouco no último exemplo).

A bem dizer é como que uma espécie de nova aparição de Nossa Senhora, não encavalitada numa oliveira, mas numa escola com crianças quase tão agitadas como os meios noticiosos da pós-modernidade.

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Assim, É Difícil Arranjarem-se Amigos Influentes

Vejo a reprodução insistente, em especial numa rede social cheia de “grupos” que clonam postagens e notícias, de uma notícia acerca da inauguração de uma “casa do professor” em Oeiras por iniciativa desse autarca-modelo de virtudes que é Isaltino Morais. Sendo que a “oferta” parece ser feita em troca de 300 euros mensais por quarto na dita casa.

Já agora, por acaso, em 2018, Oeiras era o último concelho do país com dados disponíveis em termos de rede pública de pré-escolar (uma das prioridades para combater o insucesso escolar de acordo com a generalidade dos estudos a sério sobre o assunto).

Há uma semana, um antigo colaborador deste autarca-modelo dizia que ninguém deve ficar “manchado” por causa da sua ligação a alguém menos transparente (o tema era o chumbo do juiz deste pepino Vitalino para o Constitucional).

Não sei porquê, mas estas coisas ocorrem-me quase todas ao mesmo tempo.

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Sobre A Proibição Das Visitas De Estudo

Embora pareça um medida cheia de bom senso, há alguns aspectos que eu gostaria de sublinhar só para pensarmos um pouco mais sobre isto.

  1. Se muitos dos destinos das visitas (não falo das viagens de finalistas para fora do país) até são frequentados por muita gente, a verdade é que a maioria das escolas com 500, 1000 ou 1500 alunos são espaços potencialmente muito mais favoráveis a eventuais contágios.
  2. Existiu algum cuidado em fazer uma espécie de despiste prévio quanto às deslocações de professores e alunos na altura do Carnaval? As r3edes sociais podem ajudar.
  3. O que se faz com alunos que andam a chegar em quase catadupa nos últimos meses a algumas escolas, em especial de países onde o rastreio deste tipo de doenças é pouco mais do que nulo?

Tudo isto parece algo desproporcionado mas, em especial, algo fora do tempo certo, por muito que o ministro chientista apareça a dizer que está tudo chob controle.

Virus

5ª Feira

As lutas travam-se com base em causas, princípios, naquilo que a nossa consciência nos diz estar certo, não por ser popular ou por ser conveniente. Mas vejo lutas de toca e foge que revelam bastante mais sobre conveniências do que consistência. E, como disse, não interessa se não ganhamos sempre ou mesmo quase nunca. Claro que é preferível conseguirmos o que achamos justo. Mas entre não o conseguir de forma digna e entregarmos a alma aos likes/hits/euros/honrarias de passagem pode estar uma fina linha, mas que seja daquelas que prefere quebrar a torcer.

cabecinha_pensadora