Como só restaram pedacitos, ficam aqui as questões colocadas e as respostas completas dadas no início da semana que estão muito longe de certos delírios acerca da enorme “criatividade” que outros actores (mas de topo) andam por aí a anunciar.
– Como está a ser lecionar a partir de casa?
Está a ser um processo tranquilo, até porque tinha reservado poucos conteúdos para estas últimas semanas. Em regra, realizo os momentos de avaliação antes, sendo este tempo final de correcção de trabalhos e fichas, auto-avaliação e conversa com os alunos, até porque as escolas têm muitas actividades nestas semanas. Por isso, facultei alguns materiais aos alunos (8º ano) já para o próximo período e aconselhei-os (e aos encarregados de educação) a aproveitarem o tempo para relaxarem um pouco.
– Que ferramentas tem estado a utilizar?
Em sala de aula já estou habituado a usar ferramentas digitais para realizar pequenos questionários e a entrega de trabalhos pelos alunos é quase sempre feita por mail, mesmo nas turmas de 6º ano. No 8º ano é a regra. Como director de turma, comunico com os encarregados de educação regularmente por mail, pelo que agora me limitei a pedir-lhes autorização para comunicar directamente com os alunos e criei uma turma no Google Classrooom para a qual os convidei. Lá, coloquei algumas das apresentações que iria usar presencialmente no 3º período. Mais adiante, usarei o Quizizz e o Socrative para realizar questionários, com prazos definidos. Mas não penso alargar muito os suportes, até porque alguns não têm meios para estar sempre disponíveis, por exemplo, em sessões síncronas de vídeo-conferência.
Resumindo: para já, mail, Google Classroom, Quizizz e Socrative.
– E como têm os seus alunos reagido a este método diferente de ensino?
Por enquanto, apenas contactámos para estabelecer o que fazer mais tarde. Até agora 95% dos EE responderam e 80% dos alunos já se encontram inscritos na turma virtual. Pareceram interessados e mesmo ansiosos mas, por enquanto, prefiro perceber como tudo isto vai evoluir,
– Existe desnorte da DGESTE na organização da resposta a ser dada pelos professores e escolas?
Sim de forma clara, os serviços do ME têm respondido pouco, devagar e com escassa coerência, remetendo para as recomendações da DGS (ao nível da realização de reuniões e outras actividades pelos professores nas escolas) e enviando um conjunto de sugestões para o tele-ensino pouco úteis, assim como o documento que foi enviado para ultrapassar o problema dos alunos sem equipamentos e/ou net em casa conter recomendações impraticáveis ou mesmo disparatadas.
A DGE criou um site em que concentrou um conjunto amplo de propostas para o ensino à distância, úteis, mas que em alguns casos potenciaram que numa mesma escola se usassem soluções muito diversas ou mesmo com a mesma turma diferentes professores recorressem a ferramentas diferentes, o que baralha o trabalho dos alunos.
E tem havido uma falta de clareza acerca do que é necessário fazer com cada nível de escolaridade, porque as soluções para o 1º ciclo dificilmente serão as mesmas que devem ser desenvolvidas para os alunos do Ensino Secundário.
– Considera que deveria a DEGESTE ter-se preparado com mais antecedência (chega a sublinhar num post que a lista de contactos começou a ser feita na 2ª feira…)?
Ao longo dos últimos 15-20 anos, os serviços do ME deixaram de ser estruturas de apoio técnico competente ao funcionamento das escolas, em que era possível confiar, para passarem a ser meras extensões operacionais do poder político, sem autonomia técnica. Penso que, tal como a tutela política, a DGEstE e a DGE pensaram que poderiam adiar medidas, que as coisas não teriam uma progressão tão rápida, mesmo se em blogues e nas escolas desde a semana de 9 de Março se falasse na necessidade de se fazer algo. A longa espera pelo final da reunião do Conselho Nacional de Saúde Pública e o seu desfecho, bem como a hesitação do primeiro-ministro em avançar sem o apoio dos outros partidos, com reuniões formais para esse efeito, também não ajudaram nada.
– E parece-lhe que, numa classe envelhecida, estas medidas (como a de os trabalhos serem recolhidos na casa de quem não tem acesso a Internet ou a um computador) são desfasadas dos conselhos de distanciamento social que nos têm sido dados?
Algumas dessas sugestões são pura e simplesmente para ignorar. Sugerir que professores reformados (grupo de risco) se desloquem à casa de alunos (grupo em regra assintomático quando tem o vírus) é um disparate. O que se verifica é que certas retóricas demagógicas sobre o século XXI e todo o maravilhoso mundo digital do século XXI lidam mal com o país real em que 20-25% da população vive abaixo do limiar da pobreza.
A idade dos docentes só é parcialmente relevante, porque a geração que está acima dos 50 anos já passou por uma série de transformações tecnológicas a que se foi adaptando, mesmo se nem toda a gente conseguiu acompanhar todas as novidades. Mais complicado é o grau de desgaste que atinge muitos docentes.
– No capítulo das soluções: parece-lhe que apesar destas dificuldades, será possível organizar-se o estudo e ensino a distância nas próximas semanas?
É possível estabelecer uma espécie de pré-rede de ensino à distância, mas que nunca será universal por impedimentos técnicos (falta de cobertura da banda larga em zonas do interior do país com população mais dispersa) ou económicos (condições das famílias dos alunos). Pelo que estão em questão os princípios tão proclamados da equidade, justiça social e inclusão.
É necessário decidir se o objectivo é criar uma rede global, desenhada centralmente e padronizada, ou micro-redes locais. Se cada professor ou grupo de professores improvisa uma solução, se temos soluções de escola/agrupamento. Ou se, agora que se fala tanto em municipalização, as autarquias assumem um papel relevante nesta matéria, nomeadamente na negociação com as operadoras de condições para que todos os alunos disponham de recursos para se integrarem nesta solução.