Opiniões – João Paulo Maia

Será eticamente aceitável retomar aulas como parece estar previsto? – Uma alternativa

A pergunta ética crucial é: o que devemos fazer? Neste caso, o que devemos fazer quanto ao retomar ou não de aulas no ensino secundário, tal como parece estar previsto para breve, a 18 de Maio.

Manifesto a minha perplexidade e preocupação pela decisão desta retoma nas condições que são do conhecimento público, tanto quanto se pode ajuizar pela informação disponível até à data, dado o risco para a saúde pública que é expectável esta decisão implicar, sem que nada de substantivamente equivalente ou mesmo superior se lhe possa contrapor. Isto para já não referir os inúmeros obstáculos “técnicos” que esta decisão levanta. Comece-se por estes últimos – (1) e (2).

(1) Se (i) as orientações emanadas do Ministério da Educação (via Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares) para o recomeço das aulas presenciais não determinam um número específico de alunos por sala, já (ii) a Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, no seu artº 10º, alínea a), especifica uma ocupação máxima por m2, a saber, 0,05[1], o que implica a ocupação, num espaço fechado, de uma pessoa por cada 20 m2.. Se assim for, uma sala com 100 m2 só poderia ser ocupada por 6 pessoas (supostamente 5 alunos e 1 professor, visto a Resolução referir que prestadores de serviços não contam; mas assuma-se que professores e alunos contam como pessoas…)[2]. Porém, este estado de coisas naturalmente levanta sérios problemas quanto à operacionalização de aulas presenciais.

(2) A Resolução em causa também determina a distância mínima a observar entre pessoas: no referido art.º 10º, b), lê-se: “A adoção de medidas que assegurem uma distância mínima de dois metros entre as pessoas, incluindo aquelas que estão efetivamente a adquirir o produto ou a receber o serviço, podendo, se necessário, determinar-se a não utilização de todos os postos de atendimento ou de prestação do serviço”. Ora, este último tópico parece enquadrar o caso de atividades letivas presenciais, pois os docentes são prestadores de serviços. Porém, nas Orientações do Ministério apenas se refere a distribuição de um aluno por secretária ou mesa. Se isto assim for, teremos de afastar secretárias ou mesas para que essa distância seja respeitada entre alunos e entre estes e o professor, o que coloca novamente em jogo os problemas de operacionalização supracitados (a “extensibilidade das salas de aulas” assume limites aquitectónicos bem objectivos).

(3) Para além destas anomalias difíceis de ultrapassar, o que se obteria no plano ético? Fazer regressar agora à escola alunos que tipicamente mantêm um número considerável de interacções sociais, incluindo não apenas alunos das disciplinas dos anos sujeitos a exame nacional (mesmo aqueles que os não irão realizar), mas também ao que parece alguns alunos dos cursos profissionais (e aqui a incerteza prevalece), parece ser uma decisão irresponsável porque todos estes alunos iriam estar em contacto com uma faixa etária de professores e funcionários, muitos dos quais acima dos 50 anos, alguns com 60 ou mais anos, e alguns com comorbilidades. Isto para além de tais alunos contactarem com pais, encarregados de educação e alguns parentes da faixa etária acima dos 70, havendo ainda comorbilidades que não devem ser, sem mais, lançadas para o conjunto vazio. Logo, se esta decisão parece irresponsável no plano da saúde pública, será também uma decisão que fere a ética, pois previsivelmente coloca em risco a vida de pessoas inocentes. E aqui de pouco serve argumentar a favor da ideia de que esse poderá ser um efeito meramente colateral, mas não pretendido, apesar de expectável.

(4) Um recente estudo da Fundação Champalimaud, envolvendo testes serológicos –

https://www.publico.pt/2020/05/07/sociedade/noticia/covid19-estudo-revela-taxa-infeccao-loule-14-vezes-maior-testes-diagnostico-1915624 – reforça a ideia de que o número de infectados activos, logo, potencialmente contagiosos, e muitos deles assintomáticos, pode ser muito elevado. Dada a amostra – 1235 pessoas –, e mesmo tendo em conta o universo em causa, o resultado obtido foi 14 vezes superior ao que teria sido detectado em testes PCR, para a população testada do mesmo Concelho de Loulé. Ora, isto é um forte indício que apoia a ideia de que este regresso às aulas presenciais, nestas circunstâncias, parece ser de enorme leviandade e, consequentemente, um erro ético que não deve passar em claro.

(5) Como professor do ensino secundário público, estou pronto para assumir as minhas responsabilidades e, creio, muitos professores, dentro e fora de Conselhos Pedagógicos e de Conselhos Gerais, dentro e fora de Sindicatos, estarão também prontos para assumir as suas, tal como muitos pais e encarregados de educação – parece tratar-se da observação de princípios éticos inescapáveis, na defesa do interesse comum: minimizando estragos que esta pandemia tem provocado e tentado optimizar o ensino e as aprendizagens com os recursos que estão ao nosso alcance.

(6) Mas haverá alguma alternativa credível ao que nos é ministerialmente “proposto”? É que a ética não deve ser advogada tendo por suposto a inexistência de algo fisicamente acessível em termos de melhores alternativas, ou no mínimo menos más, para os agentes implicados nestas tomadas de decisão. Ora, parece-me que a resposta para aquela pergunta é afirmativa, por exemplo, defendendo globalmente as soluções expressas publicamente pelos subscritores de Por que não devem reabrir as escolas para o ensino secundário que, neste momento, se constitui como petição que pode ser assinada no site do Parlamento nacional – ver: https://participacao.parlamento.pt/initiatives/1263

(7) Ora, se há melhores alternativas – pelo menos uma! –, e que em nada hipotecam a equidade que deve prevalecer, nomeadamente no acesso de alunos ao ensino superior, por que razão persistir num erro que pode custar o sofrimento de vidas inocentes que poderiam não ser sacrificadas, caso se mantivesse o actual regime de Ensino Remoto de Emergência que, não negligenciando óbvias dificuldades, até se tem comportado com razoabilidade? Só porque tecnicamente já não estamos em estado de emergência? Isso é, para já, seguro. Mas também será muito provável que decisões irresponsáveis possam vir a assumir-se como calamitosas, esteja ou não legalmente decretado o estado que esteja.

João Paulo Maia, professor da Escola Secundária Cacilhas-Tejo

Almada, 7 de maio de 2020

[1] “Artigo 10.º – Regras  de ocupação, permanência e distanciamento físico

1 — Em todos os locais onde são exercidas atividades de comércio e de serviços nos termos do presente regime, sejam estabelecimentos de comércio, por grosso ou a retalho, ou grandes superfícies comerciais, conjuntos comerciais, mercados, lotas ou estabelecimentos de prestação de serviços, devem ser observadas as seguintes regras de ocupação, permanência e distanciamento social:

a) A afetação dos espaços acessíveis ao público deve observar regra de ocupação máxima indicativa de 0,05 pessoas por metro quadrado de área; (…)”.

[2] Com efeito, pode ler-se no mesmo artº 10:

“2 — Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior:
a) Entende -se por «área», a área destinada ao público, incluindo as áreas de uso coletivo ou de circulação, à exceção das zonas reservadas a parqueamento de veículos; b) Os limites previstos de ocupação máxima por pessoa não incluem os funcionários e prestadores de serviços que se encontrem a exercer funções nos espaços em causa.”, o que parece incluir, se se for consistente, professores.

Finger

A Circulatura Da Interpretação Única E Legítima

  1. Há umas conversas em circuito fechado acerca da melhor maneira de lidar com uma situação que não é de solução clara e evidente.
  2. O gabinete de um governante manda cá para fora, de modo discreto ou nem tanto, uma espécie de fuga de informação sobre a solução provisória pensada após esse “diálogo”, mas de maneira que possa ser sempre negada a sua autoria ou legitimidade.
  3. Conforme as reacções, acerta-se ligeiramente a proposta oficial que agora se torna recomendação/instrução e se envia, em primeira mão, aos canais de comunicação “certos”, tradicionais ou inovadores.
  4. O documento em causa aparece publicamente por fim com chancela mesmo oficial (mas nem sempre com assinatura clara) e só então chega aos directamente interessados.
  5. Percebe-se que o documento está mal redigido, porque é pouco claro numas passagens, omisso em outras ou apenas disparatado em aqueloutras. Surgem as críticas que se acusam de apenas colocarem “problemas” e não terem lido correctamente o que foi determinado por mentes reconhecidamente preocupadas com o bem comum da Nação.
  6. O tal governante vai à televisão apresentar a interpretação legítima do raio do documento, sempre que possível sem qualquer contraditório e com um@ pivô adequadamente compreensiv@ com o interesse nacional numa situação de crise como esta.

Circo2

(o processo reinicia-se as vezes que forem necessárias e conforme as mijinhas tidas como indispensáveis para ser possível limpar as mãos à parede dos inconseguimentos e incompetências)

Carta Aberta De Uma Encarregada De Educação

CARTA ABERTA SOBRE A REALIZAÇÃO DE EXAMES NACIONAIS NO ANO LETIVO 2019/2020 

Ex.mo Sr. Presidente da República Portuguesa

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República

Ex.mo Sr. Primeiro Ministro

Ex.mo Sr. Ministro da Educação

Ex.mo Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

Ex.mo Sr. Presidente do Conselho de Ministros

Ex.mo Sr. Presidentes de todos os Grupos Parlamentares

Ex.mo Sr. Presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais – CONFAP

Ex.mo Sr. Presidente da Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação – CNIPE

Ex.mo Sr. Presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas

Ex.ma Sra. Presidente do Conselho Nacional de Educação

Considerando que:

  1. A evolução da pandemia é incerta a nível nacional e internacional;
  2. O pico da doença poderá ainda não ter sido atingido, segundo os especialistas e informação da Direção Geral de Saúde;
  3. Os exames do ensino secundário, neste ano letivo, visam unicamente fazer deles um instrumento complementar de acesso ao ensino superior;
  4. O recomeço das aulas presenciais previsto para maio tem apenas como objetivo a preparação dos alunos para os exames nacionais;
  5. Essas aulas poderão atentar contra a saúde pública de toda a comunidade escolar, expondo-a a riscos desnecessários e de consequências imprevisíveis, tanto mais que os jovens, por serem geralmente assintomáticos, serão potenciais veículos de transmissão de grande risco;
  6. Existem alunos que pertencem a grupos de risco, cujas vidas verão e serão postas em causa ao terem que regressar à escola para terem aulas presenciais. Em contrapartida, a docentes e não docentes pertencentes a grupos de risco é dada a possibilidade de não voltarem às escolas sem mais;
  7. As medidas previstas pelo governo nesse âmbito determinam que o aluno poderá optar por não ter aulas presenciais, se o fizer não estará em igualdade de circunstâncias relativamente aos outros quanto à sua preparação para os exames nacionais. Prova-o a decisão do governo ao ponderar o regresso às aulas presenciais, caso contrário, as aulas a distância, como até aqui, seriam suficientes;
  8. Os alunos, ao voltarem às aulas presenciais, poderão infetar ou contrair a COVID 19, o que os afastará da escola, no mínimo 15 dias, pondo em risco a realização dos seus exames e também os dos seus colegas;
  9. Aos alunos do 12º ano, que faltarem à primeira fase de realização dos exames por consequência da COVID 19, ser-lhes-á impossibilitada a candidatura à primeira fase do concurso ao ensino superior. Significa, na prática, perderem um ano da sua vida, uma vez que na segunda e terceira fases há cursos que não têm vagas sobrantes;
  10. Estes jovens investiram os últimos 3 anos das suas vidas a preparar o seu ingresso no ensino superior, com expectativas, ansiedades e angústias que mais se agravam numa fase tão conturbada como a que vivemos;
  11. A preparação destes jovens deva ser tranquila para que tenham um desempenho à altura de todo o tempo e estudo investidos, é necessário que a conjuntura e o contexto em que estão inseridos não sejam desfavoráveis nem os coloquem em desvantagem;
  12. Ademais, o novo calendário de exames, entretanto estabelecido, irá, inevitavelmente, condicionar o início do próximo ano letivo, não se pode aceitar que a saúde dos jovens seja posta em risco por uma decisão prematura.

Face ao exposto, como Mãe e Encarregada de Educação de um aluno de 12º ano que pertence a grupo de risco, por ter duas doenças crónicas, venho por este meio:

  1. Exigir ao Ministro da Educação o cancelamento do atual calendário de exames do ensino secundário pelas razões acima descritas e à semelhança do que outros países europeus já fizeram.
  2. Solicitar aos Ministros da Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior que, em coordenação, elaborem novas formas de acesso ao ensino superior válidas para o corrente ano letivo que não passem pela concretização do estabelecido no Decreto-Lei n.º 14-G/2020.
  3. Apelar à defesa da vida de todos os envolvidos neste processo, mas sobretudo dos mais frágeis, como os alunos pertencentes a grupos de risco.

Porto, 07 de maio de 2020

Ana F.

(embora tenha apresentado a sua identidade completa a autora solicitou que não fosse divulgada de forma completa, por questões de privacidade do educando)

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Só que eu não sinto essa coisa estranha que dizem ser o stress ou a ansiedade de estar em casa, porque tenho uma boa relação com quem cá está e as paredes dão-me menos dores de cabeça do que a maioria das criaturas com quem, em tempo normal, tenho de lidar fora das salas de aula. Tenho até menos tempo do que gostaria para ler e, no fundo revejo-me bastante do que o Trevor Noah disse a este respeito há uns dias num talk show, ali a partir dos 3’40”.

Dia 51 – Factores De Risco

(…)

Por isso, é muito mais confortável, até porque o sou a tempo inteiro, apresentar as minhas reservas enquanto pai e encarregado de educação. Até porque alguns “representantes” parentais, preferenciais para o “diálogo” com o governo, andam muito calados, quiçá à espera de instruções quanto às posições certas a tomar, em nome do interesse maior da Nação.

Mas vamos lá a duas questões que certamente já estarão (de acordo com aquela lógica da incontinência da próstata burocrática que já apresentei há um par de dias) a ser consideradas e só não foram claramente explicitadas até agora porque o povo português tem dificuldade em processar muita informação de uma só vez, a menos que seja no programa da amiga Cristina.

(…)

diario