O Texto Deste Mês Para O JL/Educação

Não conseguindo achar a edição em papel nem nos pontos habituais em que o conseguia comprar antes do confinamento, tive de o encomendar online, pelo que deixo aqui o texto, pois quer-me parecer que de outra forma será difícil lerem-no.

Foi escrito há uns 10 dias por questões de programação da edição e agora até é mais consensual do que seria há umas semanas. Não faço ideia do que outros escribas por lá deixaram, mas pelos nomes da douta gente convidada (como Domingos Fernandes ou David Rodrigues), dificilmente o meu não será o único texto pouco convergente com a Situação na Educação.

O fugaz apogeu de um fraco remendo

Numa peça recente (5 de Junho) do Wall Street Journal [i] fazia-se o balanço do recurso ao ensino à distância nos Estados Unidos da América, após o encerramento de dezenas de milhar de escolas que atingiu cerca de 25 milhões de estudantes do ensino não-superior, e as conclusões não são estranhas a quem acompanho este processo por cá: muitos alunos sem meios tecnológicos (computadores e acesso regular à net), professores a fazerem uma reconversão do seu trabalho num prazo curtíssimo, mesmo sem terem uma formação específica em ferramentas digitais para o ensino à distância e encarregados de educação sem capacidade ou tempo para apoiarem os seus educandos.

Em termos globais o “ensino remoto” (remote learning) foi considerado um falhanço, com muitos distritos escolares a, perante as dificuldades e desigualdades verificadas, comunicarem aos alunos para deixarem de desenvolver as tarefas que lhes eram solicitadas. Uma professora dum liceu de Brooklin é citada a afirmar aquilo que parecia uma evidência, mas estava longe de o ser: o facto de vermos muitos alunos agarrados imenso tempo aos seus dispositivos digitais fez com que se confundisse isso com a capacidade de acompanhar um ensino à distância com suporte nas novas tecnologias. Mas, como é sublinhado, “ser um consumidor digital e ser um aluno digital são coisas muito diferentes”. E isso é mesmo assim e bastaria um pouco mais de atenção para se ter percebido que é muito diferente fazer directos para redes sociais ou aplicar filtros pré-definidos a fotos e saber anexar no formato adequado e no separador certo um qualquer ficheiro com um trabalho solicitado numa plataforma com fins educativos.

Mesmo quando se pede apenas, e falo neste caso em primeira mão, que um trabalho manuscrito seja fotografado e anexado no espaço certo de uma “sala virtual”, em grande parte dos casos a imagem surge desfocada ao ponto de ser ilegível, está anexada da forma que calha ou, no limite, nem aparece, porque o aluno se esqueceu de guardar o anexo e mandou entregar o trabalho sem qualquer documento. E este tipo de situação não melhorou, infelizmente, com o passar do tempo, apesar de sucessivas tentativas para explicar o processo. A literacia digital para o lazer e diversão é uma coisa bem diversa da necessária para aceder a conteúdos educacionais e usá-los como base para desenvolver novas aprendizagens.

Isto já era sabido, mas sucederam-se semanas em que parecia que estávamos a entrar num admirável mundo novo, cheio de “oportunidades” e não num caminho com um enorme potencial distópico e multiplicador das desigualdades. E quem o afirmava é porque não queria colaborar nas soluções e avançar para os novos tempos.

Elogiou-se muito a “Telescola”, mas está por perceber se não foi mais uma forma de ocupar o tempo e uma curiosidade para os avós do que uma ferramenta eficaz para as aprendizagens dos alunos. Em sinal aberto, permitiria “chegar a todos”. Resta saber a quem se chegou verdadeiramente e se foi aos que mais necessitariam de um acompanhamento. Assim como diversas soluções adoptadas foram, em termos curriculares, de didática e de pedagogia, as mais adequadas. A quebra brutal das audiências ao fim de uma semana ou duas é apenas uma pista a ser analisada sem conclusões determinadas por quem encomende um necessário estudo sobre a experiência.

Por outro lado, o nível de retorno de trabalhos solicitados no chamado E@D, mesmo com prazos alargados, seguiu uma tendência de subida nas primeiras semanas do 3ºperíodo, a que se seguiu um progressivo declínio, à medida que a solução perdeu novidade e se instalou o cansaço e a saturação com este modelo de aprendizagem à distância que só terá viabilidade como complemento do ensino presencial, ao contrário de quem achou que estava encontrado o “novo paradigma” da Educação. O ensino remoto é tão mais desadequado quanto os alunos forem mais novos, pois é com os mais pequenos que a proximidade de educador@s e professor@s é essencial e o principal factor de adesão às tarefas e ao sucesso das aprendizagens. E ficamos sem saber até que ponto é fiável a qualidade do retorno, pois o fenómeno dos backchannels não funciona apenas como veículo para o debate paralelo entre os alunos sobre determinada tarefa e partilha de ideias, mas também para adulterar o seu desempenho, mesmo durante sessões síncronas.

O debate em torno das sessões síncronas ou assíncronas, das ferramentas a usar para as videoconferências, como fazer (ou não) o registo das presenças, o modelo de tarefas a solicitar, as metodologias de avaliação a aplicar, foram questões que serviram para ocupar muito tempo em discussões raramente produtivas e dar uma aparência de “inovação”, mas passou ao lado do que era mais importante. E o mais importante era perceber que a realidade não se transformava com empréstimos apressados de equipamentos a alunos ou “formações” para professores em regime intensivo. E a realidade é a de uma sociedade profundamente desigual que as exigências do confinamento e das novas formas de trabalho agravaram ainda mais.

Enquanto por cá se ficou pela produção de uma torrente de artigos e proclamações a favor de tudo o que ia sendo feito, criticando-se severamente quem ousasse colocar “problemas” para as “soluções” apresentadas, em outras paragens tentou-se desde cedo compreender o que estava a acontecer. Uma pesquisa realizada logo em Abril pelo Centre for Economic Policy Research[ii] dava a conhecer o impacto diferenciado do teletrabalho conforme as ocupações e respectivo nível de rendimentos, demonstrando como eram os mais desfavorecidos que, a acrescentar aos problemas pré-existentes, se viam em maiores dificuldades para acompanhar os seus educandos no ensino remoto. Porque muitos dos empregos pior pagos são exactamente os que não podem recorrer ao teletrabalho, por estarem ligados aos transportes, à recolha do lixo, à manutenção de infraestruturas básicas ou à venda de bens de primeira necessidade. Ou seja, os trabalhadores definidos como “essenciais” (à excepção dos profissionais de saúde) fazem parte dos mais mal pagos. E grande parte continuou a trabalhar com os filhos em casa. De acordo com o estudo, os trabalhadores com mais de 70.000 dólares de rendimentos conseguiam realizar mais de 60% das suas tarefas a partir de casa, enquanto aqueles com menos de 40.000 dólares só conseguiam assegurar menos de 40%.

Até o The Economist (“Many poor Americans can’t afford to isolate themselves”, peça de 24 de Abril)[iii] reconhecia que o impacto da pandemia era muito mais dramático para os blue collar workers do que para as ocupações com maior estatuto remuneratório. Não apenas porque eram obrigados a trabalhar, mas porque o tinham de fazer em situações de maior risco. Enquanto os seus filhos ficavam em casa, uns sem meios sequer para acompanhar o ensino remoto, enquanto outros ficavam sem uma orientação que o fim do ensino presencial cortou.

Mas em Portugal o que verificámos foi um fenómeno inverso, pelo menos em termos de ocupação do espaço mediático. Em vez de queixas dos mais desfavorecidos por não terem tempo apara acompanhar os seus filhos nas tarefas escolares, tivemos lamentos de gente bem posicionada no mercado de trabalho a lamentar-se por terem de estar em casa com os filhos e de os ajudar nos seus trabalhos. Os contributos dados tiveram alguma utilidade para além do registo dos humores individuais ou familiares.

São bem vindas as recentes declarações de alguns responsáveis pelas actuais soluções, ao reconhecerem que este não pode ser um caminho a prosseguir no futuro, mesmo que o regresso ao ensino presencial apresente problemas no próximo ano letivo. O ensino remoto pode ser uma solução para situações de emergência, mas é bom que seja assumido que são muitas as suas insuficiências e que está muito distante de ser desejável como modelo para o futuro da Educação não-superior.

Assim como seriam bem vindas todas as soluções que consigam libertar-se das suas amarras ideológicas ou de agendas políticas pessoais ou de facção. Como professor e encarregado de educação gostaria que o “novo paradigma” fosse o de uma Educação mesmo ao serviço dos alunos.

[i] https://www.wsj.com/articles/schools-coronavirus-remote-learning-lockdown-tech-11591375078

[ii] https://voxeu.org/article/large-and-unequal-impact-covid-19-workers

[iii] https://www.economist.com/graphic-detail/2020/04/24/many-poor-americans-cant-afford-to-isolate-themselves?fsrc=scn/tw/te/bl/ed/dailychartmanypooramericanscantaffordtoisolatethemselvesgraphicdetail

PG Verde

Está De Volta A Rubrica “Phosga-se” – Série “A Idiotice À Desfilada”

O Joaquim Colôa encontrou e publicou no facebook. E eu acho que merece o destaque merecido por todos os disparates de quem defende abordagens holísticas e do aluno “como um todo”, mas depois aparece com grelhas deste tipo que são uma aberração desde a ideia à falta evidente de uma literacia gráfica digital que permita fazer uma coisinha que, ao menos, tenha bom aspecto.

Por acaso, este ano não vou aplicar a minha grelha para os alunos me avaliarem e caracterizarem. Anonimamente. Isso é que é giro.

Grelha 3P