Concordo, até porque me parece que tão grave quanto a amputação da Filosofia no currículo é a truncagem de grande parte do trajecto intelectual da Humanidade nos conteúdos tidos por “essenciais”, para reduzir a disciplina a uma pretensa (e contraditória) “objectividade”. Uma coisa é ter de adaptar os conteúdos a uma carga horária impensável, outra cortar momentos e figuras fulcrais do desenvolvimento do pensamento filosófico. Parece que interessa apenas o ponto a que se chegou na perspectiva dos “vencedores”, e cada vez menos como aqui chegámos.
O exame de Filosofia como pudim instantâneo
Isto não passa de mais uma triste fraude a acrescentar a muitas outras na área da Educação, algumas até bem mais graves, mas quase todas elas cobertas com o silêncio de uns e a cumplicidade de outros.
O colega Farinha tem toda a razão. Quanto às cumplicidades – e ao que as motivou -, que nos trouxeram até este patamar, muita coisa haveria a dizer.
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Esta forma de coiso(nem lhe chamo filosofar)só gera papagaios, ocos, sem qualquer criatividade, nem para o aluno, nem para o professor. É horrível no que transformaram a filosofia. Claro, que é o espelho do encantamento dos doutoramentos americanos, que como se vê, dá origem a gente que sabe pensar tão bem, que até um Trump domina por aquelas terras. Os alunos não lêem, nem escrevem nada de jeito, porém é isso que se pretende, é (de)formar gente acéfala, pronta a ulular
sempre que o líder mandar.Concordo, inteiramente, com o conteúdo do artigo de Orlando Farinha.
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E que dizer da novel “modalidade” de acesso ao Ensino Superior ou ao pseudoensino superior (refiro-me aos cursos profissionais ) ?
“Esses” nem sequer ouviram falar em Filosofia. E noutros saberes fundamentais e estruturantes , nem um “pudim instantâneo” provaram !
É assim…
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Deixe lá o Povinho dos cursos profissionais, a nata das escolas estrangeiras em Portugal nem exames vai realizar para aceder à universidade.
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Concordo, pisem os ovos, mas não se esqueçam que a serpente ideológica que os pôs continua viva.
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A distribuição das cotações é desastrosa. Permite, de facto, que um aluno que responda corretamente às 10 questões de escolha múltipla e à questão que envolve formalização na linguagem proposicional obtenha 15,5 valores. Mas isso não faz do exame uma forma de charadismo ou cruzadismo. As soi disantes mentes analíticas têm sido responsáveis pelos exames dos últimos anos e as competências relativas à argumentação tão elogiadas no texto do Orlando Farinha têm vindo a ganhar destaque. O problema deste ano é outro.
Continuo sem entender as repetidas referências à amputação da filosofia. Ando nisto há muitos anos, já lecionei diversos programas ( vão mudando à razão de 1 em cada 5 a 6 anos, desculpem-me o exagero) mas não observo qualquer amputação. Uma crescente falta de liberdade na escolha dos autores cuja abordagem poderá ilustrar determinados problemas, sim. Isso acontece desde a criação das orientações para a gestão do programa para efeitos de avaliação sumativa externa. Mas tirando isso…
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1. No exame, há questões de escolha múltipla que admitem mais do que uma resposta correcta. Eu até percebo o raciocínio seguido para que, nesses casos, só uma alternativa seja considerada certa, mas ele radica num puro bizantismo, que passa por rigor. O monolitismo conceptual, subjacente a este procedimento, dá conta da amputação da filosofia.
2. Mas o problema é estrutural, porque não diz respeito apenas a um mecanismo de avaliação, mas ao enviesamento do conceito e do exercício da filosofia levado a cabo pelas Aprendizagens Essenciais. Estas são um golpe de estado no ensino da filosofia, anulando, na prática, o programa oficialmente em vigor. A filosofia é transformada numa caricatura da filosofia analítica (note-se que há boa filosofia analítica, mas o que foi promovido em Portugal foi uma filosofia analítica de sétima linha, que só encontra compensação para a sua ignorância num emproamento de bradar aos céus, sem dúvida estimulado pela influência que os seus representantes têm no Ministério da Educação, no mundo editorial e mediático, sem mencionar algumas universidades). A abordagem dos problemas filosóficos a que as AE obrigam os docentes é abstracta, artificial, embebida num enquadramento conceptual e teórico limitadíssimo. As respostas aos problemas são impostas pelas AE. As críticas a essas respostas são impostas pelas AE. Um exemplo particularmente aberrante disto refere-se ao tema do determinismo e liberdade na acção humana: a abordagem imposta é baseada nuns textos de John Searl que perspectivam famílias de respostas ao tema desligadas de autores e caracterizadas de modo inconsistente, sendo que o tratamento do problema carece de todo de uma visão dialéctica e da consideração de conhecimentos da biologia e das neurociências relevantes para o caso (que já não são tão recentes quanto isso). Um logro absoluto, ideologicamente marcado.
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O “golpe de estado” como lhe chama é anterior às aprendizagens essenciais e tem a ver com as orientações para gestão do programa a que me referi no meu comentário. Às aprendizagens essenciais até “promoveram” alguma ruptura com o monolitismo conceptual ideologicamente marcado presente na abordagem de alguns dos temas/problemas do programa. Pense-se por exemplo no comunitarismo enquanto perspetiva crítica à posição de Rawls.
Quanto às escolhas múltiplas não descortino para já uma que me levante dúvidas mas admito poder estar enganado.
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Ui, que rico texto!!! Rico, porque com muito conteúdo para explicitar. Porque fala de muuuuita coisa.
Texto polémico e estimulante. Afinal, não é disso que precisamos??? É claro que não seria apropriado neste quintal estar a equacionar as múltiplas questões que ele aborda: teóricas, relativas ao ensino da Filosofia…outras, mais prosaicas, de jogos de influência e de interesses…
Agora, que muita coisa deve ser falada abertamente, que há que ser capaz de discutir racional e criticamente certas questões, para bem da filosofia e do seu ensino, isso é certo! Afinal, quem tem medo do pensamento crítico? Quem tem medo da filosofia???
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Jorge Mendes, os documentos orientadores para a lecionação do Programa foram o cavalo de Tróia. Para todos os efeitos, as AE revogaram o Programa, isto sem introduzir qualquer possibilidade de uma abordagem mais plural, ao contrário do que sugere. Sim, se como críticos de Rawls só tínhamos nos documentos para a lecionação do Programa Nozick, passámos a ter, com as AE, também, Sandel, contudo… se, em vez de ser obrigado a dar só um crítico, sou obrigado a dar dois, deixo de poder dar outros críticos (por exemplo, marxistas), porque já não dá tempo. Se olharmos para as AE do 10, vemos uma hipervalorização da lógica proposicional que antes não existia, à qual se reduz quase integralmente o trabalho filosófico. Se olharmos para as AE do 11, vemos no tema da religião e da arte a obrigação de dar teorias da treta (estou a pensar sobretudo no caso da estética). E só estou a dar alguns exemplos. Peço desculpa por desviar o Jorge Mendes das suas leituras do Desidério Murcho e quejandos. Boas leituras. Fim de conversa.
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Com certeza, RF. São só remendos, entendimentos, de acordo com a “Igreja “da filosofia analítica, ou lá o que é aquilo e já nem se respeita o programa! E para quê um dito Ministério que afinal está capturado por interesses! ?
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Trata-se de um programa tão aberto, chamemos-lhe assim, que não o respeitar é difícil. É importante dizê-lo porque o programa em vigor que vem do início deste século restituiu o nome à disciplina retirando-lhe o “introdução à” e deixou-nos uma imensa margem de manobra na escolha dos autores cuja obra poderia ilustrar a abordagem de um determinado problema. As orientações, de 2011, vincularam-nos a alguns autores, mas mesmo assim não foram ao ponto de referir, por exemplo, Nozick como crítico de Rawls como o dizia R.F. Essa “vinculação” veio a ser criada pelos manuais que, uns anos decorridos após a entrada em vigor do programa, começaram a tornar-se conceptualmente monolíticos. As Aprendizagens essenciais vão mais longe e, por isso, não introduzem qualquer possibilidade de uma abordagem mais plural. Não fazem, contudo, qualquer referência a Searle a propósito do livre-arbítrio e, por consequência eu continuo a ilustrar a posição agora designada como libertista recorrendo a Kant e com mais frequência a Sartre. Não há aí limites vinculativos a não ser, como o refere R.F. aqueles que o tempo nos coloca.
Houve obviamente uma alteração profunda do programa em vigor. A lógica, por exemplo, tornou-se vestibular, na tradição de Aristóteles e não se reduziu ao cálculo proposicional porque este não dá conta do que se passa no interior das proposições. Daí a referência ao quadrado da oposição (poder-se-ia dar uns rudimentos de cálculo de predicados. Era o que se fazia em alguns manuais antes de o monolitismo ter alastrado e quando a opção entre as duas lógicas existia). Contudo essa alteração não significa que o programa tenha ido à vida.
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Afinal, retomo o diálogo, mas apenas para o encerrar. Vou limitar-me a fazer uma ou duas observações a respeito da passagem seguinte do seu comentário: “As Aprendizagens essenciais vão mais longe e, por isso, não introduzem qualquer possibilidade de uma abordagem mais plural. Não fazem, contudo, qualquer referência a Searle a propósito do livre-arbítrio e, por consequência eu continuo a ilustrar a posição agora designada como libertista recorrendo a Kant e com mais frequência a Sartre.” O dedo de Searle está no próprio mapeamento das respostas ao problema do livre-arbítrio: libertismo, indeterminismo, determinismo moderado e determinismo radical. Quem quer que tenha lido Espinosa ou Schopenhauer sabe o que é o determinismo universal. Mas que autores convêm, realmente, às categorias de “determinismo moderado” e “libertismo”? Jorge Mendes classifica Kant como libertista. Confesso que também eu o abordo como representante dessa posição misteriosa, embora a descrição corrente do libertismo não lhe convenha de todo (na verdade, o libertismo não passa de uma categoria vazia). Com mais propriedade, Kant deve ser designado como determinista moderado. Acontece é que os pseudo-filósofos analíticos impingem uma definição de determinismo moderado que o faz equivaler a uma concepção do senso comum (mais uma vez, essa categoria é vazia, pois não conheço qualquer filósofo que defenda as teses que definiriam tal posicionamento). Soma-se a esta embrulhada a imposição da abordagem de críticas — cada uma mais estúpida do que a outra — a estas respostas que mais não faz do que sacralizá-las como respostas da FILOSOFIA ao problema. Hegel não existe. Marx não existe. Bergson não existe. Foulquié não existe. Morin não existe. Zizek não existe.
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R.F. agradeço-lhe ter retomado o diálogo. Dá-lo-ia como encerrado não fosse o facto de considerar que há algumas inconsistências no que afirma. Quanto ao mapeamento estamos de acordo. Há, contudo, um pequeno problema no que afirma. Se a categoria “determinista moderado” fosse vazia não me teria dito que com mais propriedade incluiria Kant na dita cuja. Não encontrei quaisquer razões para que assim fosse mas estou aberto a considerar que assim possa ser.
Há pelo menos um filósofo, David Hume, que defende uma posição próxima da posição de senso comum defendida pelos pseudo analíticos.
Sobre estas coisas dos mapeamentos e não só acho imensa piada ao Richard Rorty. Não é um analítico, pelo contrário.
Nunca pus os olhos em Zizek
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