Dia: 20 de Julho, 2020
Muito Pelo Contrário, Bárbara!
Em grupos de professores nas redes sociais não faltou quem defendesse a opção da professora Isa e considerasse que ninguém é obrigado a gostar de ler para ensinar ou sequer para ensinar Português.
Parece que a professora Isa é a única que não gosta de ler…
Como é que uma professora que ensina as primeiras letras não gosta de ler? Iram-se os comentários nas redes sociais.
A parte boa das redes sociais é que tem de tudo e se há quem fique abismado com a candura da estrela-pop que não gosta de ler (continuo a falar da colega Isa), há um número muito significativo que subscreve a sinceridade. Nem sequer é bem uma clivagem geracional. É uma questão de atitude perante a essência do que se considera ser “professor@”. Há quem tenha (como eu) uma visão algo anquilosada d@ professor@ como alguém que gosta do que ensina, busca saber mais e lê por prazer para aprender e quem considera que ser professor@ é, no fundo, ser um@ comunicador@ que recorre aos livros se tiver mesmo de ser e não existir o google à mão.
Não adianta culpar as “redes sociais” por isso. As pessoas não concordam todas e os exemplos de professores dos vários níveis de ensino que não percebem (ou gostam) do que ensinam não contrariam a tese de quem se sente chocado ou valida quem acha que sim. Não adianta culpar a “formação de professores” que tão mal tratada tem sido entre nós., com gente instalada décadas no sistema de que diz mal. E a Bárbara sabe isso.
E acredito que a Bárbara estará, lá no fundo, do lado dos “irados”, mas terá desgostado da investida contra a professora Isa, tão simpática e tão moderna. Tão na moda. Todos sabemos que ninguém é obrigado a gostar de todas as matérias que fazem a sua especialidade. A mim irritam muito as guerras da religião na Europa nos século XVI e XVII, com uma enorme confusão de pernas no meio daquilo tudo. Também sou bastante ignorante em outras matérias que deliciarão colegas meus/minhas, enquanto gosto muito do que para eles não tem grande interesse (andei anos a contar – literalmente – navios e depois outros anos a passar capa a capa, revistas para ver quantas e quais mulheres apareciam na imprensa de outrora).
Mas o gosto pela leitura é algo transversal e, ouso mesmo dizer, estrutural para quem goste de aprender/ensinar. Até se poderá dizer que não gostam de ler livros, que preferem os “zingarelhos”. Mas que não se é leitor@, mas se gosta de ter livros em casa pelas estantes é de uma enorme indigência e dificilmente a Bárbara estará de acordo.
Podemos discordar do que achamos ser uma reacção de “turba”, mas isso não significa que legitimemos aquilo que a motivou.
Nem que ignoremos os apoios que a professora Isa despertou, entre “altas instâncias” ou vários sectores das tais “redes sociais”. Não é só ela que não gosta de ler. Acredito que seja uma razoável maioria, porque nas livrarias somos quase sempre os mesmos. Há muito mais gente que se orgulha do sunset ou da chinelinha na areia. Ou em “correr mundo” e tirar selfies. As redes sociais têm muito mais disso do que recensões críticas ou comentários ao Tolstoi, ao Coetzee, ao Roth ou mesmo ao Sá de Miranda.
As “redes sociais” dificilmente se podem considerar uma coutada de impenitentes bibliófilos, elitistas e intolerantes.
Penso eu de que.
E É Isto…
Já se percebeu que o “Perfil do Docente à Entrada da Carreira Horizontal no Ensino Público” (ou privado amigo) deve ser assim: muita animação inconsequente com agitação de mãos e braços para chamar a atenção, pouco peso de saberes académicos ultrapassados que só atrapalham a comunicação e esforçam as mentes, disponibilidade para ir a programas de grande audiência em que se tenta acertar o preço do detergente multiusos, uma filiação expressa nos ideais do MEM (mesmo que não se saiba explicá-los para além da caricatura que faria corar de vergonha os fundadores), uma adesão acrítica a qualquer recomendação da tutela, mesmo que contraditória em relação à última e à seguinte, um “dispositivo” tecnológico (ou mesmo dois) para ir em busca de qualquer tema com base no algoritmo do google (que o do bing deixa um bocado a desejar), um entusiasmo sem limites pelas “plataformas” e “ferramentas” do “novo paradigma”.
É isto que se procura.
Para facilitar, no próximo ano lectivo, talvez pela primeira vez de forma explícita, muit@s professor@s serão activamente empurrad@s para baixas médicas, mal digam que têm qualquer factor de risco ou familiares nessa situação. Pelo que se percebeu, a ideia é afastar o maior número de docentes com receio de contágio para a situação de atestado, enquanto se promete vagamente pela enésima vez, que poderá existir um regime antecipado de reformas que apenas levará um mínimo de 50% do rendimento liquido.
Parece que é esta a abordagem “humanista” da Educação, defendida por gente de conversa mole, em que as imprecisões ou formulações vagas são cuidadosamente programadas e e em que o “não há alternativa” recupera um chavão dos tempos da troika. São estas pessoas que precisam de uma classe docente ainda mais esvaziada de um saber profissional próprio que exceda umas teorias pedagógicas sabidas em tópicos, porque ler em extensão cansa, mesmo com um kindle. São pessoas que criticam a formação de professores depois de estarem décadas a formar professores ou afirmam ser necessário mudar a formação contínua depois de anos e anos a fazer parte da sua estrutura e a ganhar bastante com isso. Pregam a tolerância, mas não perdem tempo a vitimizar-se perante qualquer crítica e a, pela sombra, lançar suspeitas terríveis sobre quem desalinhe do diktat situacionista.
Nada disto é novo e talvez seja isso que enjoa ou enoja mais.
Claro que o tal ensino privado que se demoniza por estar no top dos rankings agradece, aplaude discretamente e factura de forma abundante junto de todos aqueles que percebem que a promoção das professorasisas (mesmo sendo do privado) ou dos professoresdopreçocerto (por pessoalmente simpáticos que sejam e muito pressionados pelas suas direcções) são óptimos para o seu negócio.
Pessimista? Catastrofista?
Nem por isso. Apenas consciente de que há muita gente cheia de bons princípios da boca para fora e imensa caridade impingida aos outros que são os piores para combater a desigualdade e acabam, na sua acção coitadinhista, por manter o status quo ou ainda agravar mais os vícios do sistema.
(perguntem-lhes onde os seus filhos estudam ou que cursos seguiram… se foram para vias profissionais… etc, etc… perceberão logo que, na essência, o mundo que existe é aquele que querem que continue a existir, fingindo que elevar a base equivale a aproximá-la do topo…)