Quando Se Remete Para Legislação Que Não Se Aplica (Ou Em Regra Se Aplica De Outra Forma)

Sobre o caso daqueles alunos de Famalicão que acabaram retidos por despacho, por não frequentarem Cidadania e Desenvolvimento, não me interessa o mergulho no debate ideológico sobre os conteúdos. Interessa-me mais a hipocrisia enorme que rodeia o caso do ponto de vista “administrativo” ou “legal”, pois todos conhecemos todos os anos muitos casos (e dezenas ou mesmo centenas ao longo da carreira) de alunos que transitaram com excesso de faltas injustificadas.

De acordo com as notícias mais recentes, leio algo que me deixa abismado:

Nesse despacho de 16 de janeiro, João Costa referia que “atento o percurso escolar dos alunos, poderá escola aferir se a situação dos mesmos se poderá enquadrar numa das hipóteses previstas na Portaria 223A/2018, de 3 de agosto, em particular no art.º 33.º, que regula os casos especiais de progressão, evitando-se assim, que os alunos em causa fiquem prejudicados pelas consequências de uma atuação que, enquanto menores lhes foi imposta.” Ou seja: poderiam prosseguir os seus estudos desde que cumprido um plano de recuperação. 

Ora bem… o artigo 33º da portaria em causa não tem qualquer aplicação no caso em apreço, pois o que lá vem é o seguinte:

Artigo 33.º

Casos especiais de progressão

1 – Um aluno que revele capacidade de aprendizagem excecional e um adequado grau de maturidade poderá progredir mais rapidamente no ensino básico, através de uma das seguintes hipóteses ou de ambas:

a) Concluir o 1.º ciclo com 9 anos de idade, completados até 31 de dezembro do ano respetivo, podendo completar o 1.º ciclo em três anos;

b) Transitar de ano de escolaridade antes do final do ano letivo, uma única vez, ao longo dos 2.º e 3.º ciclos.

2 – Um aluno retido num dos anos não terminais de ciclo que demonstre ter desenvolvido as aprendizagens definidas para o final do respetivo ciclo poderá concluí-lo nos anos previstos para a sua duração, através de uma progressão mais rápida, nos anos letivos subsequentes à retenção.

3 – Os casos especiais de progressão previstos nos números anteriores dependem de deliberação do conselho pedagógico, sob proposta do professor titular de turma ou do conselho de turma, baseada em registos de avaliação e de parecer de equipa multidisciplinar de apoio à educação inclusiva, no caso das situações previstas no n.º 1, depois de obtida a concordância do encarregado de educação.

4 – A deliberação decorrente do previsto nos números anteriores não prejudica o cumprimento dos restantes requisitos legalmente exigidos para a progressão de ciclo.

A questão do “plano de recuperação” não vem aqui, mas sim no âmbito das medidas previstas no artigo anterior que até indica a transição como regra, em especial se o Conselho de Turma considerar que o aluno reúne condições para tal, em função das aprendizagens realizadas:

Artigo 32.º

Condições de transição e de aprovação

1 – A avaliação sumativa dá origem a uma tomada de decisão sobre a progressão ou a retenção do aluno, expressa através das menções, respetivamente, de Transitou ou de Não Transitou, no final de cada ano, e de Aprovado ou de Não Aprovado, no final de cada ciclo.

2 – A decisão de transição para o ano de escolaridade seguinte reveste caráter pedagógico, sendo a retenção considerada excecional.

3 – A decisão de retenção só pode ser tomada após um acompanhamento pedagógico do aluno, em que foram traçadas e aplicadas medidas de apoio face às dificuldades detetadas.

4 – Há lugar à retenção dos alunos a quem tenha sido aplicado o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro.

5 – A decisão de transição e de aprovação, em cada ano de escolaridade, é tomada sempre que o professor titular de turma, no 1.º ciclo, ou o conselho de turma, nos 2.º e 3.º ciclos, considerem que o aluno demonstra ter adquirido os conhecimentos e desenvolvido as capacidades e atitudes para prosseguir com sucesso os seus estudos, sem prejuízo do número seguinte.

A remissão para a Lei 51/2012 (Estatuto do Aluno e da Ética Escolar) tem o seu sentido, porque é por lá que se define o que são faltas injustificadas, como se deve proceder quando ocorrem e as suas eventuais consequências (artigos 17º a 21º).

Em suma, se os alunos tivessem faltado à fartazana a Ciências ou História, com altas notas ao resto, teriam passado sem chatices. Como foi na disciplina querida do regime, lixaram-se por causa da teimosia dos adultos envolvidos. Mesmo se em Tribunal são capazes de verem a sua situação ser mudada. Basta o encarregado de educação (apesar das restrições que agora existem) ter acesso a casos de alunos que transitaram com excesso de faltas injustificadas, até na mesma escola. O que, como já escrevi, não é nenhuma coisa rara.

Justiça

(e resta saber quem, dentro da escola, foi o rastilho para tudo isto… porque não chegaria onde chegou sem “queixa” ou “denúncia”…)

As Coisas Não Estão A Correr Muito Bem

 

Coronavirus live news: France cases rise by 54% in a week; Vietnam records first Covid-19 death