Uma Carta Aberta (Mas Quem Não Quer Saber É Como Quem Não Lê, Mesmo Que Leia)

Publicada conforme original, enviado por autor devidamente identificado.

CARTA ABERTA

Caríssimos Ministro da Educação, Secretário de Estado da Educação e Presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas,

Senhora Ministra da Saúde, Senhora Diretora da DGS,

Senhoras(es) governantes e senhoras (es) diretores,

     Como V. Excelências bem sabem, as Escolas são bússolas e pilares da transmissão do saber científico, seja ele ligado à Saúde, à Matemática, à Química, à História, à Cidadania e Desenvolvimento, et cetera.

     Vem esta introdução, a propósito da surto pandémico do coronavírus e da doença a ele associado, a COVID-19.

     A ciência médica já produziu regras e elaborou aconselhamentos, a propósito da maneira de evitarmos os contágios e diminuirmos os infetados. Recorro agora a uma grande sumidade na matéria, o Doutor Anthony Fauci, 69 anos, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infetocontagiosas dos EUA, tendo trabalhado com os presidentes republicanos Ronald Reagan, George Bush (pai) e George W. Bush (filho) e com os democratas Clinton e Obama. Este célebre imunologista mundial, é defensor do distanciamento social e diz também, que em circunstância alguma, devem estar reunidas mais de dez (10) pessoas!

     Pergunto: como é que isto é possível de executar em turmas aprovadas pelas Direções Regionais (A DGEstE) ou pelos seus delegados regionais, onde existem 22, 25 ou 28 alunos, mais o/a professor(a)?

     Pergunto também: quantos milhares de assistentes operacionais vão ser admitidos nas escolas até ao dia 10 de setembro? Sim, porque, quando uma turma saí de um espaço é preciso desinfetar cadeira, mesas, chão, vidros, paredes, quadros, et cetera!

     Pergunto ainda, como praticar Educação Física, sem máscara, sabendo que para além do contacto físico inevitável, o maldito vírus também se transmite pela roupa!

    Mais uma pergunta: quantas máscaras têm direito os alunos por período? Só 3?! E quantos litros de “gel desinfetante” tem direito cada Escola/Agrupamento? Qual o “rácio”?

     Os alunos, os professores e os auxiliares não são robots e “sem ovos não se fazem omeletes”.

     Se recuarmos e quisermos aprender alguma coisa com a História, podemos e devemos estudar a “Pneumónica” ou a “Gripe Espanhola”, que teve três (3) vagas sucessivas, desde a primavera de 1918 a 1919. Tal surto epidémico, na altura matou 117 764 humanos, sendo dois deles, os pastorinhos de Fátima, os pintores Amadeo de Souza-Cardoso, Guilherme Santa-Rita, etc.

     Sinto-me desautorizado e desrespeitado pelo Governo do meu país, quando em Cidadania e Desenvolvimento, abordámos no tema da Saúde, o coronavírus e a COVID-19: Refletimos e passamos a mensagem aos nossos alunos que a distância social ideal entre 2 ou 3 indivíduos ou mais, são 2 metros! Agora, quando regressarmos à escola, não vamos ter essa distância em todas as salas!

     Mas, nós, educadores e formadores, perante uma pergunta dos alunos, “Ó professor, aquilo que você nos ensinou há uns meses, não se está a verificar?!

     Vamos ficar sem resposta, e sem autoridade moral para aconselhar e escrever “medidas preventivas”. A tutela “desacreditam-nos”! Os alunos começam cedo a intuir e a percecionar, que os professores dizem uma coisa, mas na prática é outra!

Os dinheiros de Bruxelas, a tal “Bazuca”, ou um empréstimo feito à pressa, não dará para proporcionar o cumprimento das regras de segurança, defendidos por Anthony Faucci?!

Mal de um país que não respeita os conselhos de imunologistas do gabarito de Anthony Fauci, e não protege integralmente os seus alunos, o futuro desta nação!

Não dá para ir buscar dinheiro imediato ao poço do “Novo Banco” ou das Offshores?

Agradeço redobradamente que me respondam através do Blog O Meu Quintal!

Com os melhores cumprimentos

O professor,

JS

 

Se Bem Percebo…

… há quem nem tenha considerado a possibilidade destas circunstâncias anómalas justificarem um aligeiramento dos procedimentos burrocráticos. Pelo contrário, parece motivo para toda uma nova batelada de documentação a preencher por causa da “recuperação das aprendizagens” e outras coisas assim. Tudo bem registadinho em papel e em digital, só faltando ser em 25 linhas e com assinatura daquelas com chip.

Já Chegou Tirarem Horas A História…

… não a metam agora ao barulho por causa da Cidadania. Porque há gente, incluindo da área da História e com alguma notoriedade, a justificar ou criticar a necessidade de abordar alguns temas relativos à Cidadania porque na dita História existem conteúdos abordados de forma “ideológica”. Uns criticam o programa por não denunciar aos berros o colonialismo quando se aborda a Expansão Portuguesa, enquanto outros consideram que existe uma distorção na forma como se analisam as ditaduras e totalitarismos do século XX, seguindo-se uma linha alegadamente “esquerdizante”.

Isto irrita-me mais do que devia porque volta a existir uma imensa ignorância (ou má fé pura e dura) no meio de muita presunção e arrogância argumentativa. E irrita tanto mais quando leio historiadores (ou serão “historiadores”?) a defender abordagens perfeitamente anacrónicas de algumas questões.

A questão do colonialismo e escravatura é recorrente nos últimos anos, como se fosse essencial que, por exemplo, a propósito da exploração da costa africana, da abertura da rota do Cabo ou do descobrimento (na perspectiva europeia, claro, que as populações indígenas já sabiam que existia, eu sei) do Brasil, fosse obrigatório qualificar o Gil Eanes, Diogo Cão, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama ou Pedro Álvares Cabral como exemplos maior do colonialismo eurocêntrico, mas se apagassem as práticas de esclavagismo e dominação existentes fora da Europa, antes da chegada dos portugueses. A verdade é que esses temas são tratados e não escondidos, salvo em casos residuais que ainda considerem que a História está ao nível dos manuais patrióticos dos anos 20, 40 ou 60 do século XX. O mais curioso é que há gente de “esquerda” que muita clama a este respeito, mas depois oculta o colonialismo e racismo evidente de alguns vultos da história política da esquerda portuguesa, a começar por muitas personalidades do republicanismo.

Por acaso, até sou dos que gosta de destacar que nos princípios originais do liberalismo ocidental existe uma enorme carga de preconceito racial, social e de género, não se devendo esquecer que não são poucos os casos de defensores da “igualdade” e do princípio de que  “homens nascem todos iguais” que eram esclavagistas ou, no mínimo, não se incomodavam nada com a existência da escravatura ou a exclusão do direito à cidadania de mulheres ou indivíduos sem rendimentos suficientes para pagar impostos. O que eu gostava mesmo era que se usassem padrões coerentes para se abordarem todas estas questões e, por exemplo, se apresentassem as fortes críticas de Tocqueville à existência da escravatura nos estados do sul da jovem democracia liberal americana. Ou que se destacasse a ausência de preocupações nessa matéria por parte da maioria dos líderes revolucionários franceses de 1789.

Um dos erros mais básicos no tratamento dos temas históricos é retirá-los do seu contexto, olhando-os a partir dos valores do nosso tempo. Sócrates, Platão e Aristóteles defendiam um modelo de sociedade que hoje consideraríamos profundamente misógino e a própria democracia ateniense estava longe de o ser de acordo com os nossos padrões. Deveremos defenestrá-los da História da Filosofia e desfigurar as suas representações artísticas.

Voltaire defendeu de forma repetida (do Traité de Métaphysique ao Essai sur les mœurs et l’esprit des nations) teses poligenistas sobre a origem das raças, justificando as suas diferenças e mesmo uma natural hierarquização entre elas, em que os Brancos se revelavam superiores a todos os outros. Era racista? A bem dizer… sim! O que fazemos? Degolamos as suas estátuas e esquecemos tudo o resto?

A Europa deve muita da sua liberdade e do combate contra o imperialismo nazi a Churchill, um impenitente colonialista durante as primeiras décadas do século XX.

Mais valia que muita gente defendesse que a disciplina de História não fosse leccionada a galope, depois de ver retalhada a sua carga horária, com a justificação de que os seus conteúdos são chatos e pouco apelativos, a menos que sejam abordados da maneira “certa”, em outra disciplina. Polemizem sobre a Cidadania, mas não metam a História ao barulho, de forma ignorante, truncada e pelas piores razões. Ouvir relativizadores do papel da Inquisição ou das técnicas de tortura do pós 11 de Setembro armados ao pingarelho, a criticar a intransigência alheia ou adeptos da revolução cultural chinesa a criticar os atentados aos direitos humanos no século XV está para além dos limites de qualquer Comédia Humana.