A Grande Confraria Da Educação

Quem os ouve ou vê pensa que são inimigos figadais ou pelo menos gástricos. Mas, salvo excepções mesmo excepcionais, tod@s são “amigos” ou assim se afirmam publicamente, quando se encontram e pretendem manter a imagem. Até se podem, em ambiente familiar muito familiar, tratar-se de sacanas e fdp para baixo, mas para fora todos se “respeitam”, por muito que digam o pior das opções alheias, porque, afinal, tod@s tiveram a (má) sorte de terem passado pela 5 de Outubro e “sofrido” todas as provações que o lugar pelo qual tanto lutaram lhes impôs. Ou porque pertencem à mesma geração, ou porque até estudaram nas vizinhanças ou porque se encontraram aqui e ali. E tentam que o círculo de amizades se estenda para poderem garantir a cooptação de quem não faça ondas. A é amigo de B que é amiga de C que é amigo de D, logo D é amigo de B e A de C, mesmo antes de se conhecerem pessoalmente, se necessário for.

Há dias lia um actual governante a descrever um debate público com um ex-governante acerca da polémica da Cidadania, sobre a qual, à superfície, têm opiniões claramente divergentes. Mas, escrevia o actual… tudo tinha decorrido “entre amigos que se respeitam”, o que para um linguista me parece redundância pobre, pois, pensava eu, para se se considerar alguém nosso “amigo” é porque nos respeitamos. “Amigos que não se respeitam” parece-me evidente oxímoro. Pelo que a expressão, em pessoa tão calculista na projecção pública da sua imagem, só pode ter aquele objectivo de demonstrar que “discordamos, mas somos amigos” e que tudo decorreu com imenso respeitinho pelas regras do jogo, ou seja, do não-debate, em que se concorda que nada foge ao figurino da esgrima com florete com bolinha de borracha na ponta.

Eu não discordo de debates entre antagonistas que se “respeitem”, agora sermos tod@s amig@s é que me mete muita impressão, até porque em busca de outras amizades já se lhes ouviu muita coisa. E sabe-se o que gostam de espalhar de forma escassamente subtil.

O pior que poderia acontecer para certas figuras engomadas era serem confrontadas com algum argumento desrespeitoso – leia-se “incómodo” ou “inesperado” ou “fora do guião”, acertado previamente modo formal ou informal- e ver-se atrapalhado para responder. Assim é melhor: to@s são amig@s que se respeitam mutuamente. E quem desalinhar é porque come com os cotovelos dentro do prato e espirra para os calcanhares.

Evitam-se chatices e, mesmo quando se “debate” como mudar as coisas, o que se pretende é que o essencial se mantenha, a bem da confraria.

Tempos Estranhos

Os defensores da Verdade absoluta a tornarem-se relativistas e os arautos da tolerância a revelarem a maior das intolerâncias.

Quando os tempos ficam difíceis, o verniz estala e percebe-se que há muito poucas verdadeiras diferenças entre as cliques em disputa. Apenas interesses e estratégias divergentes para manter os poderes.

Ter Ou Não Ter Medo, É Essa A Questão?

Não me parece que o “medo” do vírus seja o medo que mais tolhe a sociedade neste momento, a sério que não. Por estranho que pareça, acho que o maior medo é o dos governantes (e alguns outros políticos) de ficarem expostos às consequências dos seus erros de avaliação, entre o cálculo político e aquilo que deve ser feito, independentemente de ganhos/perdas nas eleições. Há quem chute para o lado (Rui Rio a querer “deslocalizar” o Tribunal Constitucional é daquelas questões típicas de quem está para além de Plutão) e há quem venda o “medo” da paragem da economia.

E se querem que vos diga . em especial aos teorizadores do “medo do vírus” – que o discurso do “medo da economia parar” tem sido uma narrativa bem mais poderosa e espalhada de forma deliberada. Aliás, o grande problema é o efeito dessa narrativa nas pessoas (e até o notei nos alunos, no fim do ano lectivo passado) que passam a ter mais medo (bem real) de perderem o emprego, rendimentos, a sua estabilidade profissional e financeira do que medo de serem contagiados, em especial quando se sentem num grupo de baixo risco. E passam a esquecer que não é só o “eu” que está em causa.

Não me sinto particularmente receoso de contrair o vírus. Mas receio ser agente da sua transmissão, mesmo se não frequento lares de idosos, onde os seus efeitos da covid-19 são mais devastadores. Mas percebo que há quem não pense assim.

“É pá, em seis meses morreram menos de 2000 pessoas, quase tudo velhos, é assim tão grave?” é o subtexto inicial que desagua no discurso do “medo da economia parar”. O “risco” de morrerem mais umas centenas de velhotes é considerado aceitável perante as imposições da economia que não pode parar.

Claro, os “especialistas” dirão que sem a economia funcionar todos ficaremos sem emprego e tudo irá à falência e esse é um fortíssimo “discurso de medo”, mas o curioso é que há tanto nas ciências ocultas da economia que não passa de uma representação estatística da realidade. Mas é com esse discurso que se diz que 1) todos temos de ir trabalhar; 2) as escolas não podem fechar para todos irem trabalhar; 3) o risco de transmissão entre crianças e jovens é muito baixo; 4) o “risco” de morbilidade é baixo para a maioria da população, mesmo contagiada.

E eu acho que é verdade… que há efectivamente um “discurso do medo” em torno do SARS-CoV-2, mas é o “medo da economia parar” apoiado em algumas falácias e muita “ciência” económica. O meu carro quando pára, pára, não pára 10% ou mesmo 15%. Nesse caso, desacelera e nem sempre é por más razões. Pode ser para evitar um acidente.

A analogia pode não ser a melhor, mas penso que dá para perceber que o discurso do medo mais actuante há longas semanas é o do medo económico, o do medo do desemprego, da perda de direitos laborais. Um medo que se afirma só ser possível combater indo trabalhar, deixando os filhos na escola e cruzando os dedos com os avós nos lares. Indo trabalhar, nem sempre com as condições adequadas de segurança e a informação completa sobre o que pode acontecer depois, especialmente em ambientes onde passou a dominar a crença do “tudo vai acabar bem”, eu vou escapar.

Sim, existe um fortíssimo “discurso do medo”. Que não tolhe os movimentos, mas qualquer contestação, que é apresentada como “irrealista”. E não é em primeiro lugar contra os críticos do uso da máscara, porque esses também apostam no medo desse mesmo uso, das suas consequências sanitárias, sociais e políticas.  

A estes discursos do medo juntam outros “medos” mais ou menos artificiais em torno do “estado mental” das crianças ou adultos que usem a máscara durante muito tempo. Esquecendo-se que em muitas partes do mundo o seu uso já é obrigatório por causa da poluição atmosférica.

Do outro lado, apontam-se os “traumas” de quem não possam sair de dia todos os dias e socializar. E eu lembro-me do que era crescer em tempos durante os quais havia um ou dois canais de televisão, net nem imaginá-la e sair de casa para passear era evento semanal ou mensal para a maioria das famílias. Será por isso, que agora temos por aí tanta gente traumatizada por ficar uns meses com “socialização limitada”? Que raio de “resiliência” tem quem não aguenta uns meses de mobilidade e sociabilidade presencial reduzida?

Repito-me… o “discurso do medo” está aí e em força, Mas não é o “medo do vírus” e, curiosamente, acho que muitos “negacionistas” estão a ler a situação toda pelo lado errado. A máscara e o distanciamento não são estratégias de “medo”, mas, ao contrário, de transmissão de uma sensação de segurança. Para que todos possam manter a economia a funcionar.

A questão sanitária tornou-se subsidiária da económica e política. O medo dos políticos serem descobertos na sua pequenez calculista, motiva o discurso do medo económico que se sobrepõe ao medo de qualquer contágio pelo vírus. E esse discurso vai-se entranhando e cada vez se nota mais nas reacções quotidianas das pessoas.

O número de óbitos por covid-19 passou a ser relativizado tanto pelos que acham que não é verdadeiro, como pelos que acham que é um sacrifício aceitável perante as “consequências devastadoras da paragem da economia”. Para mais, até parece que quase só morrem os velhos, não é?