(entretanto, queria só dizer que andei a libertar comentários que ficaram no spam ou à espera de aprovação por qualquer estranho capricho do wpress…)
Dia: 10 de Outubro, 2020
O Miguelito Continua A Ler Pouco E Mal
O escriba-mor do reino balsemânico parece que anda a reclamar para si a enorme qualidade de ter sido um dos primeiros – e certamente o primeiro entre este país de idiotas – a alertar para os perigos das redes sociais em termos políticos e de “canalhice humana”. Ora bem… sobre “canalhice humana” muito haveria a escrever, mas não gostaria de entrar pelo mesmo nível de argumentação.
Foquemo-nos apenas em dois pontos.
1) O “populismo” ou o que agora passa por isso precedeu em muito o aparecimento das redes sociais, embora não tanto dos meios de comunicação de massas. Em cada momento, os líderes carismáticos populistas lançaram mão dos meios ao seu dispor para comunicarem com sucesso com o seu eleitorado potencial. Mussolini não precisou do Twitter e o Hitler talvez fosse pouco hábil se tivesse acesso ao WhatsApp. Penso mesmo que Salazar (ditador, mas apenas populista q.b.) teria igual nojo ao que MST sente em relação ao Facebook. E o que dizer de outros populistas já mais nossos contemporâneos? O pai Le Pen tornou-se “popular” antes do velhinho Hi5 e chegou à segunda volta das presidenciais em França ainda o Instagram vinha quase a uma década de distância. Quando o Berlusconi chegou a primeiro-ministro de Itália a Internet ainda era uma palavra globalmente desconhecida. Jorg Haider assustou muito antes de haver Snapchat e os irmãos Kaczyński chegaram ao estrelato político antes do You Tube ser criado. E no Brasil, antes de Bolsonaro tivemos Collor de Melo. À esquerda, o populista Hugo Chávez chegou ao poder ainda no século XX. Todos eles usaram meios de comunicação de massas para se promoverem, chegarem ao eleitorado e transmitirem a sua mensagem. Não precisaram de redes sociais. O “populismo” é uma forma e um conteúdo que se aproveita dos “meios” disponíveis em cada momento. Anteontem, microfones, rádio, cartazes e filmes; ontem, a televisão; hoje, redes sociais; amanhã… o que existir. Sobre a ascensão e raízes menos superficiais dos nacionalismos populistas fica aqui uma sugestão que já fiz há uns tempos e que até parece já ter tradução nacional. Evita algumas leituras/análises que vão para lá do simplismo e entram de forma decisiva pelo simplório.
(quanto a boatos e coisas falsas… ainda me lembro de algumas… sobre os professores… e quanto receberiam por classificar exames… e não foi em redes sociais…)
2) Trump não é um produto das redes sociais. É um produto de uma insatisfação socialmente localizável com a forma de governação actual de algumas democracias liberais “avançadas” e com a evolução da sociedade americana no sentido de uma maior diversidade étnica. Trump era mal educado muito antes de existirem redes sociais. Aconselho a audição de intervenções dele na rádio ao longo dos tempos, em especial quando provocado pelo Howard Stern (este é um dos casos), como este explica. A sua misoginia ou sexismo, a sua forma de estar abrutalhada, o seu culto do sucesso a qualquer custo precedem em muito as suas tuítadas. Se permitiu amplificá-las? Sim, mas não mudou a sua substância ou, sequer, o seu carácter apelativo para uma massa do eleitorado que ele mobilizou especialmente com a sua própria presença. Mesmo por estes dias, insiste em retomar comícios presenciais e em recusar debates virtuais, apesar de transmissíveis ou multiplicáveis nas redes sociais. E se é verdade que existem claras provas da influência das redes sociais em campanhas contra os seus adversários políticos, dificilmente ele teria sucesso se não conseguisse estabelecer uma relação “pessoal” com a sua base de apoio, claramente menos sofisticada em alguns dos seus núcleos duros (brancos, de meia idade ou mais, do interior dos E.U.A., com menos formação académica e profissões com alguma qualificação, mas ameaçadas pelos efeitos da globalização) em termos digitais do que o eleitorado de outros candidatos. E em relação ao uso das redes sociais, um dos precursores nas campanhas presidenciais (Howard Dean, que também falava em “recuperar a América para os americanos comuns”) caiu em desgraça exactamente quando elas amplificarem o seu famoso “grito” em 2004. Portanto… as redes sociais têm lados muito maus, mas não são as primeiras responsáveis pelas derivas populistas e o seu sucesso.
Há muito tempo que o escriba-mor do universo mediático balsemânico (excepto quando a TVI lhe acenou com mais dinheirinho) se informa pouco sobre o que escreve e gosta de confirmar as suas próprias “profecias”, ignorando quem demonstrou o contrário. Que, em dado momento, escreva umas coisas que soam bem e parecem certas é como os relógios parados que acertam na hora duas vezes por dia.
A Desconfiança
Já escrevi várias vezes sobre a importância da credibilidade e da necessidade de confiança em quem governa ou em que surge publicamente a prestar “informações” ou a fazer “recomendações”. Seja na questão pandémica, seja nas suas ramificações, por exemplo, nas escolas.
A confiança perde-se quando as cabeças falantes dizem agora uma coisa e depois outra, sem explicarem claramente o porquê ou admitirem que antes erraram ou divulgaram conselhos que já então sabiam não ser os mais ajustados. Ou quando nos estão a tentar convencer que aquilo que estamos a ver não é o que estamos a ver. Ou que só sabemos o que nos rodeia e eles é que sabem tudo. Os últimos meses foram de comunicação política eficaz no curto prazo, mas algo desastrosa numa perspectiva menos míope.
Não é de espantar que os indicadores de confiança na resposta à pandemia estejam em acelerada erosão. Da senhora da DGS ao PR, passando por todo um leque de personagens mais ou menos secundárias, já tudo foi dito e o seu contrário também, mais umas posições intermédias. Se em alguns casos isso resultou do avanço dos nossos conhecimentos, em muitos outros dá para perceber que foram apenas umas mangueiradas para tentar apagar fogos que, percebia-se, mais tarde ou mais cedo reacenderia.
Lamentável é que muita gente ainda reaja a estas coisas com base na cor da camisola, como a sondagem revela. Porque há mesmo quem tenha abdicado de pensar por si mesmo, preferindo ser encaminhado pelos pastores do rebanho a que aderiram há muito, como se fosse traição imensa o que apenas revela alguma inteligência, ou seja, perceber que sobre a pandemia tem predominado a “comunicação política”. Muita dela desastrada, incoerente e, principalmente, desajustada, por pensar apenas no prazo curto. A verdade é que se está a perceber que a abordagem casuística não chega. Que apelar nuns dias à precaução, enquanto nos outros se trata como se fosse cobardia quem se quer precaver ou se tomam medidas que dificultam qualquer precaução mínima, é meio caminho andado para se perder a credibilidade e, mais grave, deixar grande parte da população desorientada ou mal orientada.
Vamos atravessar um período pior do que o vivido entre Março e Maio. Não adianta muito lançar às 2ªs, 4ªs e 6ªs apelos à “responsabilidade” e agir nos restantes dias de forma irresponsável. Ou tentar ocultar ou manipular informação. Ou estarem mais preocupados na forma como se vão alambazar com os milhares de milhões da bazuca do que no que podem fazer de útil com eles, para além de estudos de opinião, consultorias ou campanhas de comunicação.
É muito dinheiro, mais uma vez, para ser encaminhado para as escápulas do costume. Tudo se parece encaminhar para mais uma festança à tripa-forra dos cortesãos ou eminências pardas do regime, enquanto se minguam os “gastos” com despesas mais do que justificáveis. Ou se atrasam pagamentos com base em procedimentos que o povinho tem muita dificuldade em seguir sem ter quem “interceder”, cobrando avultada comissão. Se o dinheiro é para responder aos efeitos da pandemia, não é para meter nos bolsos, novamente, de escritórios de advogados, consultoras ou empresas criadas de propósito para o efeito, com as conexões certas e o recrutamento adequado do pessoal a ser pago.
É que já vimos este filme muitas vezes. O que admira é que ainda reste alguma confiança, sem ser nos que já estão com a conta aberta para as transferências, enquanto a maioria está de mão estendida.
As Bolhas Familiares
Dizem agora que 67% dos surtos activos resultam de “convívios familiares”. Ora, em todas as aulas, reúnem-se na minha sala quase de 30 elementos de quase 30 dessas bolhas. E cruza-se os dedos e canta-se aquela música que esteve muito em voga no Verão.
Já agora, até para não ter de fazer outro post, quando nas conferências de imprensa estamos a ouvir falar a directora-geral da Saúde, o secretário de Estado ou a ministra da Saúde, é bom que se perceba que estão ali como pessoal político ou de confiança política, não na qualidade de “especialistas”, cientistas ou médic@s. Aquilo tem números, até pode ter gráficos e uma conversa com ar de neutralidade objectiva, mas são meras sessões de comunicação política e não “científica”.