E Não É Que Se Confirma?

O que escrevi aqui, faz amanhã um mês, sobre o Plano de Capacitação Digital dos Docentes, incluindo o anexo com o questionário para determinar o “nível de proficiência digital” do pessoal? Era até 7 de Janeiro que tudo devia estar pronto ao nível dos Centros de Formação. É só aguardarem e receberão – se ainda não receberam – a respectiva comunicação sobre o tema, sendo que vamos ganhar mais dois acrónimos para a colecção: EDD (Equipas de Desenvolvimento Digital) e PADDE (Planos de Ação para o Desenvolvimento Digital das Escolas). Há muito dinheiro para a formação (deve ser uma parte dos tais 400 milhões), pelos que as “oficinas” (creditadas) até serão gratuitas e anunciam-se “equipamento individual” e “garantia de conectividade móvel gratuita” para professores e alunos.

Afinal, até parece que, mesmo sem acesso privilegiado à Corte, não ando para aqui a enganar ninguém.

Um Concurso À Portuguesa

Isto desperta-me memórias de idos dos anos 90, ainda a década ia na sua primeira metade. Há muitos, mas mesmo muitos anos, entrei num “concurso” para um lugar numa instituição pública (fiquemo-nos assim) em que se passou exactamente isto. Fiquei em 2º lugar, depois dos “critérios” serem “ajustados” (e ainda há pouco tempo me lembrei da pseudo-entrevista feita aos vários candidatos) e comunicados só depois de apresentadas as candidaturas. O concurso acabou anulado, porque outras pessoas não alinharam na palhaçada. No meu caso, se não me querem num dado lugar, não insisto e vou dar uma volta. Até porque sei que acabam quase sempre por arranjar um subterfúgio para meter a pessoa “certa” no lugar destinado.

Júri nacional de procurador europeu decidiu valor dos critérios depois de saber quem eram os candidatos

(será que o “escolhido” terá a falta de vergonha de aceitar a nomeação feita desta forma? é bem verdade que os tempos andam para todo o tipo de gente assim… ou melhor… nada mudou excepto o facto do PCP ter deixado de pedir a demissão seja de quem for…)

Decisão De Ano Velho

Já estava tomada, até por causa dos prazos envolvidos, mas senti que ficava um pouquinho mais legitimada com esta absoluta falta de vergonha a envolver a nomeação para um dos belos tachos na burocracia europeia de mais um boy do regime, daqueles cinzentos, que ninguém conhece, até chegar à tona com currículo inventado à engenheiro, à relvas, à tantos outros, desde o plano local ao global, que até custa pensar em fazer lista só dos conhecidos.

Resumindo: indeferido o pedido de escusa de inclusão na bolsa de avaliadores externos pelo excelentíssimo senhor sub-director geral da Administração Escolar com justificação jurídica que não passa de puro gozo, pois remete para legislação que não diz de maneira nenhuma o que dão a entender, pus-me a pensar se valeria mesmo a pena fazer um recurso hierárquico da decisão para o ilustríssimo senhor secretário de Estado. Claro que – mesmo que transcrevesse de forma extensa a legislação que “fundamenta” o referido indeferimento, demonstrando a completa falta de pudor – novo indeferimento estaria garantido, tendo eu apenas de pesar se o gozo de fazer prosa jocosa compensaria a perda de tempo.

Foi então que realmente me surgiu o argumento maior contra submeter um aspecto da minha vida profissional à decisão. nem que seja apenas por assinatura, de alguém que considero politicamente oportunista (o Tiago que se chegue â frente que os bastidores são dele), intelectualmente desonesto (basta comparar, para não ir mais longe, a forma como reagiu ao sucesso nos PISA 2015 com o insucesso nos TIMMS 2019) e juridicamente manhoso (achemos o que acharmos da posição do encarregado de educação em causa, o despacho sobre os dois alunos que não frequentaram a disciplina de Cidadania é uma vergonha, remetendo para articulado não aplicável ao caso concreto). Sim, porque passou a acumular também esta área da governação que antes pertencia à colega Leitão, pois as mais recentes secretárias não passam de advérbios de pouco encher.

Quero eu ter um despacho do magnífico secretário de Estado a confirmar o despacho anterior do digníssimo sub-director geral? Não foi já suficientemente mau ter de ler um despacho de alguém com a estatura e o currículo de um licenciado César Israel Mendes de Sousa Paulo a indeferir um pedido formulado de modo correcto e juridicamente sério? Estarei eu para ver isso confirmado pelo catedrático secretário João Miguel Marques da Costa, com justificação jurídica automática fornecida por uma técnica superior sem qualquer autonomia que não fazer o que lhe mandam e como lhe mandam?

Não, não me apetece voltar a ser amesquinhado desse modo. Chegou o primeiro despacho do boy de segundo escalão. Não preciso da confirmação do seu superior, mais um num governo que se especializou na manipulação de factos e que considera que a mentira, desde que necessária para manter a face, é absolutamente aceitável, estejam em casa encenações com granadas ou nomeações de Estado. Isso não significa que não exista plano B (mais criativo) ou C (recuperando velhas tácticas que muita gente parece ter esquecido preferindo amochar) acerca do assunto, apenas que devemos estabelecer um padrão mínimo para entrarmos neste tipo de circo. Porque quando nos baixamos muito, ficamos à mão de semear e com esta gente é melhor nunca se ficar de costas em público. Porque ainda nos podem confundir.

(até porque me desgosta bastante quem faz o mal e ainda se arma em vítima e queixinhas…)

Também Pode Ser Um Poema

Um dia destes deveria teorizar sobre estas coisas. Lermos um poema sem preocupação com métricas, rimas ou coisas não essenciais. Apenas tentar que percebam. Aos 10 anos, antes que seja demasiado tarde.

RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade