… e riscos para a saúde de muita gente, mas para o director do Público o “mal maior” é fechar as escolas. Se não tivesse lido o nome parecer-me-ia uma crónica do JMTavares ou do Henrique Raposo, já para não falar num diletantismo comentarístico do Baldaia ou apenas mais uma diatribe do MSTavares. Em certos momentos, nota-se mais um certo “não sei quê” de Manuel Carvalho em relação à Educação. Será que é por um mês de afastanento de aulas presenciais que se vai “criar conscientemente uma geração deslassada e ressentida”?
A sério?
Eu pensava que isso poderia acontecer porque cada vez mais a coesão familiar é colocada em causa e a solidariedade inter-geracional é substituída por calculismos diversos. Ou porque os pais precisam de trabalhar fora de horas e têm pouco tempo para acompanhar os filhos.
Nunca me tinha ocorrido que se criaria uma “geração deslassada” (o que quer que isso queira dizer… será sem “lassos”?) por causa de não irem à escola umas semanas, a tal escola que tantas vezes se apresenta como algo de que os jovens não gostam. Eu pensava que isso poderia acontecer – em especial o “ressentimento” – se a miudagem percebesse que os pais ou familiares os preferem ver na escola do que em casa. Ou que a socialização tivesse ficado praticamente toda a cargo dos professores.
Manuel Carvalho diz que, fechando escolas, estamos a desistir “dos mais jovens e, em particular, dos jovens mais desfavorecidos”. E eu questiono porque achará ele isso? Porque, ao fim de dez meses, pouco se fez para melhorar a sua situação em termos de equipamentos e acesso ao mundo digital? Porque, ao fim de décadas, continuamos a ter uma sociedade fragmentada e desigual, que tolera tudo o que é desfalque bancário mas conta os tostões sempre que se trata de investir nos professores que agora se elogiam de forma interesseira? Será que Manuel Carvalho não está a raciocinar completamente às avessas, acabando por centralizar a vida de crianças e jovens na escola, quando esse deveria ser apenas um dos seus elementos, por importante que se tenha tornado?
Eu sou de uma “geração” que passou por coisas bem complicadas, ali em plenos anos 70, com aulas quando calhava, anos lectivos a começar entre meio de Outubro e meio de Novembro, disciplinas dadas por pessoal que andava no Propedêutico e anúncios de bomba sempre que o pessoal não estava para fazer um teste mais chato. Em vários anos terei tido menos aulas do que as que a maioria teve o ano passado até meados de Março. Estou “ressentido”? Nem por isso… a minha família, por pouca instrução formal que tivesse, transmitiu-me uma capacidade de enfrentar as coisas e uma resistência psicológica que agora parecem ausentes de grande parte da sociedade e não é só dos millenials.
Justifica esse passado escolar atribulado que agora não nos preocupemos com a “geração” actual? Claro que não. Até porque sou pai e encarregado de educação e preocupa-me muito o que se está a passar e não se trata apenas da pandemia, porque muitas outras coisas más estão a acontecer na Educação, mas vão deslizando debaixo do radar de muita informação que aborda os temas pelo lugar mais comum e com o preconceito sempre à espreita. Só que eu prefiro a segurança geral a uma cenografia presencial em que a insegurança e o medo vão inevitavelmente marcar o quotidiano. Prefiro que se encare a realidade em vez de se fazer o máximo por cumprir calendários para fazer os tais “exames” que dizem ser horríveis, até haver justificação para os relativizar.
Para mim, o “mal maior” foi a inconsciência de uns (decisores) e a falta de capacidade de crítica racional e fundamentada de outros (muitos comentadores, mais preocupados com os seus dramas de babysitting, bem longe das aflições dos “mais desfavorecidos”). E acredite o Manuel Carvalho que se calhar sei do que escrevo, porque dou aulas numa dessas zonas “deprimidas” e foi por ali que cresci, não andei em liceus ou colégios de grandes cidades a ver os pobrezinhos das janelas. Não sei se é por isso que tenho um elevado pudor em falar dos “mais desfavorecidos”, a menos que seja mesmo deles que estou a falar. Mas foi certamente por isso que logo em Março avisei que o “ensino digital”, o “ensino do século XXI” era uma treta, uma envernizadela que não aguenta uma unha, uma demagogia de uma clique ideológica requentada. Que o E@D não passava de um acrónimo a fingir modernidade e o #EstudoEmCasa uma fogueira de vaidades e pouca substância que de nada serve aos tais “mais desfavorecidos”. Que o ministro da Educação é uma picareta falante inútil, que nada decide, nada faz. Que o secretário que faz, está em pousio incerto.
Enfim… já é tarde… e amanhã vou dar aulas para o país real, não para um casulo onde fica bem defender os “pobrezinhos”, se isso significar apenas atirá-los para as escolas para que os pais possam continuar a trabalhar sem horários decentes e com salários que não dariam para uma almoçarada de uns mexias.