Tenho uma clara divergência em relação aos que pensam que a acção do governo (merece só minúsculas) em relação à pandemia procurou incutir o medo para exacerbar os seus poderes e criar uma espécie de estado de excepção permanente. Sou um céptico em relação à política, mas selectivo nas teorias da conspiração. Porque acho que, pelo contrário, para aí desde Maio, o discurso político (de Belém a São Bento, passando por vários ambientes mediáticos) foi “positivo”, de “esperança”, de “vitória”, até porque pelos números da 1ª vaga a situação portuguesa parecia excepcional, graças ao baixo número de contágios e mortes. O Verão foi de cigarras à desfilada, de selfies na praia, de auto-congratulações e de anúncios propagandísticos do que se preparava aos milhões, mas de uma prática nulidade em áreas decisivas como a fiscalização do funcionamento dos lares de idosos (é incrível como se anunciou que iriam vacinar os utentes de lares “ilegais”, sem que ninguém se interrogasse como sabiam onde estavam e, se o sabiam, porque os deixavam continuar ilegais) e o equipamento das escolas, para não falar do problema mais óbvio do SNS.
Tapetes do ikea à porta e arco-íris nas janelas e parecíamos que estávamos numa variante do Euro 2004. Só que Costa não é Scolari (é teimoso mas, em muita coisa, o burro é mesmo ele) e, se nos lembrarmos, perdemos a final com a Grécia. Não foi mau, claro, mas não ganhámos tudo. Agora, infelizmente, depois de termos “ganho” uma primeira eliminatória, entrámos de peito feito na segunda e estamos a levar uma tareia. Ao menos, depois da primeira derrota com a Grécia, o Scolari mudou a equipa e a táctica. Teimoso, mas não burro. Não se pode dizer o mesmo do nosso PM, que em vez de usar o que funcionou em Março-Abril, decidiu manter esta espécie de coisa que é e não é, para não desagradar a quem grita muito nos jornais e em algumas televisões, preferindo ignorar os avisos dos médicos que há meses vinham a avisar para o que se podia passar, se fosse mantida a atitude de relaxamento e descontracção que se tornou norma nos últimos seis meses.
Não, não me parece que o maior perigo que enfrentamos (para além da pandemia que há quem insista em dizer que não existe ou a comparar um docente com covid, doença infecto-contagiosa, com um docente que teve um avc ou partiu uma perna e não contagia ninguém com isso) esteja no “medo” que nos andarão a “incutir”, Pelo contrário, acho que somos capazes de ver muita gente morrer por causa de tanta “esperança” ou “confiança” sem fundamento. Porque, mesmo com números que em termos relativos estão ao nível do mais grave no mundo, se continua com a atitude patega e provinciana de justificar a procrastinação e complacência de ontem e as meias-medidas de hoje, preferindo o modelo “português suave”, sempre na expectativa que, no fim, nos safemos e ninguém se lembre de pedir responsabilidades a sério sobre tudo o que, sendo mais do que previsível, poderia ter sido evitado.
A começar pela Segurança Social (que pouco fez para reduzir o risco de novos surtos com consequências letais nos lares de idosos) e a Educação (que anunciou milhões no Verão, mas deu migalhas à chegada do Inverno, para prevenir uma passagem a ensino misto ou não-presencial), mas a culminar no PM, que usa a opinião dos “especialistas” conforme aquilo que já decidiu “politicamente”. Mas há quem diga, agora nada disso interessa, que é tempos de nos unirmos, contra o “inimigo comum”. O problema é que essa “união” é desequilibrada nas suas partes, porque temos quem pode mandar e pouco faz e quem deve ser “responsável”, mas tem sido bombardeado com a “esperança” que nada de verdadeiramente grave está mesmo a acontecer.
“Medo” tenho, sim, mas destas políticas de faz-de-conta, de gente de meias-tintas, de anúncios de muita parra, mas incapazes de produzir boa uva. E o medo agrava-se quando olho em redor e vejo uma completa ausência de alternativas, a menos que optemos pelos oportunistas em ascensão que surgem de forma recorrente por cá. Se até os “revolucionários” andam a apregoar o valor da estabilidade e passaram a criticar a demissão de governantes ineptos, fica-se perante um deserto de opções. E isso é que provoca “medo”. Não se não posso ir todos os dias a todas as lojas do centro comercial.
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