6ª Feira – Noite 8

Hoje, deixei o diário para o fim por motivos que me parecem óbvios, pois o destaque da questão colocada aos governo sobre o teletrabalho docente tem precedência. Não é a questão central que nos ocupa neste momento de pandemia, mas não é uma questão menor, mas já lá chegarei.

Queria recordar que Marcelo Rebelo de Sousa destacou ontem, de forma acertada, que o país – ou parte dele – parece viver em “estado de negação”.

E eu concordo.

Mas começaria pelo próprio PR que certamente negará que toda a cobertura que tem dado ao Governo nesta matéria foi bastante eleitoralista e, de algum modo, devedora da aliança que se tornou pública um certo dia numa visita à Autoeuropa. Não votei nele em qualquer das eleições, mas reconheço-lhe qualidades únicas, algumas muito positivas, outras nem tanto. Uma delas é a componente de “jogo político” que nem sempre me pareceu a mais responsável perante o que se passava.

Mas o “estado de negação” é mais grave no Governo, a começar pelo PM que diz mentiras (não há outro termo, poupem-me a “inverdades”) com a maior das calmas, tendo a certeza que o faz em situações nas quais fica sem contraditório à altura. O que se poderá dizer da negação permanente da opinião dos especialistas sobre a necessidade de confinar a sério? Ou o modo como usou UMA intervenção para alegar que havia discordância entre aqueles especialistas que se reuniram no Infarmed? E o que dizer das indescritível negação de o ministro Tiago ter afirmado – com câmaras a gravar – a proibição de todas as actividades lectivas e não lectivas, incluindo online e no ensino público e privado? Não está em causa porque o fez ou a eventual bondade da intenção. O que está em causa é que negou um facto objectivo, mas que, afinal, é “desmentível”.

O estado de negação não poupa muita gente, sendo desnecessário voltar a singularizar escribas residentes na opinião publicada (e televisionada) nacional acerca da pandemia e da “catástrofe” que decidiram atribuir à suspensão das aulas presenciais e fecho de escolas por duas semanas. Prefiro focar-me, por enquanto, num par de atitudes da própria “classe docente”, se é que verdadeiramente ainda existe tal.

A primeira é o estado de negação da realidade de todos os que, querendo ficar bem, afirmam que as escolas estão preparadas para um novo período de E@D. Não, não estão. Até poderão estar algumas ou algumas turmas ou mesmo anos de escolaridade, mas a maioria não está. Como com os números de contágios e casos positivos de covid-19 nas escolas, reina a representação coreográfica da realidade. Pior do que isso, só mesmo quem pensa que por “preparadas” se entende haver plano de contingência e começarem a convocar-se reuniões para na próxima semana “operacionalizarem” o que, em tantas situações, acabará por replicar os erros que já se se sabe terem existido no final do ano lectivo passado. Há gente que ou não aprende ou pensa mesmo ter feito bem o que se viu ter corrido mal, salvo excepções. O que em Julho se admitia ter sido um “remedeio” e há pouco mais de uma semana era “indesejável”, agora já parece recuperável. Pilecas envelhecidas têm dificuldade em arranjar novos caminhos. Não confundir com professores “velhos”, porque os há com mente aberta, mas infelizmente submetida à miopia de potentados locais.

A segunda é o estado de negação de muit@s docentes – e são muito mais do que o desejável ou mesmo aceitável – que estão pront@s para aceitarem o que lhes servirem ou exigirem, não achando por bem contestar ou fazer valer os seus direitos. Gente que “acha mal” que nos preocupemos, por exemplo, com a questão dos equipamentos para o corpo docente das escolas assegurar, do seu lado, um nível de qualidade de um novo E@D que não replique o que se passou durante a primeira vaga. Gente disposta a tudo, que acha que quem protesta e reclama só levanta “problemas” e não busca “soluções”. Pelo contrário, buscam-se as soluções que foram prometidas e repetidamente garantidas. E quando me aparecem a parafrasear o Kennedy dá-me assim uma coisinha má, porque detesto araras que se limitam a repetir citações avulsas, de que desconhecem o contexto. Até porque na maioria dos casos, nem sabem quando ou porque isso foi dito. Se lhes pedirmos para explicarem o que foi o projecto da “Nova Fronteira”, ficam logo com os circuitos baralhados e ainda mais se lhes pedirmos para explicar se a tal citação surgiu num período em que era necessário superar uma crise ou se era um desafio para o futuro. Irritam-me os citadores de ocasião. Que, quando chega o momento certo, se encolhem, amocham e agradecem por lhes pagarem ao fim do mês, como se isso fosse um “privilégio”. Como se não trabalhassem para isso.

Mas se querem citações, aqui vai uma:

A Lei Do Teletrabalho Aplica-se Aos Professores?

Posição comum de um grupo de professores e bloggers que visa o esclarecimento de uma questão que pode levantar pruridos a alguns (e urticária a outros), mas é essencial para o sucesso de um novo período de E@D que não repita os erros do passado.

A Lei do Teletrabalho Aplica-se aos Professores?

Ao Primeiro-Ministro,

À Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social,

Ao Ministro da Educação,

1. Durante o período do primeiro confinamento causado pela situação de pandemia, a transição das aulas presenciais para um modelo de ensino remoto de emergência foi feita, da parte do sistema público de ensino, quase exclusivamente com base nos recursos privados do corpo docente. Essa foi a atitude certa, por parte de profissionais que colocam os interesses dos seus alunos e do próprio país acima das suas conveniências particulares.

2. Logo no mês de abril, o senhor primeiro-ministro anunciou, em entrevista à Lusa, um ambicioso plano para prevenir “um eventual segundo surto do coronavírus” que contemplava “o acesso universal à rede e aos equipamentos a todos os alunos dos ensinos básico e secundário” no ano letivo de 2020-21, no sentido de garantir “que, aconteça o que aconteça do ponto de vista sanitário durante o próximo ano letivo, não se assistirá a situações de disrupção”.

3. A 21 de abril de 2020 é publicado em Diário da República, o Plano de Ação para a Transição Digital, em cujo Pilar I, a primeira medida era um “Programa de digitalização para as Escolas”, no qual existia em destaque “a garantia de conectividade móvel gratuita para alunos, docentes e formadores do Sistema Nacional de Qualificações, proporcionando um acesso de qualidade à Internet na escola, bem como um acesso à Internet em qualquer lugar”.

4. De acordo com o Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro), no n.º 1 do seu artigo 168.º determina-se que “na falta de estipulação no contrato, presume-se que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação utilizados pelo trabalhador pertencem ao empregador, que deve assegurar as respetivas instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas”.

5. No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 94-A/2020 de 3 de novembro determina-se que “a adoção do regime de teletrabalho torna-se, assim, obrigatória, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam e o trabalhador disponha de condições para as exercer, sem necessidade de acordo escrito entre o empregador e o trabalhador.”

6. Perante o que está estipulado com clareza na legislação em vigor, vimos requerer a V. Ex.ªs que aos professores sejam aplicadas as regras relativas ao teletrabalho, nomeadamente as que remetem para as condições indispensáveis ao exercício das suas funções, como sejam a “disponibilização de equipamento individual ajustado às necessidades” e “de conectividade móvel gratuita”, conforme prometido no Plano de Ação para a Transição Digital.

29 de janeiro de 2021

Os signatários

Alberto Veronesi

Alexandre Henriques

Anabela Magalhães

António Duarte

Arlindo Ferreira

Duílio Silveira Coelho

Luís Sottomaior Braga

Paulo Guinote

Paulo Prudêncio

Ricardo Montes

Rui Gualdino Cardoso

Sem Um Pingo De Vergonha Na Cara

Foi apenas no dia 31 de Dezembro de 2020 que foram estabelecidos os contratos para aquisição de computadores para alunos e docentes por parte do ME. O concurso público tinha sido publicado em DR só a 6 de Novembro.

Atenção que o prazo de execução é de 730 dias. Não é 35 de Março. Não são dias ou algo semelhante.

Não achei o lote 4. Estes 8 lotes dão cerca de 240.000 computadores. Dão cerca de 63,5 M€.

Sublinho: os prazos de execução são de 730 dias (2 anos).

Pelo Educare

(…) Se é inegável que o fecho das escolas é indesejável e que o ensino presencial se revelou bem mais eficaz do que todas as teorias futuristas de uma Educação Digital anunciaram, também parece algo exagerado apresentar esse fecho como uma catástrofe geracional, quando em apenas uma semana (de 18 a 24 de Janeiro) se registaram mais de 1600 óbitos causados directamente pela pandemia. A carga de dramatismo colocada na suspensão das actividades lectivas atingiu níveis hiperbólicos, com expressões como “a destruição do futuro de uma geração” ou variações em torno do sacrifício que é para as famílias ficarem com as crianças em casa por 15 dias.

O Ano Lectivo Começa Na Primavera?

Tenho andado eu a dizer que os computadores que chegaram às escolas teriam custado no máximo 30 milhões de euros e ainda errei por razoável excesso. Quanto ao resto, fica bem claro que o “plano” foi sempre o de manter o presencial, independentemente das “vagas”. O investimento total é uma gota de água nos buracos do Novo Banco ou da TAP e não me venham dizer que é demagogia. Porque uma “geração perdida” vale certamente mais do que um banco, mesmo para liberais de aviário que se dizem amantes da Vida e do Humanismo. A começar pelos novos doutorados (honoris causa?) em Educação para Totós que parecem ter descoberto agora que a Terra é mais ou menos redonda (ocorre-me aquele novo bostoniano que escreve no Expresso acerca do que já sabemos, mas que ele acha que é muito novo, porque chegou agora e… enfim, há que ter paciência, muita paciência…),

Expresso, 29 de Janeiro de 2021

Alguém Que Se Chegue À Frente

Porque o “estado de negação” de que fala o presidente também afecta muitos professores que parecem achar mal que os seus direitos enquanto trabalhadores sejam respeitados. E como directores e sindicatos – os parceiros do governo nestas andanças, mais o senhor da Confap que parece já estar na calha para um cargo autárquico no PSD – lá aparecem os do costume a chamar a atenção para o facto de, sem professores com condições, o ensino não-presencial correr o risco de voltar a ser um simulacro

Carta aberta ao Governo de um grupo de professores bloggers com pedido para que seja cumprido o estipulado no Plano de Ação para a Transição Digital, de modo a que os docentes tenham condições para trabalhar a partir de casa.