Não me consigo espantar com os “escândalos” das vacinações a pedido, de pasteleiros do Porto a religiosos de Trancoso, passando por uma burocrata da nomenklatura partidária de Setúbal. Uma das vantagens (?) de se ser “menos novo” é o conhecimento da natureza do país em que vivemos e das pessoas com que convivemos. Somos um país pobre a vários níveis e em avançada decomposição ética e moral. E não me venham dizer que isto é o discurso do Ventura, porque ele é apenas mais um dos sinais de uma podridão que se entranhou na sociedade e da qual nunca conseguimos ficar livres. No presente, no passado e parece que no futuro próximo. Não conheci nas últimas décadas nenhum discurso refundador que não tivesse culminado numa nova situação em que apenas as moscas mudaram e mesmo assim nem todas, que há umas varejeiras que já fazem parte do cenário a tal ponto que nem estranhamos estarem sempre presentes.
A velocidade de cruzeiro das mortes ganhou um carácter abstracto e mesmo num domingo cinzento, nada convidativo a saídas, ouve-se o burburinho na estrada, aqui não muito longe. O pessoal habituou-se, mesmo se ainda há quem se indigne, mas quem se indigna é criticado por não ser “este o momento ideal”, para, por exemplo, se apurarem “responsabilidades”. Agora é “tempo de nos unirmos”. O raio é que é. Não há qualquer “colectivo nacional” que resista à soma da inconsciência e estupidez de muitos indivíduos, seja os que afirmam subitamente libertários, seja os que amocham perante tudo e ainda acham que todos devem ser assim.
Valha-nos quem ainda insiste em pensar sobre tudo isto.
Uma sensibilização intensa às injustiças e desigualdades apoderou-se das pessoas. A morte de idosos num lar mal protegido, o espancamento de uma mulher confinada, o ministro que impõe férias para esconder a impreparação das escolas para o ensino à distância, são acontecimentos imediatamente considerados inadmissíveis e escandalosos: como foi possível que ocorressem, quando morrem todos os dias centenas de homens e mulheres? Como é possível brincar com a justiça, enquanto a doença e a morte condenam brutalmente tantos inocentes? Brincar com a vida humana tornou-se intolerável.
José Gil
Paulo: 2º parágrafo “ouve-se o burburinho”. 😉
Abraço e bom domingo.
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Sim, sim, nem me posso justificar com o corrector ortográfico. Foi mesmo mea culpa.
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Tudo verdade, Paulo.
Nem mesmo agora, que tudo isto está tão negro, se vê o PR assumir o desejável papel de aglotinador.
Mantém o seu silêncio e inatividade política, num momento em que deveria ser o farol, demonstrando a sua covardia congénita.
Se não é, é o que parece.
Estamos feitos…
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A mediocridade de quem nos governa é assustadora!
Obrigada, Paulo, pela sua lucidez e coragem.
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Um texto de José Gil irrepreensível.
Quero acreditar que a situação ainda é recuperável.
As disfuncionalidades colocadas a descoberto pela pandemia são um reflexo evidente da mediocridade das políticas impostas em setores fundamentais, da saúde à educação (cultura), passando pela justiça. Sempre com a chancela do parvo (de Gil Vicente) que repete à enésima “nós olhamos é para o futuro, agora em diante é que vai ser, fazer muito melhor com menos”. Assim se olha para o desinvestimento que agora nos tolhe.
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Belo texto! O José Gil não costumava de vez em quando aparecer nas nossas tvs? Nunca mais o vi ser convidado…
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Acho que não se trata só de um desencontro de preocupações entre governados e governantes. Os governantes são mentirosos. É só.
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