Cansativo

O Expresso volta à carga e manda saber que “ninguém fecha tanto as escolas quanto Portugal”. E faz uma lista de países e tempos de encerramento, destacando os que nunca abandonaram o ensino presencial ou os que a ele já voltaram. De forma quase envergonhada, lá se confessa que fomos os que tivemos a maior incidência de covid no início de 2021, mas quase como se isso não fosse razão mais do que suficiente. O que fica também por analisar com detalhe? O que os outros países fizeram no contexto da reabertura das escolas. Na Alemanha, por exemplo, a testagem em massa arrancou há três meses em algumas regiões. Em França, a testagem em massa começou em Janeiro. A Eslováquia, um dos países que também foi muito atingido pela segunda vaga pandémica logo em Outubro, testou em massa a sua população. A Áustria seguiu o seu exemplo. A Irlanda publica semanalmente relatórios dos seus testes nas escolas. Há muito mais exemplos de boas práticas que não ficam apenas por proclamações políticas e pressões mediáticas.

Querem a reabertura das escolas? Dois conselhos: passem à acção (governantes) e informem melhor (certo jornalismo mais opinativo do que outra coisa).

Falácias – 2

Uma economista muito na moda e grande activista das escolas abertas no matter what (desde Janeiro é lê-la de forma repetida sobre o assunto) produziu há umas semanas uns cálculos que agora não consigo achar e que citarei de memória, até porque os valores em si não são o mais importante, mas sim a tentativa da autora transmitir uma sensação de enorme catástrofe. De acordo com esses cálculos – cuja solidez metodológica não vou contestar, porque é inútil contestar previsões de economistas, até porque o tempo se encarrega de tratar disso na maioria dos casos – dois meses de escolas fechadas implicam uma porrada de milhões de euros de prejuízos que, acumulados ao longo dos anos, dão um porradão a uma escala brutal de milhões de euros de prejuízos ao fim de duas ou três décadas,

Como disse, nem me vou dar ao trabalho de desmontar a lógica inicial da coisa, mas apenas a evidente falta de – como é que hei-de colocar a coisa sem ser ofensivo ou arrogante, eu que da Economia só dei a História? – falta de, escrevia eu, “cuidado” em integrar outras varáveis no seu cálculo cumulativo. Porque os cálculos calamitosos que a dita economista apresenta, não têm em conta medidas que, após a reabertura das escolas, são desenvolvidas para minorar ou mesmo reverter parte das perdas verificadas. E que impedem que as perdas se acumulem e aumentem como se fossem uma bola de neve sempre em crescendo. Claro que apresentar as coisas assim, de forma truncada e irrealista, tem a “vantagem” de produzir um efeito comunicacional dramático, mesmo se mistificador.

As 10, 20 ou 30 aulas (conforme as disciplinas) que os meus alunos eventualmente deixem de ter em regime presencial, por muito que produzam efeitos negativos, não os produzem num efeito cascata interminável, década após década, por muito que esta visão das coisas sirva de fundamentação para um qualquer ataque de histrionismo do Daniel Oliveira frente ao seu microfone novinho em folha, em pleno Eixo da Treta ou para artigos eruditos e muito reflexivos do Alexandre Homem Cristo (uma “carta aberta” que inclua os dois só pode ser obra de génio). Não é verdade que estejam em causa perdas de centenas de milhões de euros e a ruína de gerações, só porque se fecharam as escolas um par de meses. Calma aí, pessoal!

Se Portugal está na cauda da Europa em termos económicos há muito tempo não é por causa do encerramento de actividades lectivas mas, se calhar, em grande parte por termos elites governativas com prioridades muito próprias e muitos economistas de uma qualidade teórica tão impecável quanto a falibilidade das suas propostas em termos práticos para o país. E lembremo-nos de quantos acumularam cargos importantes de decisão política e uma formação em Economia e Finanças (e não estou apenas a falar do “bom aluno” Cavaco). Ou ainda daqueles economistas que se especializaram em “fretes” ao poder, produzindo números consoantes os interesses políticos de cada momento.

No caso desta economista com tendências catastrofistas e um muito recente interesse pela Educação, eu não tenho elementos suficientes para saber se esta atitude resulta do que me parece ser um problema geracional de alguma parentalidade que andará ali na casa dos quarentas e qualquer coisa e precisará de uma certa “formação” em paciência e caldos de galinha.

Falácias – 1

Uma das conversas que anda por aí acerca de faseamentos e desconfinamento é que este deveria ser feito por “regiões” ou mesmo por “concelhos”. O que pode parecer lógico à superfície, mas que não aguenta uma análise ligeiramente mais cuidadosa do que a de cronistas apressados ou algumas cabeças falantes que por aí pululam em programas de “opinião”.

Vejamos o caso da Educação: o concelho A tem um risco “moderado”, mas está rodeado de outros com risco elevado ou muito elevado (quem consultar o mapa de risco para hoje, pode verificar que, por exemplo, o Alvito tem risco moderado, mas Ferreira do Alentejo, ao lado, tem muito elevado; ou que Moura tem risco moderado, mas está entalada por concelhos com níveis de risco mais elevados . Desconfinam Alvito e Moura, mas os vizinhos nem por isso? Ninguém entra e sai para os outros, mas as escolas abrem (como os restaurantes, os barbeiros, etc)? E os professores que não vivem nesse concelho, mas sim nos de risco muito elevado? Deslocam-se na boa e vão tomar o seu cafézinho sem chatices? Porreiro. E no caso do Secundário em que há alunos que para frequentarem certas opções precisam de andar entre concelhos? Ahhh… desconfinamos só os pequenititos e isso nem se coloca. Então e as educadoras (e educadores, mas são poucos), desconfinam, independentemente do concelho de residência não ser o de trabalho?

Desconfinar por “concelhos” em algumas zonas é um equívoco. E vai criar situações de desnecessário conflito e, mais importante, de risco. E lá vem a mensagem ambígua e propícia aos abusos costumeiros. Por zonas, quando um punhado de concelhos atingiu um nível moderado, ainda se entende. Agora andar a fazer tracejados pelo país, só ajuda a confusão.

Sábado – Dia 20

Perante a situação de emergência há dois caminhos a seguir: um é o da identificação atempada de problemas e busca de soluções para prevenir uma nova crise (podemos usar a analogia da vacina); o outro é o das reacções atrasadas e defesa de remédios de efeito rápido, mas que não curam a doença (como se fossem analgésicos, para efeito rápido sobre a dor) e nem sequer actuam sobre a sua origem.

Como Não Monitorizar O E@D

A situação que a seguir divulgo foi-me comunicada por um@ EE e não por um@ professor@ do agrupamento ou escola em causa. Tem como origem um inquérito feito pela Associação de Pais e EE, que enviou o link para responder a todos os seus contactos. Eu poderia “atirar-me” ao modo como o conteúdo está pensado (ainda comecei a sublinhar umas partes para comentar, mas desisti), mas vou-me ficar pela inépcia da forma como a coisa está construída.

Em primeiro lugar, qualquer pessoa com acesso ao link pode preencher, não existindo qualquer segurança relativa à identificação de quem responde, nem a quantas vezes responde. Em seguida, também nada na concepção do formulário impede que qualquer um@ responda a opções que não se aplicam ao seu educando. O que significa que basta uma pessoa (ou duas, ou três) com tempo e intenções duvidosas para os resultados do inquérito serem manipulados.

Se é assim que querem controlar o trabalho dos professores, para além de altamente contestável, é de uma incompetência notável.

Incluo o mail enviado aos EE, do qual retirei o link para o inquérito (transformei-o numa sucessão de imagens) porque se assim não fizesse qualquer visitante aqui do blogue poderia responder. A escola pertence a um agrupamento daquela velha cidade universitária com vista para o Mondego.

A Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Básica de […] solicita a divulgação da seguinte informação:

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Caros Pais e Encarregados de Educação,

Face à situação pandémica que vivemos e após decisão do Governo, iniciamos no passado dia 8 de fevereiro o ensino à distância (E@D).

Neste sentido, e por forma a proporcionarmos o melhor acompanhamento aos alunos da Escola Básica […], a APEE apela à vossa colaboração no preenchimento do seguinte inquérito relativo ao funcionamento do E@D:

(…)

Deste modo, poderemos aferir como está a decorrer o E@D nos vários anos de escolaridade da nossa escola, nomeadamente, quanto à gestão e organização do ensino em regime não presencial, por forma a verificar se existem grandes discrepâncias nas várias turmas da escola.

Gratos pela vossa colaboração.

Com os melhores cumprimentos,

A Direção da APEE

A Negociata Da Capacitação Digital

Há colegas aqui da margem sul do Tejo a receber um mail com uma proposta de um “Curso de Formação para a Docência Digital em Rede”. Tudo bem, apenas mais uma entre imensas propostas nos dias que correm. Seria assunto para ir directamente para o lixo se não tivesse reparado nuns detalhes. O curso em causa resulta de uma parceria entre a “Academia do Professor”, a Rede de Centros de Formação de Entre Tejo e Sado e a Universidade Aberta.

Tudo muito institucional e, queria eu acreditar, integrado naquelas iniciativas de formação da Escola Digital, que se anunciaram gratuitas. Pois… gratuitas até certo ponto, pois só “quem não quiser certificado poderá frequentar o Curso sem qualquer custo associado”.

Agora reparem lá nestes “pormenores” relativos à certificação (e nem vou falar dos três conferencistas que ninguém sabe quem serão, mas que não será preciso um zandinga para calcular, atendendo aos monges que costumam usar o hábito por aqui), sendo especialmente engraçado o valor de “cerca de 25 euros”, como se fosse uma quantia ainda em apreciação.

Em que modelo se realiza o curso?

O curso é lecionado na modalidade de eLearning, com recurso a um sistema de gestão de aprendizagem (LMS) e num regime exclusivamente assíncrono. Ao logo do mesmo serão realizadas 3 conferências num total de 6 horas, reconhecidas como ACD válida para efeitos de avaliação e progressão na carreira.

Qual o custo de frequência do curso?

A frequência do curso não tem qualquer custo associado.

Qual o custo de emissão de certificado?

Será emitido um certificado, pela Universiade [sic] Aberta, com a indicação “Curso realizado com aproveitamento” o que implicará realizar as atividades de avaliação definidas no plano do Curso.

Como o curso terá 26 horas, terá acreditação de 1 ECTS e o custo de emissão de certificado será de cerca de 25€.

Esta ação está acreditada pelo CCPFC?

Este curso pode ter um certificado emitido pela Universiadade [sic] Aberta e individulamente [sic] pode ser soliciatado [sic] ao CCPFC a sua acreditação para efeitos de avaliação e progressaõ [sic] na carreira.

​(como autor confesso de “gralhas” – inconseguimentos ortográficos – com alguma frequência, vou apenas referir que uma publicação de uma rede de centros de formação tem um pouquinho mais de responsabilidades do que um blogue de um professorzeco)

A Mim É Que Tu Não Lapidas, Gabriel!

Até porque a trilogia “Hierarquia, Ordem e Autoridade” me diz muito pouco como valores supremos numa sociedade. Pessoalmente, até preferiria o Fado, Futebol e Fátima, mesmo se sou muito selectivo em matéria de faduncho, acho que o futebol está cheio de gente lastimável e não sou crente de santa nenhuma, porque nunca conheci alguma.

O Gabriel Mithá Ribeiro, ex-professor de História do Básico e Secundário antes de rumar a patamares superiores é alguém que conheço pessoalmente e por quem tenho estima, compreendendo até algumas das razões da sua deriva para o Chega, de que surge como “coordenador-geral do gabinete de estudos” em peça da Sábado de ontem.

Talvez um pouco inebriado pelos resultados de Ventura nas presidenciais, o Gabriel sente-se entusiasmado e confiante ao ponto de declarar que acha que vão manter o resultado em futuras eleições e acrescenta:

Se conseguirmos entrar com ideias claras em certos segmentos sociais e profissionais, como os professores e enfermeiros, conseguiremos ir mais longe. Este é um diamante por lapidar.

Olha que não, Gabriel, olha que não. Não confundas “professores e enfermeiros” com bastonárias destes ou aspirantes a isso daqueles, lá porque se acantonaram junto do André. Professores e enfermeiros podem estar magoados, sentir-se injustiçados e explorados, mas uma grande parte não é assim tão idiota que vá atrás de cantos de sereia e seduções para consumo em redes sociais.

Por muito “corporativo” que me pintem, sei distinguir o que são “ideias claras” para ganhar votos em certos grupos profissionais e o que é um projecto de tomada de parte do poder, através da contaminação e domínio de outras forças partidárias, como o Trump fez com o Partido Republicano. Até porque a coelhinha do líder do Chega fica uns pontos abaixo da fotogenia da Melania.

(um conselho final, de borla: a “autoridade” não se ganha por decreto a não ser em estados anti-liberais; ganha-se de outra forma, de modo quase natural…)

6ª Feira – Dia 19

Há um par de dias, no contexto da preparação do debate sobre a renovação do estado de emergência, o ministro da Administração Interna culpou os portugueses pela degradação da situação pandémica no mês de Janeiro. Algo parecido já tinha sido feito umas semanas antes por outro ministro (o da Economia) num exercício muito habitual em políticos que, perante adversidades, optam logo por se desresponsabilizar de tudo o que acontece. Quando as coisas correm bem, apressam-se a aparecer a colher os foguetes e louros e a anunciar festividades onde se distribuem palmadinhas nas costas à discrição.