Desculpem-me a marcha-atrás em termos cronológicos, mas não podia deixar esta de fora. Um clássico do tempo em que a II Guerra Mundial fazia parte do nosso imaginário quotidiano, mesmo nas brincadeiras, e em que o confronto entre o Bem e o Mal tinha poucos relativismos. Podia não ser a melhor forma de ver a realidade, mas pelo menos não obscurecia demasiado os limites ao ponto de parecer tudo igual.
Dia: 10 de Julho, 2021
Centralismo Curricular
O maior exercício de terraplanagem curricular de sempre. E o inegável triunfo das seitas.
Despacho n.º 6605-A/2021
Sumário: Procede à definição dos referenciais curriculares das várias dimensões do desenvolvimento curricular, incluindo a avaliação externa.
(…)
Assim, no uso dos poderes delegados pelo Despacho n.º 559/2020, de 3 de janeiro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 11, de 16 de janeiro de 2020, determino:
1 – Constituem-se como referenciais curriculares das várias dimensões do desenvolvimento curricular, incluindo a avaliação externa, os seguintes documentos curriculares:
a) O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, homologado através do Despacho n.º 6478/2017, de 9 de julho;
b) As Aprendizagens Essenciais, homologadas através dos Despachos n.os 6944-A/2018, de 18 de julho, 8476-A/2018, de 31 de agosto, 7414/2020, de 17 de julho, e 7415/2020, de 17 de julho;
c) A Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania;
d) Os perfis profissionais/referenciais de competência, quando aplicável.
2 – São revogados os demais documentos curriculares relativos às disciplinas do ensino básico e do ensino secundário com aprendizagens essenciais definidas.
3 – O presente despacho entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e produz efeitos a 1 de setembro de 2021/2022.
2 de julho de 2021. – O Secretário de Estado Adjunto e da Educação, João Miguel Marques da Costa.
Sábado
Não sei se já falaram – quem não lecciona nessas escolas ou quem não é crente absoluta na Palavra Verdadeira – com responsáveis de topo ou intermédios daquelas escolas exemplares que têm todo o beneplácito do secretário e do ministro para praticarem uma “inovação” saída dos livros dos anos 90 do século passado, quando essas pessoas fizeram a profissionalização, tudo envernizado nos últimos anos com pinceladas sucessivas de pipses, escolasmais, maias e afins, tudo projectos e planos que se fazem passar pela quinta essência do graal educacional.
(calma, não estou contra tudo o que defendem e afirmam, apenas não gosto que apresentem pileca velha e cansada como se fosse jovem alazão, por muito brilhantes arreios que lhe coloquem)
Eu já tinha ouvido falar algumas destas figuras (ou tinha lido prosas ocasionais) e tinha notado a forma automatizada como se expressam, enunciando sempre os mesmos princípios, explicando de uma forma rígida o que é a flexibilidade, excluindo todos aqueles que discordam da sua noção de inovação, apresentando de forma tradicional as suas ideias de inovação e nunca fugindo do guião da autonomia.
Mais recentemente, embora com algum tempo de permeio, tive a oportunidade, não propriamente por prazer, experimentar em primeira mão essa impossibilidade de diálogo com as duas primeiras figuras da hierarquia de uma dessas escolas. E confirmei a ideia que trazia de que a forma como organizam o discurso, como parecem ter estruturado o seu pensamento, como fazem a propaganda das sua Fé, tem todos os elementos da retórica típica de uma seita dominada por quem se auto-definiu como sendo os “escolhidos”, neste caso não por Deus, mas pela República da (sua) Educação. Sentem-se como profetas de um Verbo Único, sobre quem se espalhou um estado de Graça que os eleva acima dos comuns. E falam em tiradas fotocopiadas, num tom monocórdico que apenas se eleva em momentos de irritação, quando percebem que do outro lado não está alguém em estado de beatitude.
A irritação é ainda maior quando se tenta explicar que, mesmo de acordo com os seus dogmas, praticam mal a sua “religião” e as suas “sagradas escrituras” têm falhas evidentes, não apenas no plano de uma lógica geral, mas no contexto específico deste “novo paradigma”. E é uma irritação arrogante e que se pretende condescendente até provar do mesmo remédio. E é por aí que existe a deriva para os atalhos e para os truques ou, quando as versões mais suaves falham, para a pura ameaça do exercício do poder discricionário. Porque esta malta defende o espírito crítico, mas com limites, e o exercício da cidadania, mas desde que seja com respeitinho pelas ótóridades.
Quem desconhece este tipo de realidades, pensará que eu estou a fazer um discurso algo vago e do tipo “vocês sabem do que eu estou a falar”. Mas é que sabem mesmo, em especial quem tem de viver com isto todos os dias da sua vida profissional, enquanto definha ou é obrigado a fingir para sobreviver sem danos maiores.