2ª Feira

O meu fascínio com os “referenciais” 21|23 é algo que se entranhou porque, estranhamente, me fazem recuar aos anos 90 do século XX e a todo um conjunto de teorias muito em voga, comuns a um núcleo da governação do PSD na Educação (em torno do então SE Joaquim Azevedo) e a outro da governação do PS que se seguiu (em trono da então SE Benavente), com um cruzamento no Instituto de Inovação Educacional e algum prolongamento no Conselho Nacional de Educação, primeiro com Marçal Grilo (1992-1995), mas em especial com Teresa Ambrósio (1996-2002). Desse tempo, ficaram-nos coisas boas, propostas interessantes e efectivamente “inovadoras” para esse período (a chamada “gestão flexível do currículo”), mas que se foram dissipando parcialmente, nas décadas seguintes, perante a sua inadaptação à realidade concreta da maioria das escolas, apesar da permanência da lógica dominadora do “direito ao sucesso” a qualquer custo e através de qualquer truque ou estratégia para indicadores aceitáveis.

Claro que os tempos de Sócrates/MLR, com os inefáveis Lemos (SE) e Capucha (na ANQ) também foram pródigos em muita conversa fiada, abundante parra e pouco sumo, tudo sempre a coberto (como agora) de recomendações e validações da OCDE. Onde agora aparece o Schleicher, antes aparecia Paulo santiago como principal guru externo do que se recomendava por cá.

Isto para dizer que é algo desanimador perceber que em 2021 só se consegue ir buscar o que já em 1991 se anunciava e em 2001 se estava quase a deixar de levar muito a sério. Voltamos a ter de aturar de novo alguma verborreia imensa a que se convencionou chamar “eduquês” a partir de uma “boca” de alguém que até teve bastantes responsabilidades ao longo dos anos 90 na Educação em Portugal (Marçal Grilo), mas a quem este tipo de discurso redondo, palavroso, repleto de conceitos e expressões aparentemente complexas para referir fenómenos e práticas muito simples, já bulia um pouco com os nervos.

Porque é um verdadeiro mergulho passado ler passagens como esta:

A construção destes planos tem subjacente um modelo compreensivo das dificuldades para dar resposta atempada e personalizada de prevenção e intervenção e exige monitorização do risco de insucesso dos alunos, no interior do conselho de ano/turma, incorporando dimensões relacionadas com as aprendizagens, comportamento e outros fatores. (ROTEIRO – Avançar recuperando, p. 5)

Ou como esta:

A gestão flexível dos agrupamentos de alunos sob a responsabilidade de cada equipa educativa implica a existência de grupos dinâmicos e temporários de trabalho, abordagens curriculares abertas e enriquecidas orientadas para a aquisição das aprendizagens estruturantes.
O realinhamento e reconfiguração de agrupamentos de alunos, professores e técnicos especializados requer ações sistemáticas de coordenação e ajustamento mútuo contínuo e uma forte intercomunicação no interior das constelações escolares de trabalho e com as famílias. Prevalece uma conceção de organização da gramática escolar na base da tecnologia intensiva que analisa cada caso, por contraponto à intervenção baseada em tecnologia em cadeia.
Assume-se o ciclo de ensino como unidade básica de organização. (ROTEIRO – Roteiros de organização de equipas educativas, p. 2)

Curiosamente, num link apresentado neste roteiro, que nos dirige para um artigo de Ilídia Cabral e José Matias Alves, apresentam-se as respostas dadas pelos alunos quanto ao que os professores poderiam fazer para ajudar mais os alunos nos tempos reservados às tais “equipas dinâmicas” de que ouvimos falar desde os tempos da reforma de Roberto Carneiro a autores como João Formosinho (que falava em “agrupamentos educativos em 1988, sendo útil consultar a esse respeito a bibliografia deste artigo) e Joaquim Machado, mesmo se mais recentemente (2009) tiveram um novo ímpeto, associadas ao conceito de “comunidades de aprendizagem”.

Como as respostas estão longe de ser as esperadas ou desejáveis, porque tradicionais, são desvalorizadas, alegando-se que os alunos têm essas opiniões porque foram socializados assim e, no fundo, repetem a lógica dos professores. Ou seja, a culpa acaba sempre nos professores quando a realidade (mesmo quando é a sacrossanta opinião dos alunos) não encaixa nas teorias dos “investigadores”

Tal poderá significar que os alunos, socializados na lógica escolar do apoio e da remediação das dificuldades, olham
para o MIPSE [Modelo integrado de Promoção do Sucesso Escolar] tendencialmente como um tempo de apoio que servirá, essencialmente, para resolverem as suas dificuldades e não para realizarem novas aprendizagens. Esta perceção foi corroborada pelos discursos dos alunos no grupo de discussão focalizada, que afirmam que estes são tempos para consolidar e desenvolver conhecimentos. Possivelmente esta perceção estará ligada à própria forma de os professores olharem para os tempos de GAC e os organizarem (…).

Resumindo: muito pouco ou mesmo nada disto é novo ou sequer “inovador”. Claro que podem dizer que entre nós é, porque não foi ainda aplicado de forma generalizada. Mas, nesse caso, há que estudar porque (alegadamente) não foi ou se já não é essa a prática concreta, só que sem o aparato e foguetório em seu redor que agora se pretende fazer. Afinal, eu já tenho no 2º ciclo um conjunto de 7 docentes no meu Conselho de Turma que leccionam as 11 disciplinas (eram 9, mas o “emagrecimento do currículo” aumentou-as) e boa parte del@s é comum a várias turmas. Sem necessidade de ler “referenciais” ou produzir “investigações” que mais não passam do que de descrições com escassa revisão da literatura.

O esquema que acompanha o roteiro das “!equipas dinâmicas” só esquece um “detalhe”… para ter 3 turmas, @s professor@s de Port/Ing (ou Port/HGP) e de CN/Mat teriam de ter umas 27 horas lectivas (e nenhuma DT, porque aqui se esqueceu a Formação pessoal e Social), enquanto @ professor@ de EM seria (é) obrigado a ter umas 10 turmas mais DTurma para completar o horário. Detalhes operacionais, claro, que escapam um pouco aos teorizadores.

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