Os anos 2000 foram muito perturbados. Ou melhor, ainda são. O crescimento do cado e o aparecimento dos serviços de streaming trouxeram-nos algumas das séries impensáveis alguns anos antes. Este genérico, logo para começar, é fabuloso.
Dia: 25 de Agosto, 2021
Colaborações
Há uns meses pediram-me um contributo para um ebook acerca do que deverão ser as prioridades de uma Educação pós-pandémica. O volume ficou agora pronto com 61 colaborações e textos de enquadramento e síntese. O meu contributo, para quem não quiser explorar o pdf (que deixo mais abaixo)fica aqui e, como em outros textos, não se baseia numa concepção da Escola como um oásis separado da sociedade envolvente. Para quem acha que eu me limito a criticar, mesmo que discordem, não evitem sempre ler as partes em que eu explicito aquilo em que acredito e apresento propostas, mesmo quando é apenas num par de páginas. Já agora, e para evitar certos comentários que sempre surgem, não faço parte do EdThink, tendo-me limitado a corresponder a uma solicitação. Do mesmo modo, não me revejo em parte dos contributos, como vários autores não se reverão no meu. Parece que o pluralismo é isso mesmo. Há quem enuncie e há quem pratique.
Aquém e Além Portões
Em termos ideais, a experiência pandémica na Educação deveria ter-nos tornado mais conhecedores e mais conscientes dos diferentes fatores que contribuem para o desempenho e o sucesso dos alunos na sua vida escolar. E ter conduzido à implementação de políticas devidamente focadas no combate à origem dos males diagnosticados.
Até porque parecem pacíficas, agora, algumas evidências que nem sempre foram assumidas com clareza quando foi necessário suspender as aulas presenciais pela primeira vez, em março de 2020. As principais passam pela constatação de que sem as portas das escolas abertas muita coisa entra em colapso na vida do país e que a sociedade está preparada de maneiras muito desiguais para lidar com um modelo de ensino remoto de base digital. Assim como pela constatação, que nem é de agora, de que as escolas são essenciais para combater a fragilidade e a falta de coesão socioeconómica que caracteriza uma sociedade ainda profundamente dual como a nossa em matéria de rendimentos e condições de vida.
O que as escolas têm feito tem sido muito para minimizar as desigualdades existentes numa população em que um quinto dos indivíduos vive, de forma endémica e com uma fortíssima transmissão geracional, abaixo do limiar do razoável em termos materiais numa sociedade que se pretende desenvolvida. As escolas abdicaram, em muitas comunidades, de parte da sua função mais estritamente educativa, para se focarem num papel predominantemente assistencial. Mais pode ser feito, em termos de rapidez e eficácia na sinalização das situações de maior vulnerabilidade e risco, mas para isso é necessário que, a um acréscimo de funções e exigências, corresponda um aumento e diversificação de meios humanos e técnicos para as cumprir.
Mais do que semanas adicionais de aulas para compensar “aprendizagens perdidas” que ainda ninguém provou de forma clara que existem unicamente por causa da suspensão do ensino presencial, há falta de assistentes sociais, psicólogos, mediadores, com formação especializada e dedicação exclusiva a funções que não podem ser sistematicamente atribuídas aos professores por comodidade ou para cobrirem as horas de redução da componente letiva, em nome de uma pretensa racionalidade da gestão dos recursos humanos.
Assim como é indispensável que as instituições de apoio e segurança social estejam em condições de corresponder a todas as situações que lhes são reportadas, em vez de se passarem meses antes de se dar sequência, em tempo útil, às sinalizações encaminhadas para as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens e que as diligências feitas não acabem em arquivamento, com base no argumento de que existe uma capacidade de resposta limitada e que há casos mais graves.
As intervenções para solucionar todos os problemas que a pandemia deixou mais expostos, não podem ater-se ao que se faz dos portões das escolas para dentro, em especial em alturas quando os alunos ficam deles para fora, 24 horas por dia, 7 dias por semana, nos seus contextos e circunstâncias de origem. Quando o enorme amortecedor que é o sistema público de ensino na sua vertente física e presencial deixa de funcionar em regime de proximidade plena. Nem pode ficar pelas promessas para consumo mediático ou por medidas avulsas para exploração demagógica.
Não chega entregar computadores aos alunos para que eles – e suas famílias – fiquem capacitados para um período de ensino não-presencial de várias semanas. É necessária uma intervenção muito mais profunda e concertada que permita minorar de forma significativa as desigualdades pré-existentes e não enveredar por meras estratégias de cosmética ou remediação superficial. É necessário rever as condições de trabalho em termos de horários e política de rendimentos. Muitas crianças e jovens não podem depender das escolas dez horas por dia e depois ficarem quase entregues a si mesmas, porque os seus familiares têm empregos precários, com horários desregulados e uma segurança social que se afunda em procedimentos burocráticos quando são necessários apoios de emergência.
As escolas podem muito, mas não podem tudo. A pandemia mostrou-nos o muito que podem, mas de igual forma as suas limitações e a medida do papel que desempenham para além da função educativa, de substituição das famílias e de apoio social. Podem aspirar a funcionar como oásis, mas não funcionam a tempo inteiro e deve ter-se em atenção que essa não deve, nem pode, ser uma aspiração sua. Os alunos quando saem dos portões, não podem sair para um deserto que assim continua, porque se considera ser demasiado difícil transformá-lo, pelo que é mais simples deixá-los o máximo de tempo dentro das escolas. E se algo não corre bem, é porque os professores precisam de “formação” nesta ou aquela área. Não, os professores precisam de não ser explorados e esgotados em múltiplas funções, para não ser contratado pessoal especializado, devidamente formado para funções demasiado específicas para ser desempenhadas com base no “jeito” de cada um.
A pandemia, não apenas na área da Educação, ajudou a desviar o espesso véu que tem coberto a dualidade que se mantém na sociedade portuguesa, assim como os elevados níveis de desigualdade que tornam impossível falar em equidade apenas a partir das medidas implementadas nas escolas. O maior problema é que se nota um esforço mal dissimulado para repor esse véu e dar a entender que tudo se acabará por resolver com uns milhares de computadores, mais semanas de aulas ou escolas de Verão. Nada de mais errado. Essas medidas não passam de panaceias de curto efeito. A “doença” só desaparecerá quando se tiver a coragem de a combater de forma continuada para além dos portões das escolas.
4ª Feira
Muita conversa acerca do aumento do número de candidatos ao Ensino Superior e da decisão de aumentar as vagas disponíveis. Muita propaganda em torno disso como se fosse o resultado de uma política planeada, o que seria paradoxal atendendo à surpresa mostrada. O aumento de candidaturas é natural devido à conjugação de dois factores: o aumento da escolaridade para 12 anos em 2009 e a evolução dos resultados em exames nacionais, em especial os do ano passado, que permitiram que muito mais alunos estivessem em condições de ingressar nas Universidades e Politécnicos.
Quanto ao aumento de vagas, pelo que se vai percebendo, resulta em parte da conversão para o contingente geral de vagas que estavam reservadas a contingentes especiais, como o dos estudantes estrangeiros em diversas instituições. Perante os efeitos da pandemia na menor mobilidade dos alunos, é previsível que parte dessas vagas fique por ocupar, pelo que serão redireccionadas.
Note-se ainda que nada de concreto se sabe, pois o mais certo é estarem á espera de saber o número de candidaturas, para só depois decidir que vagas passam para o contingente geral. Ou seja, as vagas não aumentam, apenas mudam de destinatários e só quando se perceber até que ponto se reduzirá a procura por alunos estrangeiros, muito atractiva porque pagam propinas bem mais elevadas do que os estudantes nacionais.
O resto não passa de fumaça.