Dia: 5 de Novembro, 2021
O Centeno De Harvard Y Eurogrupo Continua Entre Nós
Em trânsito, ligo a TSF para ouvir o noticiário da uma e levo com o Centeno a fechar umas conferências do Global Media Group ou algo parecido (o grupo que tem o DN, o JN, a TSF). Não sei o que estava a dizer, antes, mas apanhei-o num rasgadíssimo elogio à “banca”, não sabendo eu se está a incluir todos os bancos que nos andam a sacar dinheiro a sangue frio há uns 15 anos, entre imparidades e impurezas.
Mas como ele é um tipo bem disposto, disse que ia acabar a intervenção com uns números muito giros e jeitosos sobre a retoma económica e assim demonstrou o quanto valeu todo aquele tempo que andou na Ivy league em termos de análise económico-financeira.
Então é assim: com base em três semanas de pagamentos por cartão bancário no sector da hotelaria e restauração, o excelentíssimo governador do Banco de Portugal extraiu as seguintes constatações/conclusões:
- Se o ritmo de crescimento destes pagamentos se mantiver (como tem acontecido desde o fim do confinamento) até final do ano, atingir-se-á um nível de actividade ligeiramente superior ao equivalente em 2019.
- A retoma está poderosa e a actividade num sector tão crítico ainda tem margem para maior crescimento, porque há subsectores que ainda não arrancaram por completo.
O que é que o homem parece não ter constatado:
- Os pagamentos com cartão bancário aumentaram significativamente desde o início da pandemia e assim se tem mantido, havendo pouco dinheiro fresco a trocar de mãos, mesmo quando se trata de uma bica e um bagaço ou uma bica e um pastel de nata (muito uso da MBWay nestes casos de pagamentos mais baixos).
- Parte da actividade da restauração continua a ser feita através de serviços de comida ao domicílio (Globo, Über Eats, etc), a qual também é feita exclusivamente na base das transferências digitais.
- Quando se parte de uma base muito baixa, o crescimento é inicialmente muito significativo, reduzindo-se o ritmo de crescimento de forma progressiva, pelo que extrapolar seja o que for a partir daquela amostra equivale a acreditar que um carro consegue aumentar de velocidade de forma constante, com base na aceleração dos 0 aos 50 ou 100 km/hora.
- Ou seja, pode concluir-se que há um aumento do valor das operações que envolvem o uso dos cartões, mas nada se pode dizer de verdadeiramente rigoroso, pelo menos com base nos dados que o doutor de Harvard Y Eurogrupo refere, acerca da efetiva facturação do sector em causa.
Mas o mais certo é eu estar errado, equivocado, ignorante de tantas outras variáveis, ppis não passo e um zeco com um arcaico curso de História e uma mera cadeira de Metodologia de História Económica num mestrado pré-bolonhês, sem qualificações ou competência para ser pago para produzir propaganda a partir de um cargo que só ocasionalmente é tratado com o respeito e dignidade que deveria merecer.
Uma Proposta A Bem Da Nação
Após anos e décadas de exposição de brilhantes teoremas e teorias sobre a acção política e seus derivados, acho que um grupo de destacadíssimos opinadores televisivos (e outros que ainda lá chegarão a tempo mais inteiro) deveriam ter direito a presidenciar Portugal em regime de semestres. Há urgência numa qualquer emenda revisionista da Constituição que nos permita uma rotação na Presidência da República semelhante à que acontece na União Europeia. Deixava-se o Marcelo completar este semestre e depois podíamos ter uma sequência virtuosa, porque claramente pluralista nos olhares, tendências, taras e manias, deste tipo:
- 2º semestre de 2022: José Miguel Júdice, para nos demonstrar como a mão invisível do mercado saberia colocar o Estado ao serviço dos particulares certos.
- 1º semestre de 2023: Daniel Oliveira, para que pudéssemos recuperar uma presidência em modelo histriónico, verborreico e esbracejante.
- 2º semestre de 2023: Marques Mendes, para que fosse possível prever o passado de forma rigorosa e encarar o futuro a partir de uma perspectiva alavancada no conhecimento de mais tricas que a tia isaltina do 5º esquerdo.
- 1º semestre de 2024: Pacheco Pereira, para que, finalmente, conseguíssemos perceber qual é “o verdadeiro problema do país” e a forma mais lenta de o explicar.
- 2º semestre de 2024: Paulo Baldaia, para ser mais rápida a comunicação entre o mundo político e a sua extensão mediática.
- 1º semestre de 2025: Susana Peralta, para descobrirmos como seria o combate às desigualdades que nunca tínhamos reparado existirem em Portugal. E para darmos diversidade à coisa.
- 2º semestre de 2025: Miguel Sousa Tavares, para que fosse possível vivermos num mundo em que a ficção se tornasse a realidade oficial.
- 1º semestre de 2026: Maria João Avillez, porque sim, porque fica bem, porque afinal já andou com os outros todos ao colo.
- 2º semestre de 2026: Rui Ramos, para recuperarmos as velhas virtudes nacionais, desbaratadas desde o 5 de Outubro e da chegada ao poder do Afonso Costa.
A Ler
As notas subiram, mas as desigualdades aumentaram e a falta de professores agudizou-se.
(é uma estratégia pouco inovadora de aumentar o valor absoluto, para ocultar as perdas relativas)
6ª Feira
Passaram o quê? Sete semanas, já? Pareceram lentas, mas ao mesmo tempo acabou por ser o tédio a assegurar-me uma sobrevivência que, confesso, no início de Setembro, não achava ter garantida. Não o tédio nascido do nada acontecer e da rotina instalada, ponto final, mas o tédio do “olhem tanta coisa nova, mas que parecem coisas velhas e apresentadas por quem até parece que nem as percebe bem como eu as aprendi há 25 anos”. O tédio nascido da novidade velha, que faz quase desligar o cérebro e assim conseguir alguma imunidade contra a imbecilidade, a idiotice e a redundância. Sim, há algo que fenece cá por dentro, mas ao menos isso permite que o resto consiga resistir e manter o interesse por tudo que, fora do parolismo intelectual em que se transformou a Educação entre nós, vale ainda a pena desfrutar. Afinal, há muita vida para além dos portões, como sempre existiu. O erro foi, em dado momento, pensar-se que se podia mudar algo de relevante contra a maré de embrutecimento.
A liberdade também se atinge pela negativa. Ou seja, o não fazermos algo a que nos querem obrigar e assim ficarmos com disponibilidade para outro tipo de voos. Até porque os tempos são de aves de rapina, mas daquelas que voam baixinho. E assim, sempre as podemos observar com inegável desinteresse.