Mês: Dezembro 2021
O Homem Que Reconhece A Si Mesmo Muitas Qualidades E Obras Feitas
Em tempos de final de mandato, o ministro Tiago da Educação dá uma longa (e até com transcrição repetida de algumas questões e perguntas) entrevista ao Jornal de Letras, na qual se percebe até que ponto está convencido de ter feito uma obra que na verdade outros fizeram atrás do seu nome. A bem da clareza – e até porque ele já disse publicamente que me desconhece e ao que escrevo, o que só abona em favor da imagem que dele tenho – convém deixar bem explícito que mantenho a ideia de que ele foi apenas uma cabeça falante colocada no ME para gerir as expectativas de algum sindicalismo docente e do super-Mário até aos limites da razoabilidade, missão que desempenho com competência durante até aos referidos limites da razoabilidade. E o que diz do assunto não contraria nada esta leitura, pois confirma que lá esteve para reduzir o “ruído” e o “desconforto” que antes existiriam.
Quanto ao mais, outros governaram por ele, seja Alexandra Leitão, de forma inflexível, na parte da gestão escolar, da carreira docente e da avaliação do dezempenho, seja João Costa na parte da organização curricular e da implementação das suas teorias na área pedagógica. Em termos operacionais, na parte dos “programas” dominantes de “combate ao insucesso”, os primeiros anos foram marcados pelo PNPSE de José Verdasca e os últimos pelo MAIA de Domingos Fernandes. Em matéria de “inclusão” a eminência parda foi David Rodrigues. Em matéria de “formação” sobre flexibilidades e coisas assim sabe-se que quase tudo foi deixado a cargo do par Cosme/Trindade, cada um em sua função. Sobre estes temas, o ministro Tiago limitou-se a aparecer e a falar de acordo com o guião. Sempre que dele saiu, ou não disse nada de substantivo ou disse asneira. Em termos políticos, parece que tem peso na sua região de origem, mas em termos nacionais, a política da Educação foi defendida pelo deputado Silva, de sua graça Porfírio, no Parlamento, e de modo menos público muito foi controlado a partir de um núcleo “nortista” do PS, em articulação com o SE Costa que sempre fugiu das matérias mais polémicas na relação com a classe docente.
Atendendo a esta minha leitura destes seis anos, a entrevista do ministro Tiago representa uma espécie de bailado sobre o vazio e um auto-elogio que só pode resultar de um auto-convencimento pouco sadio ou de um quase total solipsismo em relação à realidade que quase todos observamos (mesmo @s que não o admitem).
Mas fiquemo-nos por algumas passagens da dita entrevista, começando pelo primeiro destaque, no qual se nota logo o tom do resto:
Pronto, o ministro Tiago Acha que cumpriu “mais plenamente um conjunto de desideratos e compromissos”, restando saber quais eram, para além dos que ele próprio enuncia de um modo que revela ou ingenuidade ou algo mais estranho:
O ministro Tiago acha que devolveu “uma certa normalidade e qualidade às políticas educativas” o que não é coisa pouca de afirmar acerca de si mesmo. O problema é quando entramos no reino da fantasia e da fuga à verdade como nesta parte:
O senhor ministro Tiago que chegou ao cargo em finais de 2015, diz que “desde esse momento passou a a haver progressão na carreira”, o que dá vontade logo de lhe dirigir uns impropérios à capitão Haddock, até por ser uma mentira facilmente verificável e absolutamente desnecessário. E, de certa forma, também nos diz muito acerca da pessoa que faz esta afirmação.
Como nos dizem muito as passagens sobre o balanço do(s) seu(s) mandato(s) e as suas aspirações futuras de continuar ministro, que nunca nega, preferindo aquele discurso “redondo” de político de terceira ordem, ideal para estes tempos de neo-aparelhistas com imensa flexibilidade vertebral.
Há sempre mais coisas para fazer… era improvável ter sido ministro, mas voltou a ser o que era mais improvável ainda, pelo que se for ainda mais uma vez, apenas acrescenta improbabilidade às coisas. Não é capaz de dizer que não quer mais porque, já se percebeu, quer.
Mesmo se continua com uma enorme falta de conhecimentos sobre a História da Educação em Portugal, mesmo em aspectos que apresenta como testemunhos pessoais. Veja-se esta passagem:
Não sei a que “tempo” se refere o ministro Tiago, visto que a escolaridade obrigatória passou a ser de 9 anos (até aos 15 anos de idade) com a Lei de Bases do Sistema Educativo (cf. artigo 6º da Lei 46/86 de 14 de Outubro), quando ele tinha apenas 9 anos e ainda andaria no 1º ciclo. Um tipo já nem estranha este tipo de coisas porque, em boa verdade, não se espera mais do que isto.
6ª Feira
O caso do E360 é apenas mais um exemplo de que a conversa da “autonomia das escolas” não passa de uma falácia, assim como o discurso contra a “centralização” excessiva dos procedimentos relacionados com os concursos de professores não passa de uma hipocrisia. Portanto… fazer um concurso único para umas dezenas de milhar de professores é algo “centralista”, quiçá “estalinista” e atentatório da “autonomia” e “liberdade” das escolas, mas obrigar todas as escolas a usarem a mesma plataforma informática para registar todas as informações sobre todos os professores, funcionários não docentes e todos os alunos do sistema público de ensino já será algo “descentralizador” e um elemento de “autonomia” e “liberdade” das decisões a nível local?
A obrigação de todos os agrupamento e escolas públicas usarem um programa único tem uma lógica obviamente centralista, seguindo o que já tem sido tradição no passado com o controle extremo de toda a informação disponível nas escolas públicas. As escolas que usam plataformas como a INOVAR ou o GIAE, por críticas que mereçam, estavam a começar a estar ambientadas e a funcionar em velocidade de cruzeiro ao fim de alguns anos, quando surge esta imposição para passar tudo para uma plataforma que desde 2017 terá custado, pelas minhas contas, cerca de um 3 milhões de euros para funcionar mal quando se chega ao final dos períodos, desaparecendo opções de acesso e tratamento da informação devido a “sobrecarga” de acessos, o que é ridículo. Sim, as escolas pagam a utilização daquelas plataformas, mas o E360 só é “gratuito” no sentido em que o pagamento (avultado) é feito a partir do poder central. Desde 2017 que está em implementação gradual e ainda tem “bichos” por tudo o que é sítio e uma lógica de funcionamento à informático puro que desconhece a melhor forma de organizar a informação de uma escola e de com ela trabalhar. Tarefas que deveriam conseguir fazer-se com um par de cliques, no E360 precisam de 4 ou 5 passos para se completar, quando aquilo não fica ali a “pastar”. em blocos de 90 minutos, os sumários têm de ser feitos à unidade. O sistema de registo e organização das faltas é, no mínimo, peculiar. O ano passado, a opção para justificar várias faltas ao mesmo aluno (ou a vários pelo mesmo motivo), a certa altura também desapareceu e só quem passou por ter de justificar faltas causadas pelo isolamento profilático de vários alunos pode avaliar a estupidez de se ver obrigado a fazê-lo aula a aula (10 dias de faltas a 5-8 tempos diários dá para ter uma escassa ideia da parvoíce de o fazer e a cada justificação o sistema voltar sempre à primeira página das faltas).
O dinheiro enterrado e o tempo que já passou deveriam ter sido suficientes para aquilo ser algo que facilitasse o trabalho, não que o tornasse pior do que nos tempos de fazer cruzinhas manualmente em tabelas de faltas e depois ir lá fazer círculos nas justificadas, antes de somar tudo e fazer os cálculos. A “transição digital” nas escolas é esta vil e apagada tristeza e há uns dias atrás o Arlindo divulgava a resposta dos serviços do ME que o impedem de fazer um contrato que melhore as condições de acesso à net no seu agrupamento, pois “As velocidades de download/upload não podem ultrapassar o mínimo necessário, ou seja 100/20.”
Simplex? Modernização tecnológica? Autonomia?
A sério?
Boa Noite
Contém uma importante diferenciação acerca do que se designa “radicalização”, não amalgamando tudo, como dá mesmo jeito a certos “moderados” que, numa das suas variantes, apelam de forma implícita a uma certa forma de apatia.
O E360 Na Sábado
Ficam três excertos da peça da Sábado com o essencial das declarações do Arlindo, do Filinto, assim como das minhas e de uma colega que preferiu o anonimato. Note-se o requinte de afirmarem que desactivaram a opção e descarregar as fichas por causa da “sobrecarga”. Mas… afinal não sabiam que era final do período?
O Vazio Ao Poder
O Meu Copo Ficou Vazio
Como já vi por aí (nas famosas “redes sociais”) a transcrição do texto para o podcast do SIPE, mais vale deixá-lo no “lugar do dono”.
O meu copo ficou vazio
O debate sobre a Educação em Portugal atravessou diversas fases nas últimas duas décadas, tendo chegado em alguns momentos a ser brutalmente conflitual e tóxico. Mas, nos últimos anos, foi-se esvaziando, ficando cada vez mais domesticado, desaparecendo quase por completo qualquer debate de ideias ou discussão de alternativas ao que vamos tendo como modelo único de políticas educativas.
Talvez por ter desaparecido quase por completo das prioridades do debate político, mesmo quando se tonou necessário falar acerca do ensino presencial e não presencial, a Educação tornou-se uma área da governação em que só de forma epidérmica e isolada surge algum contraditório a um estado de coisas que parece ter vindo para ficar, apesar da enunciação de muitas discordâncias e resistência ainda há não tantos ano assim.
Este estado de adormecimento e apatia não foi atingido por acaso, não aconteceu por estar natural mente inscrito na evolução natural das coisas, muito pelo contrário. É o resultado de uma estratégia que teve sucesso na eliminação, silenciamento ou confinamento das posições críticas, através da sedução ou cooptação de sectores da opinião que antes contestavam muitas das políticas implementadas desde os primeiros anos do século XXI.
Da gestão escolar à gestão do currículo, do modelo de avaliação das aprendizagens dos alunos ao modelo de carreira docente e de avaliação do desempenho, não esquecendo a forma de conceber a docência como uma variante de trabalho administrativo ou burocrático, qualquer oposição crítica foi apresentada como “ruído”, adjectivada como resultante de uma visão arcaica da Educação, enquanto se foi cobrindo tudo com uma retórica que usa termos que parecem de uma bondade inquestionável, mesmo se não correspondem às práticas efectivas.
Autonomia, colaboração, flexibilidade, inclusão, inovação foram apenas alguns dos termos que serviram para encher o copo de todos aqueles que surgiram associados ao novo poder na Educação desde 2015, apresentando como se fossem imensas novidades, conceitos e práticas que remontam a momentos diversos da evolução do pensamento educacional e pedagógico dos séculos XIX e XX. E assim se procurou dividir as águas de forma simplista, demagógica e maniqueísta entre “bons” e “maus”, “velhos” e “novos”, “inovadores” e “conservadores”, não hesitando em arregimentar considerações de natureza “moral” contra quem ousou criticar a deriva das políticas educativas para uma espécie de pensamento único que apresenta a “Educação do século XXI” como se tivesse apenas um caminho de sentido único e não como algo necessariamente plural.
E assim se encheu por completo o copo de uns, enquanto se esvaziava por completo o de outros. De um lado ficaram todos aqueles (a que costumo chamar cortesãos, porque tudo isto me faz lembrar o “paradigma” da lógica feudo-vassálica medieval) que aceitaram entrar, do lado das “soluções”, no jogo do funcionamento hierarquizado das escolas, da atomização curricular ao serviço de interesses micro-ideológicos que menorizam os saberes “tradicionais” em favor de sabores do momento, na teia da identificação de áreas prementes de formação que alimenta as clientelas académicas que fizeram essa mesma identificação, no culto do “sucesso” que é nuclear para a aferição das aprendizagens dos alunos, mas que é sujeita a quotas quando se trata de avaliar o desempenho docente.
Pessoalmente, não hesito em colocar-me do lado daqueles que ficaram com o copo vazio, porque vi desertar da “luta” concreta, no tempo certo, muitos do que se opunham à lógica da fragmentação municipal da gestão da Educação ou do modelo unipessoal baseado na obediência hierárquica da gestão escolar. Porque assisti à cristalização de um modelo de avaliação do desempenho docente que se diz norteado pelo reconhecimento do “mérito”, mas que na generalidade das situações premeia a representação do desempenho e a adesão às práticas que as “lideranças” pretendem aplicar para que elas próprias possam ser favoravelmente vistas pelo poder tutelar, central ou local. Porque discordo de um currículo fatiado de acordo com os gostos pessoais deste ou aquele governante ou eminência parda que considera que a Filosofia ou a História são conhecimentos antiquados a substituir por salpicos da espuma dos dias, em forma de filosofias ubuntus ou meditações de fim de semana. Porque acho um erro enorme definir-se como padrão apenas o “essencial” em matéria de aprendizagens, como se a “inclusão” só fosse possível reduzindo o Conhecimento a um esqueleto descarnado de conteúdos desarticulados.
Para o ano de 2022 que começa com campanha eleitoral não guardei quaisquer especiais esperanças que o meu copo receba, sequer, umas pequenas gotas que evitem que fique definitivamente seco, pois sei que, quer os poderes que estão, quer aqueles que poderiam estar, estão de acordo em considerar que o copo está cheio, ou quase, apenas discordando acerca de quem decide com o quê e quem pode beber.
Este Mês, No JL/Educação
Os textos são entregues com mais de uma semana de antecedência, portanto, não é sobre a reabertura das escolas, vacinação, etc. Ainda não encontrei a edição em papel, portanto, segue a original, versão pré-AO, com as notas de rodapé que desaparecem quase sempre na versão impressa.
Incapacidades Digitais
Quando 2021 se aproxima do fim e se fala em nova vaga pandémica, cortesia da nova variante Ómicron, volta a ser necessário considerar a hipótese, certamente indesejável, de regressar algum tempo ao ensino não-presencial ou, pelo menos, a uma modalidade híbrida, combinando aulas presenciais com trabalho (síncrono ou assíncrono) remoto.
Para que isso aconteça perturbando o mínimo possível as aprendizagens dos alunos e a equidade do acesso destes às tarefas a desenvolver, é importante que se perceba até que ponto avançámos na identificação das dificuldades verificadas nos períodos anteriores de recurso ao ensino não-presencial.
Isso passa pela disponibilização do material tecnológico e das condições para o seu uso pelos alunos, mas de igual forma pelo conhecimento das competências digitais dos docentes para desenvolverem um trabalho produtivo e consequente. Esse conhecimento deve procurar ser objectivo e servir para a adopção de medidas eficazes e a definição de políticas com alicerces na realidade existente e não obedecer a critérios de oportunidade política ou interesses particulares que resultem da necessidade de encontrar necessidades onde não existem para justificar decisões pré-definidas.
Após quase dois anos civis de pandemia que atravessam três anos lectivos, continuamos a padecer do mesmo tipo de insuficiências que se detectavam nos primeiros meses de 2020. A escala pode ser menor, mas a sua natureza não mudou. Ou seja, não se pode falar de modo algum numa “Escola Digital” quando se adia o equipamento das escolas, alunos e professores para um ensino que integre um componente digital de qualidade e extensível a todos numa situação de alguma equidade. Não chega ter ido comprar à pressa uns “kits tecnológicos” low cost para acudir à urgência inicial. Deu para resolver tardiamente as necessidades mais básicas, mas está longe do indispensável para que as escolas estejam equipadas para um ensino remoto ou híbrido que não volte a depender muito dos meios privados das famílias dos alunos ou dos próprios docentes. Com o mês de Dezembro já avançado, foi notícia que estavam em distribuição mais 600.000 computadores para os alunos do ensino obrigatório (Jornal de Notícias, 7 de Dezembro de 2021), mas a verdade é que muito poucos terão chegado às mãos dos necessitados, caso em Janeiro se torne prudente o recurso a mais de uma semana sem aulas presenciais. A lógica do custo mínimo, o que acaba por ser, a médio prazo, uma opção errada.
Se para os alunos quase tudo tem tardado, para as escolas nem sequer chegou o que foi sendo repetidamente anunciado. A banda larga continua a ser minguada, tornando impraticável o desenvolvimento de tarefas em sala de aula com recurso síncrono a 20-25 equipamentos individuais. Mesmo as salas equipadas com computadores em tempos mais ou menos remotos não são, nem de muito longe, em quantidade e qualidade que permitam um trabalho consequente de ambientação dos alunos às plataformas mais comuns para o desenvolvimento das suas competências digitais ou para a realização de tarefas das diferentes disciplinas. No início de 2021 falou-se muito no Plano de Transição Digital para as Escolas que, entre outras coisas, prometia “conectividade móvel gratuita para alunos e professores”, mas até este momento isso não passa de uma miragem.
Exemplifico com uma situação concreta: lecciono numa escola com mais de 600 alunos que dispõe de apenas duas salas com computadores, sendo que as minhas turmas têm 28 alunos e a sala com mais equipamentos tem 14, mas que não conseguem estar online em simultâneo para a realização de um quizz. Isto se as salas estiverem disponíveis e não ocupadas nas aulas de T.I.C., uma disciplina que tem tido imensos problemas ao nível do recrutamento de docentes e que, por isso mesmo, nem sempre pode funcionar (nem a sua carga horária permite) como apoio ao trabalho dos alunos nas restantes disciplinas, nomeadamente na criação de e-portefolios.
Entretanto, foi apresentado publicamente como sendo um “estudo”, aquilo que, na sua origem, se limitou a ser o resultado das respostas dos docentes um inquérito europeu sobre “Capacitação Digital” no âmbito do projecto (de 2017, sendo anterior à pandemia) The European Framework for the Digital Competence of Educators (DigCompEdu) [i]. O questionário designado como Check-In procurava fazer uma aferição do que os próprios docentes consideravam ser as suas competências digitais em seis áreas, mas prestava-se a equívocos no modo como foi divulgado, pois não era claramente perceptível que inquiria o que os docentes conseguiriam fazer, caso dispusessem de meios para tal, pois apresentava-se como “um questionário de autorreflexão” e muitos respondentes fizeram-no a pensar no seu quotidiano concreto e não num cenário ideal.
Na introdução às secções B a G do dito questionário, podia ler-se “suponha que tem as condições adequadas no seu contexto de trabalho (disponibilidade de equipamentos eletrónicos e acesso à internet para professor e alunos) e selecione, para cada uma das afirmações, a opção que melhor reflete a prática que sente ser capaz de realizar”, mas quase tod@s @s colegas com quem falei respondeu sem atender a esse esclarecimento. Eu próprio comecei a fazer o questionário até notar nesse detalhe, sendo obrigado a reiniciar o processo de respostas de forma a corresponder ao que seria “capaz de realizar” e não apenas ao que é “possível realizar”. Em muitas questões, a diferença na pontuação final obtida estava na escolha entre as opções em que se considerava fazer “regularmente” ou “sistematicamente” determinada tarefa. Essa diferença remete mais para a frequência com que se faz algo e não necessariamente para a competência para o fazer, pelo que parte das conclusões extraídas desses resultados podem estar a basear-se num equívoco.
Isso não impediu, contudo, que a equipa da Universidade de Aveiro que tratou os dados disponibilizados pelo Ministério da Educação considerasse que tinha feito “um estudo pioneiro”, avançando com conclusões que “apontam para um nível de proficiência médio global correspondente ao nível intermédio B1, que se pode considerar baixo” [ii]. Lendo-se o estudo em si mesmo (Margarida Lucas e Pedro Bem-haja, Estudo sobre o nível de competências digitais dos docentes do ensino básico e secundário dos Agrupamentos de Escolas e das Escolas Não Agrupadas da rede pública de Portugal Continental. Aveiro: Junho de 2021), encontram-se muitos dados interessantes, mas algumas conclusões que parecem algo apressadas como aquelas sobre os grupos de recrutamento mais ou menos proficientes em competências digitais. Por exemplo, “conclui-se, ainda, haver uma heterogeneidade nos níveis de proficiência entre grupos de recrutamento, sendo os grupos 110, 260 e 310 aqueles cujos docentes apresentam níveis mais baixos de proficiência. Já os docentes que apresentam níveis de proficiência mais elevados pertencem aos grupos de recrutamento 290, 350, 540 e 550”, não se explicando as especificidades de alguns desses grupos ou sequer a sua relevância na amostra. O grupo 110 (1º ciclo) corresponde às respostas de mais de 20.200 docentes (mais de 20% da amostra), mas o grupo 310 (Latim e Grego) corresponde apenas às de 26 docentes; por outro lado, o grupo 550 (com quase 3000 respostas) corresponde aos docentes de Informática, sendo de espantar se não estivessem entre os mais competentes no uso de ferramentas digitais. Curioso é que só encontremos 54% dos docentes deste grupo nos dois níveis mais elevados de proficiência digital.
E não poderia faltar o habitual apontar de dedo aos mais velhos, afirmando-se que “parece haver um aumento da proporção de docentes nos níveis mais baixos de proficiência à medida que a faixa etária sobe”, o que é uma evidência natural, mesmo se nem sempre facilmente comprovável: dos 25 aos 29 anos há 7% dos inquiridos nos níveis mais elevados de proficiência, mas o valor desce apenas para 6% acima dos 60 anos e tem os valores mais altos entre os 40 e os 49 (10%) e os 50 e os 59 anos (9%).
Se todos estes elementos podem ser úteis para o conhecimento da realidade, seria importante que a recolha da informação fosse feita de um modo mais claro e o seu tratamento menos ditado por agendas políticas. O conhecimento não é neutro, mas poderia estar menos comprometido com os interesses dominantes dos dias que acabam por passar.
[i] Disponível em https://publications.jrc.ec.europa.eu/repository/handle/JRC107466 (consultado em 20 de Dezembro de 2021)
[ii] Notícia disponível em https://www.ua.pt/pt/noticias/9/72620?fbclid=IwAR1dT4yYv4tTF5Mwcb8r-VrUzM616HEpilBroPJmcdY6hlgVtajVO24H0QQ (consultada em 20 de Dezembro de 2021).
5ª Feira
A finalizar o ano, uma experiência nova. Um texto para ser lido no podcast do SIPE com uma espécie de balanço pessoal da Educação que temos. É estranho ouvir ler o que escrevi. Mas mais adiante colocarei aqui a verborreia completa.
Boa Noite
Nada disto é novo.