Dia: 5 de Dezembro, 2021
O Que Alguma Gente Não Entende
Há coisas que se percebe que escapam claramente a mentes que, em ambiente de “investigação”, de observação externa e de conceptualização em abstracto, produzem documentos como este, de Domingos Fernandes, sobre as famosas “Rubricas de Avaliação” que ele considera “um procedimento bastante simples para apoiar a avaliação”. O que ele claramente não entende é o que, por causa de um formalismo metodológico que não substitui com vantagem uma explicação simples e directa por parte do professor aos alunos, o tempo para dinamizar as aprendizagens dos alunos (porque a ele não interessa em primeiro lugar o “ensino”) fica fortemente comprometido.
Já escrevi sobre isto mas volto a bater no mesmo ponto: em disciplinas cuja carga horária foi reduzida para 90 minutos semanais (ou 2 tempos de 50), os seus docentes estão obrigados a ter 11 ou mesmo 12 turmas para terem um horário completo (sem Direcção de Turma). È o caso de muitos professores contratados de disciplinas que foram transformadas em meros apeadeiros curriculares no horário semanal (Educação Musical, Educação Visual, História, Francês, mas também TIC e o que mais inventaram por aí). mesmo com 3 tempos lectivos semanais, um horário só fica completo com 7 ou 8 turmas. Se calcularmos a 25 alunos por turma em média, temos horários em que os docentes podem chegar a ter 300 alunos. E não é nada raro que se situem entre os 150 e os 200. Acerca dos quais, o caro propositor das rubricas como maravilhosa ferramenta para a avaliação acha ser possível aplicar o que em seguida se transcreve:
(…) as rubricas deverão incluir o conjunto de critérios que se considera traduzir bem o que é desejável que os alunos aprendam e, para cada critério, um número de descrições de níveis de desempenho. Ou seja, para um dado critério, poderemos ter, por exemplo, três, quatro ou mesmo cinco indicadores ou descritores de níveis de desempenho que deverão traduzir, se quisermos, orientações fundamentais, para que os alunos possam regular e autorregular os seus progressos nas aprendizagens que têm de desenvolver. Assim, numa rubrica, deveremos ter sempre dois elementos fundamentais: um conjunto coerente e consistente de critérios e um conjunto muito claro de descrições para cada um desses critérios. (p. 4)
(…) Tendo em conta o que foi dito anteriormente, uma rubrica de avaliação, em geral, inclui quatro elementos: a) a descrição geral da tarefa que é objeto de avaliação; b) os critérios; c) os níveis de descrição do desempenho (indicadores, descritores) relativamente a cada critério; e d) a definição de uma escala em que a cada numeral, letra do alfabeto ou percentagem, corresponde um determinado indicador ou descritor de desempenho. (p. 9)
E tudo isto deve ser traduzido em velhas grelhas de observação e registo, que agora se designam preferencialmente por “grelhas de monitorização”. A aplicar em cada tarefa desenvolvida na sala de aula a cada aluno, a quem depois deve ser dado o devido feedback com base num esquema que reduz tudo e mais alguma coisa a parcelas e mini-parcelas o desempenho de um aluno.
Claro que depois vem a ladaínha costumeira desta corrente “metodológica” com várias décadas e que diz preocupar-se commo desempemnho dos alunos e não com o trabalho dos professores. Muita gente conhece isto desde o tempo das “pedagógicas” e das profissionalizações dos anos 80 e 90 do século passado. Já então era um pesadelo e não foi por passarmos a usar mais o computador que deixou de o ser. Dá cabo dos “velhos” arrasa os “novos”.
Uma vez que as rubricas estão focadas nas aprendizagens dos alunos, os professores tenderão a centrar-se mais no que os alunos têm de aprender. No fundo, esta ideia implica que o foco tem de ser mais nas aprendizagens do que no ensino, ou seja, mais nos alunos e menos no professor. (p. 7)
O que continua sempre por fazer entrar nestas cabecinhas é que se o professor estiver soterrado na tarefa de micro-registar tudo e mais alguma coisa, é provável que lhe sobre muito pouco tempo para um verdadeiro trabalho individualizado e diferenciado com os alunos.
O que seria importante que percebessem é que a maioria dos docentes não tem 20 ou 25 alunos. No 2º e 3º ciclo, mesmo quem lecciona as disciplinas com mais horas por semana, raramente tem menos de 100 alunos, a menos que tenha já redução de idade e Direcção de Turma.
Mesmo eu que já sou “velho” e tenho DT, tenho 2 turmas, mas dou 2 disciplinas a cada uma delas (Português e HGP ou Português e C.D. ou “CiDe” para os amigos), pelo que tenho 28 alunos a multiplicar por 4, o que dá 112 a quem terei (teria!) de aplicar este sistema parvo, desculpem, sofisticado de monitorização de um desempenho que não é com isto que melhora, sem ser em experiências-piloto escolhidas a dedo ou com uma certa “habilidade” na forma como se “operacionaliza” a coisa (sim, que há quem aplique, mas com a escala a começar no 3 ou no 10, com sucesso garantido à partida).
Todos os dias, para 5 a 7 tempos de aulas, teria de preencher 200 espacinhos (uns dias mais, outros menos) referentes aos descritores de desempenho de cada critério de cada rubrica e o diabo a jet sete. Isto se desenvolvesse apenas uma tarefa em cada um desses tempos. O que não é o caso em muitas situações. Até porque há tarefas que mobilizam (mesmo) competências transversais, abrangidas por várias “rubricas”.
Agora imaginemos quem tem 8, 10 ou 12 turmas. Acham que os alunos ganham alguma coisa com isso? Já sei que os professores não lhes interessam, são meras peças na engrenagem que se ficarem estragadas se substituem (ou não!).
Que venha o doutor Fernandes (não mande os estagiários ou os tarefeiros) e passe um mês a mostrar como se faz na prática e sem fazer batota no fim, dizendo que os alunos aprenderam imensa coisa, quando nem deve ter havido tempo para fazer quase nada a não ser “monitorizar” o quase nada e dar o dito feedback. Ou então mande quem se livrou de dar aulas para fazer parte do “projecto” e de aplicar o que manda aos outros fazer em “formações” requentadas.
Não sei se fui muito polido nas considerações, mas não gosto do cheiro a 2ª feira.
(o António Duarte também abordou hoje este tema, mas misturou as coisas com o papel dos sindicatos e de uma fantasmagórica Ordem e a coisa desviou-se do alvo, ou seja, se é obrigatório ou não entrar na maluqueira, se os CP assim decidiram, se os Departamentos concordaram, etc, etc.)
Domingo
Gosto da forma de pensar deste pessoal que não consegue bater a bota com a perdigota. Primeiro, defendem que a organização das disciplinas em semestres é do melhor, mas depois esquecem-se disso a meio do caminho. Nos casos em que houve semestralização entre disciplinas (Ciências e FQ, História e Geografia, Cidadania e TIC, por exemplo), é retirada uma semana a uma delas que depois é compensada na outra. Ou seja, as disciplinas do primeiro semestre encurtam (na primeira semana de Janeiro) e a “compensação” é dada quando já se lecciona uma disciplina diferente (Carnaval e Páscoa).
Não havia outra forma de fazer as coisas? Haver, havia, mas começava por não terem salamizado o currículo.