6ª Feira – Véspera De Natal

Para a véspera de Natal, crentes ou não, o único desejo possível é que não aumente o clima de irracionalidade e de aberta intolerância perante as posições alheias, de um lado a coberto de uma falsa tolerância condescendente e do outro de uma hipócrita defesa das liberdades. Sim, estou mais de um “lado”, mas incomodam-me alguns “companheiros de estrada”; só que, do outro lado, quase me assustam a sério as atitudes de quem se afirma “independente” mas aparece subitamente com dinheiro disponível para organizar a “resistência”. Posso estar a ser parcial, mas encontro mais dúvidas dos que são acusados de positivistas do que do lado dos relativistas, que tudo colocam em causa, nem sempre pelas razões que publicamente enunciam. As minhas críticas à democracia que temos não são de natureza a pactuar com quem a tenta corroer ainda mais para erguer qualquer coisa que não se percebe bem o que é. As minhas reticências quanto ao neoliberalismo e capitalismo e à apropriação de todos os mecanismos possíveis para a acumulação desigual do capital não significam que pretenda regressar a uma espécie de pré-história dourada da Humanidade porque, no plano politico, nunca existiu. Não sou dos que acham que vivemos no melhor dos mundos possíveis mas, atendendo às alternativas passadas, estes tempos estão muito longe de ser os piores. A democracia ateniense assentava na escravatura e exclusão das mulheres e estrangeiros; Roma inventou o “pão e circo”; no Renascimento singravam os que bajulavam ou convenciam os mecenas a financiá-los; o Iluminismo era para as elites e que me desculpem mas a “pureza original” de certas sociedades ditas “primitivas” tem muito que se lhe diga em matéria de costumes que não pretendo recuperar.

Por isso, neste Natal, gostava da prenda impossível que não passa por uma qualquer comunhão universal de boas vontades, mas apenas pela não progressão descontrolada das hipocrisias e da irracionalidade, não designando enquanto tal um só grupo de opiniões ou ideias, mas todo um modo de debater que cada vez mais despreza qualquer tipo de verdadeira discussão que vise esclarecer em vez de calar ou denegrir o “outro lado”. Exemplifico com algo que lia ontem… alguém recusava ser designado como “negacionista”, mas a sua primeira publicação era explicitamente dirigida aos “aceitacionistas”. Para equilibrar as coisas, também posso referir que não adianta acusar alguém como irracional, se em vez de argumentos lógicos se apresentam posições de autoridade absoluta. Não há prova maior de desorientação do que a incapacidade de manter uma discussão sem a escalada das acusações e ofensas pessoais e o abandono de qualquer sentido ético.

Como escrevi, gostava da prenda impossível, por isso tenho poucas ilusões acerca do que vai ser a variante dominante na discussão pública acerca do que há quem ache ser apenas uma invenção das televisões, como se avida e a morte equivalessem ao destino futuro de um treinador de futebol.

Apesar de tudo, Feliz Natal e não abusem nas rabanadas.

13 opiniões sobre “6ª Feira – Véspera De Natal

  1. Boas festas para si e a sua família e um muito obrigado pela sua intervenção crítica neste espaço que nos ajuda a ter uma consciência mais aprofundada das coisas.

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  2. Obrigada pela lucidez, intervenção crítica, humor e disponibilidade para que nos possamos sentir mais acompanhados e, por vezes, confirmar que afinal não somos os únicos, errados ou certos.

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