O Homem Que Reconhece A Si Mesmo Muitas Qualidades E Obras Feitas

Em tempos de final de mandato, o ministro Tiago da Educação dá uma longa (e até com transcrição repetida de algumas questões e perguntas) entrevista ao Jornal de Letras, na qual se percebe até que ponto está convencido de ter feito uma obra que na verdade outros fizeram atrás do seu nome. A bem da clareza – e até porque ele já disse publicamente que me desconhece e ao que escrevo, o que só abona em favor da imagem que dele tenho – convém deixar bem explícito que mantenho a ideia de que ele foi apenas uma cabeça falante colocada no ME para gerir as expectativas de algum sindicalismo docente e do super-Mário até aos limites da razoabilidade, missão que desempenho com competência durante até aos referidos limites da razoabilidade. E o que diz do assunto não contraria nada esta leitura, pois confirma que lá esteve para reduzir o “ruído” e o “desconforto” que antes existiriam.

Quanto ao mais, outros governaram por ele, seja Alexandra Leitão, de forma inflexível, na parte da gestão escolar, da carreira docente e da avaliação do dezempenho, seja João Costa na parte da organização curricular e da implementação das suas teorias na área pedagógica. Em termos operacionais, na parte dos “programas” dominantes de “combate ao insucesso”, os primeiros anos foram marcados pelo PNPSE de José Verdasca e os últimos pelo MAIA de Domingos Fernandes. Em matéria de “inclusão” a eminência parda foi David Rodrigues. Em matéria de “formação” sobre flexibilidades e coisas assim sabe-se que quase tudo foi deixado a cargo do par Cosme/Trindade, cada um em sua função. Sobre estes temas, o ministro Tiago limitou-se a aparecer e a falar de acordo com o guião. Sempre que dele saiu, ou não disse nada de substantivo ou disse asneira. Em termos políticos, parece que tem peso na sua região de origem, mas em termos nacionais, a política da Educação foi defendida pelo deputado Silva, de sua graça Porfírio, no Parlamento, e de modo menos público muito foi controlado a partir de um núcleo “nortista” do PS, em articulação com o SE Costa que sempre fugiu das matérias mais polémicas na relação com a classe docente.

Atendendo a esta minha leitura destes seis anos, a entrevista do ministro Tiago representa uma espécie de bailado sobre o vazio e um auto-elogio que só pode resultar de um auto-convencimento pouco sadio ou de um quase total solipsismo em relação à realidade que quase todos observamos (mesmo @s que não o admitem).

Mas fiquemo-nos por algumas passagens da dita entrevista, começando pelo primeiro destaque, no qual se nota logo o tom do resto:

Pronto, o ministro Tiago Acha que cumpriu “mais plenamente um conjunto de desideratos e compromissos”, restando saber quais eram, para além dos que ele próprio enuncia de um modo que revela ou ingenuidade ou algo mais estranho:

O ministro Tiago acha que devolveu “uma certa normalidade e qualidade às políticas educativas” o que não é coisa pouca de afirmar acerca de si mesmo. O problema é quando entramos no reino da fantasia e da fuga à verdade como nesta parte:

O senhor ministro Tiago que chegou ao cargo em finais de 2015, diz que “desde esse momento passou a a haver progressão na carreira”, o que dá vontade logo de lhe dirigir uns impropérios à capitão Haddock, até por ser uma mentira facilmente verificável e absolutamente desnecessário. E, de certa forma, também nos diz muito acerca da pessoa que faz esta afirmação.

Como nos dizem muito as passagens sobre o balanço do(s) seu(s) mandato(s) e as suas aspirações futuras de continuar ministro, que nunca nega, preferindo aquele discurso “redondo” de político de terceira ordem, ideal para estes tempos de neo-aparelhistas com imensa flexibilidade vertebral.

Há sempre mais coisas para fazer… era improvável ter sido ministro, mas voltou a ser o que era mais improvável ainda, pelo que se for ainda mais uma vez, apenas acrescenta improbabilidade às coisas. Não é capaz de dizer que não quer mais porque, já se percebeu, quer.

Mesmo se continua com uma enorme falta de conhecimentos sobre a História da Educação em Portugal, mesmo em aspectos que apresenta como testemunhos pessoais. Veja-se esta passagem:

Não sei a que “tempo” se refere o ministro Tiago, visto que a escolaridade obrigatória passou a ser de 9 anos (até aos 15 anos de idade) com a Lei de Bases do Sistema Educativo (cf. artigo 6º da Lei 46/86 de 14 de Outubro), quando ele tinha apenas 9 anos e ainda andaria no 1º ciclo. Um tipo já nem estranha este tipo de coisas porque, em boa verdade, não se espera mais do que isto.

6ª Feira

O caso do E360 é apenas mais um exemplo de que a conversa da “autonomia das escolas” não passa de uma falácia, assim como o discurso contra a “centralização” excessiva dos procedimentos relacionados com os concursos de professores não passa de uma hipocrisia. Portanto… fazer um concurso único para umas dezenas de milhar de professores é algo “centralista”, quiçá “estalinista” e atentatório da “autonomia” e “liberdade” das escolas, mas obrigar todas as escolas a usarem a mesma plataforma informática para registar todas as informações sobre todos os professores, funcionários não docentes e todos os alunos do sistema público de ensino já será algo “descentralizador” e um elemento de “autonomia” e “liberdade” das decisões a nível local?

A obrigação de todos os agrupamento e escolas públicas usarem um programa único tem uma lógica obviamente centralista, seguindo o que já tem sido tradição no passado com o controle extremo de toda a informação disponível nas escolas públicas. As escolas que usam plataformas como a INOVAR ou o GIAE, por críticas que mereçam, estavam a começar a estar ambientadas e a funcionar em velocidade de cruzeiro ao fim de alguns anos, quando surge esta imposição para passar tudo para uma plataforma que desde 2017 terá custado, pelas minhas contas, cerca de um 3 milhões de euros para funcionar mal quando se chega ao final dos períodos, desaparecendo opções de acesso e tratamento da informação devido a “sobrecarga” de acessos, o que é ridículo. Sim, as escolas pagam a utilização daquelas plataformas, mas o E360 só é “gratuito” no sentido em que o pagamento (avultado) é feito a partir do poder central. Desde 2017 que está em implementação gradual e ainda tem “bichos” por tudo o que é sítio e uma lógica de funcionamento à informático puro que desconhece a melhor forma de organizar a informação de uma escola e de com ela trabalhar. Tarefas que deveriam conseguir fazer-se com um par de cliques, no E360 precisam de 4 ou 5 passos para se completar, quando aquilo não fica ali a “pastar”. em blocos de 90 minutos, os sumários têm de ser feitos à unidade. O sistema de registo e organização das faltas é, no mínimo, peculiar. O ano passado, a opção para justificar várias faltas ao mesmo aluno (ou a vários pelo mesmo motivo), a certa altura também desapareceu e só quem passou por ter de justificar faltas causadas pelo isolamento profilático de vários alunos pode avaliar a estupidez de se ver obrigado a fazê-lo aula a aula (10 dias de faltas a 5-8 tempos diários dá para ter uma escassa ideia da parvoíce de o fazer e a cada justificação o sistema voltar sempre à primeira página das faltas).

O dinheiro enterrado e o tempo que já passou deveriam ter sido suficientes para aquilo ser algo que facilitasse o trabalho, não que o tornasse pior do que nos tempos de fazer cruzinhas manualmente em tabelas de faltas e depois ir lá fazer círculos nas justificadas, antes de somar tudo e fazer os cálculos. A “transição digital” nas escolas é esta vil e apagada tristeza e há uns dias atrás o Arlindo divulgava a resposta dos serviços do ME que o impedem de fazer um contrato que melhore as condições de acesso à net no seu agrupamento, pois As velocidades de download/upload não podem ultrapassar o mínimo necessário, ou seja 100/20.”

Simplex? Modernização tecnológica? Autonomia?

A sério?