O PSD deixou cair a proposta do cheque-ensino e da “liberdade de escolha”, mas ela permanece no programa dos seus parceiros preferenciais numa eventual coligação de governo (IL e CDS). Hoje, o porta-voz desses interesses, surge no Público a “argumentar” a favor da ideia que em outras paragens já deu resultados comprovadamente negativos quanto à coesão do sistema educativo, falhando completamente no combate às desigualdades, como pretendem alguns “iluminados” por cá, mais agarrados aos interesses económicos do que as factos. Durante anos apresentaram-nos a Suécia como farol da “liberdade de escolha”, mas há quase uma década que foram abandonando a prática, devido aos maus resultados, até ao nível do desempenho dos alunos. Restam exemplos algo avulsos, onde se destacam as experiências em vários estados dos E.U.A. onde o “cheque-ensino” se traduziu na criação ou agravamento de guetos socio-educacionais, devido à obsessão com a redução de custos com o funcionamento das escolas.
Betsy DeVos’ school choice ideas are a reality in Sweden, where student performance has suffered
Giving Parents More Freedom To Choose Doesn’t Guarantee Better Schools
Ou, o que por cá escondem sem pudor, porque a “liberdade de escolha” também é praticada pelos órgãos de gestão das escolas privadas de topo, que não aceitam alunos “problemáticos” (em termos de aprendizagens, comportamentos, etnia, origem social, etc).
O que poderia Rodrigo Queiroz e Melo defender para tornar menos opaca a situação vivida no acesso aos dados sobre a Educação em Portugal? Que as escolas privadas que surgem engalanadas nos rankings divulgassem os seus dados de contexto socio-económico dos alunos, quantos alunos com necessidades especiais de aprendizagem têm matriculados, qual o peso das minorias étnicas no seu corpo discente, quando cruzado com nacionalidade e nível de rendimentos. Mas isso ele não faz, nem o fazem os que tanto clamaram pela divulgação dos dados das escolas públicas, com o que concordo. O que lamento é que essa malta não tenha depois o decoro de praticar o que exigiu aos outros. Para podermos comparar realidades e perceber que o que está em causa é o “negócio”. RQM não passa de um porta-voz de um grupo de pressão que lhe paga para isto mesmo. Quando necessário, enganar a opinião pública.
A “liberdade de escolha” está no centro do pensamento “liberal”? Sim, como está a aceitação e mesmo legitimação das desigualdades (não confundir com “diferenças”), em nome da “liberdade”. Desculpem lá se remeto para algo que escrevi há mais de uma década sobre o assunto. Quando não era mesmo popular assumir-se a coisa às claras, com a troika a entrar pela porta. Quando muita gente se encolheu e voou baixinho.
Sobre a importância das beldroegas
Há quem considere que o civismo dos britânicos diminui consideravelmente quando pernoitam em terras onde a lei seca não respeita os horários de sua majestade. O mesmo não se pode dizer dos nobres habitantes de Traseiras de Judas, para quem o anúncio de que a aguardente do Morgado seria servida sem encargos para o erário público ou para a bolsa dos contribuintes fazia remontar os índices de politização e criava um sobressalto cívico inusitado. Por essa razão, a venda do Coxa estava apinhada de capotes e samarras, que se misturavam com xailes e capuzes de crianças, cujas mães, não querendo faltar à chamada, receavam deixar sozinhas em casa.
Foi, portanto, no meio de um charivari, onde pontuavam gritos e choros dos gaiatos a quem roubavam o sono, que os candidatos nos últimos lugares das listas dos partidos representados na Assembleia da República que concorriam pelo distrito vieram expor, durante uns generosos três minutos, os benefícios que a sua eleição traria a esta paróquia abandonada por Deus ao frio da planície e à inflação.
Como a espera se atrasara, a reunião iniciou-se com uma detença que, medida em decilitros da famosa aguardente, desculpava já qualquer inexactidão programática dos aspirantes à representação cidadã.
O primeiro candidato tinha defendido que se desconfinassem os rústicos quatro dias na semana, para labutar, e garantia que toda a gente ficaria a pão e água. O segundo pretendeu que se aumentasse a azáfama na jorna dos avós para que o salário dos bisnetos viesse a ser mais largo. O terceiro queria que os mais ricos doassem aos mais pobres até que estes, tornados por sua vez mais abastados, invertessem os papéis com os primeiros. O quarto assegurava que só o Altíssimo nos poderia valer e que não pouparia os joelhos em orações e abstinências para obter a sua intercessão. O quinto sugerira que se criasse um serviço nacional de saúde para os ongulados. O sexto exigia que se penalizasse o labor de quem espolia os outros a retalho, enquanto o sétimo alardeava que se liberalizasse a extorsão quando operada por atacado.
Despachado o primeiro ponto da ordem do dia, era preciso resolver o magno problema que motivara a reunião.
Uma vez que o trator do Mija-na-horta estava em hibernação — vitima de uma carestia do gasóleo de onde só a dádiva de um novo ouro do Brasil ou a costumeira esmola da velha Europa o poderiam arrancar —, restavam a uns poucos fregueses, confinados e sem médico que os atendesse, para se deslocarem à venda no dia da eleição, os préstimos do valente Rosmaninho.
Ora acontece que o ilustre jerico escusara-se e por três razões: tinha-lhe sido negada na Páscoa a dose de vacina, apesar do intenso contacto com a criançada da paróquia; tinha sido ignorado na escolha dos personagens que integrariam o presépio vivo neste Natal; a sua recente vitória como candidato à presidência da junta tinha sido escamoteada, com a justificação de que o presidente eleito não conseguiria firmar assinatura, mesmo que de cruz, pelo seu próprio punho. Sendo assim, não acudiria para carrear eleitores quando lhe sonegavam os títulos e as prebendas conquistados nas urnas. Quem lucra com ela, que alombe com o peso da democracia.
E mais não havendo a tratar, deu por encerrada a sessão e continuou a ruminar as beldroegas nas traseiras da venda.
GostarGostar
Republicou isto em Primeiro Ciclo.
GostarGostar
Obrigada por este texto. Isto é serviço público porque apresenta factos que desmascaram os interesses dos grupos económicos que só defendem a liberdade quando lhes enche a carteira: lucro sem olhar a meios, incluindo o recurso à mentira e contrapartidas a opinion makers.
Contra factos, não há argumentos!
GostarGostar
O mundo anda a virar demasiado à direita e muitos arrepender-se-ão arduamente de a ajudar.
Encantos superficiais com self-mades dourados por fora e podres por dentro só conduzem a formas modernas de escravatura e a atitudes de zombie telecomandado.
GostarGostar
Por cá, a viragem à esquerda só passou um palmo além do centro.
Mas fingiu-se outra coisa e passa por “esquerda radical” quem ajudou a governar ao centro meio esquinado.
GostarGostar
Eu acho piada é certas pessoas votarem por vingança e nem sequer leiam os programas de Educação dos vários partidos.
Iriam ter algumas surpresas caso os leiam…
GostarGostar
É absolutamente execrável que os aspirantes a mandarins de serviço andem a espalhar a ideia dos cheques em nome de uma certa “liberdade”, quando nem sequer têm a dignidade de abordar algumas (já nem digo as principais) problemáticas do ensino hoje, procurando distrair os incautos. Se há tema que a campanha evitou foi falar a sério, foi no ensino. Porque será?????
GostarGostar
Foi preciso a rede escolar ficar toda guetizada para a descobrirem o logro da liberdade de escolha.
GostarGostar