Parece-me que há uma evidência que poucos querem admitir, porque não lhes dá jeito nenhum considerar o que haveria a fazer, acerca da agora tão falada “falta de professores”. Se não há gente formada em quantidade para suprir quem saiu, vai sair e não forma de sair,, mas vai fazê-lo logo que possa, então talvez a maneira mais rápida de resolver só uma parte do problema seria evitar a continuação da sangria, não andando a regatear horas e minutos aos mais “velhos”, infernizando-lhes desnecessariamente o quotidiano com irrelevâncias e redundâncias. Se é verdade que devemos atrair malta nova para as salas de professores e para as aulas, se essa é uma necessidade óbvia, não o é menos que num sistema minimamente razoável é necessário haver quem faça a “transmissão do testemunho”. Embora agora já existam por aí “mentores” a larga postas de pescada (no Observador, onde haveria de ser?) após seis meses de “prática” em apoiar meia dúzia de alunos, ninguém aparece numa escola já ensinado, mesmo que por lá tenha passado poucos anos antes como aluno. Dar aulas não é bem como andar de bicicleta, em que se aprende e pronto. Mas há por aí muita falta de humildade, outra qualidade que parece só ser bem aceite se for praticada em relação às hierarquias.
Por isso, contrariar aquele sentimento de desilusão, desânimo e descrença que leva a maioria de quem anda pelos 60 e poucos (ou menos) e só quer ver a hora de se ir embora, deveria ser uma das prioridades de qualquer gestão de recursos humanos decente, a nível central ou local. Entender que o artigo 79º não é um “privilégio”, que obrigar a preencher horas na escola a fazer o que só se pode considerar tretas, contadas ao minuto, é a forma errada e muito pouco inteligente de querer mostrar rigor. Um “rigor” que se está a ver ao que conduziu. Obrigar a encher chouriços, só porque se acha que os professores “trabalham pouco” e que quem trabalha a sério é quem anda(va) na estiva ou em empregos de baixas qualificações com horários desregulados, é apenas adoptar aquela velha miopia medíocre do “cala-te que há quem esteja pior do tu em Mariupol” ou a trabalhar nos armazéns do [nome de grupo empresarial ligado ao retalho, à escolha]
Se isso chegaria para muita gente não se ir embora à primeira oportunidade? Não sei, mas pelo menos poderia atenuar o ritmo da corrida para a saída.
Só que esta não é uma prioridade central ou local, porque há quem se queira ver livre dos “velhos” o mais depressa possível, seja a que custo for para os alunos (e que tanto amam os alunos, em tese, mas pouco ou nada fazem que o demonstre na prática), para poder melhor moldar os “novos” na lógica da subserviência, da obediência acrítica, do respeitinho pela hierarquia, pelo amochanço, pelo ou te deixas de conversas ou vais-te embora que não te reconduzo. A nível central, ainda falta ajustar contas pendentes com a geração que animou a fronda de 2008-09. Quebrar-lhe a espinha ou fazer essa gente nefanda sair pela porta fora. A nível local, porque já está bem instalada na maioria das “unidades orgânicas” a lógica do modelo de gestão escolar que inverte os princípios da colaboração, da participação e da autonomia profissional dos docentes. Basta ver como, instalados nos cadeirões, quase ninguém contesta o modelo unipessoal a partir do momento em que se sente no centro ou perto de lá chegar. Por isso, querem malta nova, sem memória do que já foi e do que poderia ser, em alternativa ao que é. Gente que se contente com pouco, com horizontes curtos, desde que se lhes assegure um lugar, mais ou menos precarizado e desqualificado. Porque é mais fácil domar quem não conheceu a liberdade, por mitigada que fosse.
Há falta de professores?
Mas, afinal, essa não terá sido uma parte do “plano”, para agora justificar medidas “excepcionais”, moldadas ao jeitinho de quem quer mandar sem oposição? Seja a partir de Lisboa, dos Paços do Concelho ou do gabinete da Direcção? Porque será que há tanta gente que, a nível local, se sente confortável em assumir “responsabilidades” no recrutamento de docentes quando, em tantos casos, a sua competência nessa matéria está por documentar. Quando, em tantos outros, aquilo em que mais se especializaram foi no esmifranço do crédito horário em favor próprio ou do séquito local de súbditos adequadamente colaborantes? Ou na análise detalhada e específica das nervuras da ponta da asa da mosca da fruta?
Estou só a pensar no “meu interesse”? Acredito que estou a penar no interesse de todos os que cheguem aos 35 anos disto e 57 de idade, já que eu não sei se tenho pachorra para chegar aos 40/62 e aguentar os que lá chegaram, aguentam
Até dói de tão verdadeiro.
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Presumo o que fez as contas. Se tiver alguém que ajude , em casa, para colmatar o que falta, sim, aos 60, vir embora; mas há mais gente que não pode dar-se a esse luxo, e tem de se manter estóica e ” não leal”. O horror é perceber o quanto monetariamente , ir embora agora, com 58, ou 60, significa. 700, 800 euros ou 1020eurros e ainda descontar para ORS e adse… é o medo. Como resistir?
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A profissão perdeu toda a atratividade em virtude de atos políticos premeditados com o objetivo de reduzir drasticamente a massa salarial dos professores e qualquer poder reivindicativo que detivessem. Os alunos pré-universitários não são tolos… Tirar um mestrado em ensino garante: precariedade durante 10 anos em média, muitos deles a ganhar para pagar despesas de deslocação, constante erosão salarial (cada vez mais perto do salário mínimo na primeira metade da carreira), assinatura de um contrato sem quaisquer garantias de cumprimento pela parte contratante, horários indefinidos, onde cabe tudo, além do tempo letivo, reforma de miséria numa idade em que já é muito difícil responder a um trabalho exigente como o docente, lidar com constante indisciplina e pressão absurda de outros agentes educativos, pouco reconhecimento social, para não dizer nenhum, férias em época alta, sem escolha para o trabalhador, trabalho ao fim de semana e pela noite fora com muita frequência, etc. Ainda se admiram do descontentamento daqueles que foram enganados e têm de aguentar, pois já estão velhos para mudar de profissão?
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