Domingo

Nas raras ocasiões em que acho que vale a pena argumentar contra posições que leio ou ouço, tento que as minhas opiniões consigam ir além do “acho que…”, embora nem sempre seja possível. Recentemente, em debate com o José Eduardo Lemos sobre a falta de professores, divergimos com clareza no diagnóstico e, por natural consequência, no tipo de soluções. De acordo com ele, a falta de professores deve-se a um conjunto de políticas iniciadas em Janeiro de 2016 e que, na área do currículo, exigiram mais professores para que fossem cumpridas (de acordo com isso, terá aumentado o número de professores em exercício), sendo por isso que passaram a faltar professores. No essencial, foi o que repetiu em artigo no Público de ontem.

Já antes tinha manifestado a minha discordância, pois, por muito que seja crítico da transformação do currículo numa espécie de ementa de “estilos de vida” contemporâneos, secundarizando-se o que se consideram disciplinas “enciclopédicas”, não foi por aí que os professores começaram a faltar.

A carência de professores tem duas manifestações mais evidentes: a saída de muitos docentes, antecipada ou não, e a não entrada de novos, em especial para horários muito precários e incompletos. Pelo meio, há factores adicionais como o aumento das baixas médicas prolongadas de docentes com redução ao abrigo do artigo 78º do ECD e a necessidade de suprir essas necessidades que acabam por corresponder aos tais horários incompletos e de duração nem sempre previsível, o que os torna demasiado precários e financeiramente pouco compensadores para quem tenha de se deslocar de longe ou arranjar alojamento. Adicionalmente, a operacionalização por Nuno Crato da PACC legislada por Maria de Lurdes Rodrigues e uma série de medidas de “poupança” direccionadas à contabilização do tempo de serviço e remuneração dos professores contratados (que surgiram durante o período da troika, mas foram agravadas a dado momento pela SE Leitão, na sua leitura arrevesada das regras para os concurso) levaram, na minha opinião, a que muitos candidatos à docência revissem essa situação e deixassem de concorrer durante alguns anos, só voltando um parte nos anos mais recentes. Nessa conversa, surgiu o Filipe do Paulo, dirigente da Pró-Ordem, a dar a entender que a PACC não teria tido efeito no número de candidatos à docência.

Claro que todas estas opiniões necessitam de alguma fundamentação empírica que não se limite a um “impressionismo”, muito em voga entre nós em matéria de Educação. Isso e citações ad hoc de escritos alheios, de maiores ou menores autoridades na matéria. Para isso, pedi ao Arlindo, que tem coligido estes dados nos últimos 10-12 anos, se me disponibilizava os seus quadros, para não ter de andar a rever contas. E ele teve a simpatia de me enviar os seus arquivos nesta matéria.

E o que dizem esses dados relativamente ao número de candidatos ao concurso externo de professores?

  • No concurso de 2012-13, houve quase 70.000 candidatos no concurso externo. Em 2013-14, ultrapassaram os 66.000.
  • Em seguida, tivemos a PACC, com a primeira prova a acontecer a 18 de Dezembro de 2013 e a segunda a 22 de Julho de 2014, com imensa perturbação em seu redor.
  • O concurso externo de 2014-15 teve regras muito próprias, tornando o cálculo mais complicado. De qualquer modo, a partir das tabelas de “elegíveis” para esse concurso, apresentado como extraordinário, chega-se a um valor pouco acima dos 34.200 candidatos. Uma quebra superior a 50% em relação a dois anos antes. No concurso externo para 2015/16, existiram pouco mais de 46.000 candidatos. Em 2021-22, apesar da progressiva recuperação, o número ainda anda abaixo dos 60.000.

A mim quer parecer que o impacto da PACC foi sensível e demonstrável. Os números vieram depois a aumentar, mas de forma gradual. Houve mesmo um “corte” por ocasião da PACC e negá-lo é mesmo de quem anda fora disto. Mas o Filipe do Paulo há tanto tempo que anda a preparar a Ordem, que já perdeu o norte ao resto. Desculpa lá, mas tens de as ler de vez em quando.

Em seguida, temos a questão “curricular”. Nesse aspecto, lamento mas a carga lectiva não aumentou, pois a CD foi buscar horas, por exemplo, a História. Não foi por aí que a necessidade de professores se fez sentir mais.

Por fim, a alegada questão do aumento do número de docentes desde 2016. Há uma questão prévia a deixar esclarecida que é o facto dos cálculos da PORDATA, a partir dos elementos do ME, considerarem “professores em exercício” todos aqueles que tenham uma colocação, independentemente do nº de turmas ou horas lectivas. O que, com as regras draconianas acerca dos horários incompletos, fez com que aumentasse o nº de contratados com horários muito curtos e que se viram na necessidade de fazer 2 ou 3 contratos simultâneos para conseguirem ter as horas necessárias para que o tempo de serviço fosse contabilizado de forma menos desfavorável. Ter de explicar isto a dirigentes escolares e/ou sindicais parece-me escusado. Só que, mesmo assim, o número de docentes só aumentou, conforme o ponto de partida que escolhermos. A verdade é que, apesar de tudo, os professores em exercício em 2020 eram menos do que em 2013. E o maior acréscimo, desde 2016, em termos relativos, é no Ensino Secundário, o que em muito resulta da extensão da escolaridade obrigatória e não da criação da CD.

Em termos globais, o acréscimo de professores a partir de 2016 foi de 4,1%, mas a redução no quinquénio anterior tinha sido de 21,5%. Ou seja, entre 2010 e 2020, o número de docentes em exercício diminuiu mais de 18%.

Resumindo: a falta de professores não foi causada por um aumento da carga lectiva curricular e/ou por um acréscimo enorme na necessidade de professores para a satisfazer. O que aconteceu foi que muitos saíram, outros passaram a estar mais de baixa médica ou com maior redução de horário e as condições apresentadas aos candidatos a necessidades temporárias foram muito sendo cada vez mais severas, no sentido da precariedade e proletarização da docência.

Soluções? Vou repetir de forma breve, o mais óbvio: cuidar dos que ainda estão, para que não queiram sair antecipadamente (o que significa não os sobrecarregar com idiotices ou regatear as horas de redução da CL) e tratar melhor os que querem entrar, assegurando-lhes um horário completo, mesmo quando substituem alguém que tenha apenas 14, 16 ou 18 horas, para os não obrigar a andar a saltar de escola em escola. E permitir que, em circunstâncias nas quais é possível prever a existência de eventuais novas necessidades temporárias, os colegas contratados fiquem na escola. Ou então garantir pelo menos a colocação por um período ou trimestre. Se custa dinheiro? Menos do que TAP num mês (os prejuízos mensais andarão acima dos 130 M€).

A Feliz Páscoa, já agora!