Linhagens

Nestes dias, exibem-se pergaminhos e linhagens de diversa ordem, remontando nobrezas variadas, das de título passado às meramente simbólicas, até ao tempo dos pré-afonsinos. Fico sempre comovido com o sangue democrata que corre nas veias do povo que aguentou uma das mais longas ditaduras da História com o que eu diria ser uma notável “tolerância”. Tornámo-nos um povo tolerante, até com as ditaduras. Indignamo-nos muito com as injustiças, até ser lançado o milho em outra direcção e então partimos, cacarejando animadamente, para a defesa de outra nobre causa, que quase sempre fica inacabada. Temos imensas qualidades, mas também uns quantos feitios que deixam a desejar, mas o “povo” é assim mesmo: o que é e não o que gostaríamos que fosse e há que lidar com isso. Voltando às linhagens: pai, operário, comunista; mãe, doméstica, apolítica ou quase; o resto da família com muita gente a emigrar e outra a fazer por viver por cá, nada de especialmente singular, tirando o sentido de humor peculiar de um dos costados. O filho não foi a tempo – como já escrevi várias vezes – de fazer o 25 de Abril a pulso (há outros que fizeram, também a pulso, o 25 de Novembro, se formos a acreditar nos testemunhos), como parece que tanta gente fez. Falha minha ser puto na altura e, enquanto adulto, não gostar de reinventar estórias pessoais para as adequar ao retrato mais favorável. Resta-me, num cantinho muito pequeno na grande ordem das coisas, fazer o que posso (“lutar” é para @s tais que têm pergaminhos em velino bem medievo) por manter alguma da minha liberdade e dar a ajuda possível para que não atropelem irremediavelmente a de outr@s.

3 opiniões sobre “Linhagens

  1. Sem mais. É, também, a minha história de vida. Sem pergaminhos. E a pensar cada vez mais que herdei essa honestidade, mas que de pouco serviu aos meus e , agora, parece que de nada me serve. Pela primeira vez, não penso em quanto devo ao 25 de abril, mas naquilo em que se tornou: um desalento. Pois os mais pobres continuam, e vê-los nos hospitais, nas perguntas entre si em sites de ajuda da SS, nas ajudas pífias de 10 euros para gás e a que só têm direito se beneficiam da tarifa social da luz ( e este vocabulário , social, tarifa, beneficiar… todo ele remete para uma linguagem que já não deveria existir e a História também é analisar a linguagem), ou ler a capa do Público , hoje, no que respeita a conseguir casa. Uma vergonha.

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  2. A noção de ridículo é “uma cena que não assiste” a quem, recorrentemente, teima em esfregar nas ventas dos outros o seu looongo e, suposto, ilustre “pedigree”… Trata-se, no fundo, de uma estratégia para convencer “papalvos”, não vá o resto não convencer ninguém…

    E há quem não precise de “pedigree” nem de “linhagens” para fazer passar a sua opinião e conseguir que muitos a corroborem… 🙂

    Já agora, devia ser crime invocar-se o nome de Salgueiro Maia em vão… (“If you know what I mean”)…

    🙂

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