O “Preconceito Invertido” Não É Preconceito Na Mesma?

Para que se esclareça, apenas estou apenas a traduzir e adaptar o conceito de reverse discrimination ou, mais longe, o de reverse psychology e não a ser insensível em termos de orientação de género, ok? É que os tempos andam agrestes e eu com pouca paciência para medíocres polícias de linguagem.

Então é assim… como se tem visto, a História anda sob forte escrutínio e revisionismo (de novo, o termo também se aplica a revisões que venham das teorias alegadamente “progressistas”) e os manuais escolares tornaram-se um campo de batalha para a aplicação das novas teses que recuperaram a necessidade de proclamar fortemente o remorso do “homem branco” (leia-se, europeu) quanto ao que fez durante a “Expansão” europeia dos séculos XV-XVII.

O que é matéria do 8º ano, cujos manuais têm período de novas adopções no final deste ano lectivo. E alguns já chegaram às escolas e são uma coisa peculiar de observar, porque tentam conciliar as novas-velhas teses que defendem que cada matéria deve ser abordada a partir de um “problema” ou “questão” com a tendência do politicamente correcto. Atenção, as maiúsculas usadas não são minhas.

Um deles começa por perguntar “Porque é que os Portugueses quiseram explorar o Mundo?”, o que é um certo exagero, porque “os Portugueses” estavam-se globalmente nas tintas para “explorar o Mundo”. A seguir questiona “Por onde é que os Portugueses começaram a sua Expansão?, referindo a conquista de Ceuta e o “reconhecimento ou redescobrimento” dos arquipélagos da Madeira e dos Açores, antes de passar, duas páginas adiante, a inquirir “Como eram as populações africanas, ameríndias e asiáticas”, assim tudo ao molho, como se “os Portugueses” tivesse ido em voos low cost num fim de semana a vários pontos do mundo, em visita turística de exploração cultural. Mas mais adiante é que chegamos ao cerne da problemática com questões como “Os Portugueses foram bem recebidos na Índia?” a que @s autor@s do manual em causa têm a capacidade de responder sem atropelar demasiado a factualidade que no resta das fontes disponíveis: “tiveram uma honrosa receção pelo Samorim de Calecute”, mas “tiveram a sentir várias dificuldades de penetração no oriente devido à resistência dos chefes hindus e á concorrência comercial dos muçulmanos”. Afirmações no fio da navalha e não sei se validáveis pela escola boaventura do pensamento pós-colonial.

Para abreviar, após passar pela expansão castelhana (eu sou dos que gosta de manter esta designação, só para chatear), vem a questão essencial “Os Europeus trataram bem os Africanos e os Índios?” e, surpresa, constata-se que se deu uma “submissão violenta de povos”, que é algo que até então deve ter sido absolutamente inédito. Seguem-se três parágrafos panfletários que não é por dizerem o que dizem, mas sim pela forma como surgem num livro de História que em vez de descrever de forma objectiva o que sabemos sobre o tema da escravização (desde as projecções sobre os números do tráfico negreiro, por exemplo) prefere culminar (após destacar termos como “genocídios”, “saques” e similares) assim:

É comum ouvirmos nos meios de comunicação social notícias de violação dos direitos humanos, de atitudes racistas, de exploração da mão de obra ou de redes de emigração ilegal e de escravatura. Portugal não é exceção a esta realidade. Temos de perceber a origem destas atitudes racistas e combatê-las para aceitarmos um Mundo em que [não ficaria melhor “onde”?] somos todos iguais e todos diferentes.

A ver se nos entendemos: eu concordo com o que está escrito, mas não sei se é matéria de manual de História doutrinar deste modo tão básico (não seria função da disciplina de Cidadania?), em vez de descrever o que se passou. A História como lição é algo que não recuso, mas ensiná-la não é propriamente isto. Porque uma coisa é um panfleto, outra um livro de História, mesmo que seja do Ensino Básico. Porque, se é para sermos “justos” com todos os abusos de poder, militarismos e escravizações, vamos ter de rever tudo desde a “origem”, que não se encontra nos séculos XV-XVI.

Calma, que eu nem culpo @s autor@s porque tenho a certeza que isto é uma espécie de imposição dos tempos, com validação editorial, se é que se quer passar o crivo do tal policiamento intelectual a que estamos sujeitos, a não ser que queiramos ser apelidados de racistas, pró-esclavagistas e imperialistas, sem dó nem piedade (por vezes, por quem “revê” outros genocídios ou massacres colectivos, bem conhecidos e até recentes). Só que isto é tão aceitável como aquelas tiradas de há 100 anos sobre a “acção civilizadora dos Portugueses”. Isto é apenas o reverso de uma má moeda. não é moeda nova e mais valiosa. É uma espécie de compensação, como se esta asneira compensasse as asneiras de outrora. E quem não alinha, está tramado.

E a coisa continua assim por outras passagens do manual – há uma parte que começa com a questão “O que é que os países europeus fizeram para enriquecer cada vez mais?”, o que é uma formulação generalista que distorce claramente o que se passou) em causa (vi um outro e as coisas não estão muito diferentes), como se fossem uma espécie de tutoriais para o arrependimento global dos “Europeus” e especificamente dos “Portugueses”.

Desculpem-me, mas se é para isto, prefiro não adoptar manuais.

4 opiniões sobre “O “Preconceito Invertido” Não É Preconceito Na Mesma?

  1. Não existem “preconceitos invertidos” — existem “precoceitos”, ponto final. Quanto às desculpas que eu, português e branco do séc. XXI, tenho de apresentar aos povos que explorámos nos séc. XV a XIX, a verdade é que tenho de reconhecer que isso aconteceu, que os nossos livros de História passam por aí “a vol d’oiseau”, que há nesta atitude um inaceitável preconceito e uma grande falta de rigor histórico — mas “pedir-desculpa” é a-histórico e uma grande dose de hipocrisia, e talvez o não querer olhar para a História! Estou farto do PC — entenda-se “politicamente correcto”.

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  2. Podemos então esperar as desculpas dos romanos, visigodos, muçulmanos, alguns vikings, leoneses, castelhanos, franceses que nos invadiram, violaram, escravizaram, mataram…

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  3. A hermenêutica devia ser uma disciplina obrigatória no currículo escolar. A crítica do passado à luz do presente é tão relevante quanto a interpretação do presente, tendo em conta as lições do passado. Infelizmente a tara positivista, aliada a uma patologia do objectivismo histórico (leia- se, “erradicação” dos preconceitos do homem branco), conduziu- nos à liquidação do pensamento e ao enterro da tradição, em prol de um admirável mundo novo.

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