Dia: 19 de Maio, 2022
Preparem-se!
Os directores com linha directa passarão a poder escolher em primeiro lugar. Admito que ainda poderá haver saudades do ministro nulo porque, ao menos, este não tomava as rédeas de tudo de forma clara. Vem aí uma investida no sentido da desregulação, em nome da “proximidade”.
Que se entenda que a mim isto já não afecta, mas detesto ver o triunfo da sonsice armada ao pingarelho. Muita conversa de “esquerda”, mas muita sedução pelo “mercado”. Nada como beatos para saberem como pecar.
A razão da falta de professores não é o “concurso”, tal como ele existiu muito tempo. O problema foi quando começaram a enxertá-lo com coisas “extraordinárias” ou evidentes atropelos da equidade. O que este ministro quer é ir mais longe do que foi a “direita” e quero ver os porfírios e derivados a dizer que é tudo no “interesse dos alunos”.
Ministro da Educação: “O atual modelo de concurso de professores não serve”
A Aplicação Da PACC Ajudou A Qualidade A Subir Quantos Pontos?
Andar a saltar de opinador para ministro para estudioso tem destas incoerências. E é difícil esquecer o “lastro” da obra feita. Já não estamos nos tempos do Plano Inclinado em que se queria acreditar que aquilo era a sério. Agora já sabemos que depende das conveniências e circunstâncias.
Este Mês, No JL/Educação
Parece que estou em contra-mão naquelas páginas, mas fiz o texto sobre o tema que o JCVasconcelos me pediu.
A terminar o mês de Abril chegou o anúncio de que “no próximo ano letivo, as provas de aferição já serão realizadas em formato digital por todos os alunos do 2.º, 5.º e 8.º anos de escolaridade [e que] de fora, vão ficar apenas as provas de Expressão Artística e de Educação Física” (Diário de Notícias, 30 de Abril de 2022). De acordo com a mesma fonte “no ano letivo de 2023/2024, será a vez dos alunos do 9.º ano realizarem também as provas finais de ciclo em formato digital. E no ano seguinte, segundo o calendário do IAVE, a ideia é que também os alunos do secundário troquem a caneta por um teclado para fazer os exames nacionais”. Parece que há meios para a iniciativa “através do PRR, onde está inscrita uma verba de 12 milhões de euros para a desmaterialização das provas e dos exames”.
Não vai faltar quem rejubile com a medida e a considere um salto indispensável para uma modernidade sempre em fuga, uma faceta necessária da transformação da nossa Educação num mundo crescentemente baseado e moldado por ferramentas digitais. E eu até compreendo que este é um caminho natural na evolução da aplicação dos meios digitais à Educação, embora tenha algumas reservas, como seria de esperar em alguém naturalmente céptico com epidérmicas excitações tecnológicas, quanto à bondade da sua aplicação em provas que visem uma aferição minimamente rigorosa das aprendizagens dos alunos e, maiores são ainda as dúvidas, quanto à sua adequação à realização de provas finais de ciclo ou aos exames do Ensino Secundário.
Mas para não parecer tão “bota de elástico”, gostaria de começar pelas vantagens que reconheço às ferramentas digitais no que se refere à avaliação do desempenho dos alunos em alguns aspectos da sua vida escolar.
A primeira delas é o do ganho evidente com a desmaterialização dos suportes físicos em que se fazem tradicionalmente as provas. Se podermos evitar a impressão de milhões e milhões de enunciados, tantos deles em excesso e resultando em puro desperdício, é óbvio que ficamos a ganhar ou, melhor dizendo, a não perder com o gasto de tanto papel.
O segundo passa pela poupança de tempo que assim é possível no processo de classificação das provas, pois, ao ser completamente ou na sua maior parte, automatizada, isso reduz muito o tempo agora usado nessa tarefa. Aliás, o actual ministro apressou-se a apresentar a medida como uma espécie de favor aos professores, afirmando “que a realização de exames em formato digital tem diversas potencialidades como permitirem em muitas questões uma classificação automática libertando professores que deixam de ‘passar o Verão a avaliar provas e exames’.” (Jornal de Notícias, 5 de Maio de 2022)
Uma eventual terceira vantagem, que me desperta menor aplauso ou adesão, é de este processo automático de classificação evitar os “erros” decorrentes da intervenção humana e conseguir deste modo alcançar um maior rigor e objectividade na classificação. Isso é verdade, em termos mais restritos, mas empobrece muito todo o processo de avaliação dos alunos, reduzindo-o a um processo de mera selecção de alternativas ou de respostas curtas e fechadas em termos de conteúdo.
E esta pode ser a primeira objecção forte que esta opção por uma avaliação exclusivamente digital me levanta, enquanto professor que considera que a dimensão humana deve estar presente em todas as dimensões do trabalho dos alunos, incluindo nos momentos de avaliação, não apenas no seu acompanhamento, mas de igual modo na classificação do que foi produzido.
É aliás paradoxal que as mesmas pessoas que menorizam tanto o papel da avaliação externa das aprendizagens dos alunos e considere que os “exames” são apenas um pequeno ponto em todo o percurso dos alunos, sendo muito limitada a sua capacidade de avaliar verdadeiramente a qualidade e profundidade das suas competências e conhecimentos, surja a defender um processo de avaliação/classificação que reduz de forma significativa essa mesma capacidade. É especialmente contraditório que o actual ministro tenha afirmado no Parlamento dos Jovens que não quer “enciclopédias com pernas”, defendendo que é preciso “”é ler, ler e ler, porque é no confronto entre várias leituras que se avalia se o que se lê no momento bate certo com outras leituras já feitas, ou se é uma novidade que coloca em causa essas anteriores leituras” (TSF, 10 de Março de 2022), mas depois considerar que a melhor forma de aferir ou avaliar o desempenho dos alunos passa por um método completamente automatizado, mecânico, baseado numa concepção esquelética e desumanizada de todo esse processo.
Nem todos os exames são simples perguntas e respostas. Alguns cursos exigem avaliação de projetos colaborativos ou em grupo ou avaliação por meio de um exame vocacional que não pode ser feito online. Esses tipos de exames exigem avaliação subjetiva pessoal, algo que os exames online não podem oferecer. (1)
Para além disso, estão por apurar todas as consequências a nível psicológico de um processo de avaliação despersonalizado que tem fortes possibilidades de aumentar fenómenos de stress e ansiedade, resultantes da sensação de isolamento que provoca. Porque existe uma diferença evidente entre a utilização de meios digitais para enriquecer o processo de avaliação durante o trabalho quotidiano em aula (presencial ou online), permitindo uma gestão mais flexível do tempo e o recurso a fontes do tipo “livro aberto” e colocá-los no centro de todo o procedimento, mesmo que se tentem reduzir os aspectos mais formais dos momentos da sua realização.
Muitos alunos relatam que se sentem incertos sobre o tempo que devem gastar para concluir os exames on-line quando uma janela de 24 ou 48 horas lhes é apresentada. Em termos gerais, não sabem como e quanto se devem preparar com antecedência, especialmente para questões de exames já conhecidas e qual o padrão que se espera deles (…).
Pesquisas anteriores (…) descobriram que tipos de avaliação desconhecidos podem contribuir para um maior sofrimento psicológico do que os exames tradicionais, porque essa incerteza amplifica o medo de fracasso e a ameaça ao autoconceito académico [e] pode criar expectativas pessoais irreais e excessivas. (2)
O que está directamente ligado com a necessidade de fazer uma preparação atempada dos alunos, ao nível da literacia digital, para acederem a este tipo de ferramenta de avaliação em condições de equidade. O que não se reduz apenas aos aspectos da disponibilidade de equipamentos e condições de funcionamento adequadas. Não chega distribuir computadores, decretar a existência de uma disciplina de Tecnologias de Informação e Comunicação e esperar que, em menos de um ciclo de escolaridade, os alunos se familiarizem e apropriem destas novas ferramentas digitais.
O que significa que a exequibilidade de tudo, não passa apenas pelo dinheiro disponível para a aquisição e manutenção dos equipamentos, mas em especial pelo tempo para dotar os alunos das competências digitais adequadas para que tudo possa apresentar alguma fiabilidade.
Uma outra questão que não é de menor importância, quando se apresenta a poupança de recursos desta forma de avaliação, é a de saber se a “pegada ecológica” de um aparato global de exames digitais não terá consequências em termos de consumos energéticos que à primeira vista podem não estar a ser consideradas
Se um teste típico em papel usa 10 páginas, então uma organização que produz 100.000 testes por ano está a usar 20 árvores por ano. (…) As 20 árvores cortadas para esse efeito seriam salvas se o material fosse entregue online. Esses são benefícios úteis, mas precisam ser comparados aos custos ambientais dos computadores e da eletricidade usada. O benefício ambiental é provavelmente modesto. (3)
Curiosamente, a poupança com a desmaterialização verifica-se principalmente ao evitar as deslocações em transportes poluentes, dos materiais para a realização das provas, para a sua recolha e entrega nos locais, onde depois os classificadores as vão recolher.
Por fim, e voltando um pouco ao início, convém decidirmos se queremos mesmo ir por um caminho em que se parece perseguir uma objectividade na avaliação, que a maior parte das teorias disponíveis considera ser algo, mais do que inatingível, irrealista e mesmo contraproducente.
(1) https://cirrusassessment.com/advantages-and-disadvantages-of-online-examination-system/ (consultado em 10 de Maio de 2022).
(2) https://www.timeshighereducation.com/campus/are-online-exams-better-student-mental-health (consultado em 10 de Maio de 2022).
(3) https://www.questionmark.com/how-much-does-online-assessment-and-e-learning-help-sustainability/ (consultado em 10 de Maio de 2022).
A Ler
Apetece-me Embirrar…
… com alguns dos escribas que surgem no JL/Educação deste mês a falar sobre a falta de professores. Não vai ser com os do costume, que dizem o habitual. Vou concentrar-me apenas no Alexandre Homem Cristo e no director Faisal Aboobakar, pelos motivos que já vão perceber.
O AHC, que exibe todos os pergaminhos possíveis e imaginários, incluindo a autoria de um livro que sugeria soluções para o sistema educativo que já na altura tinham sido abandonados nos países de origem, faz uma interessante sugestão de curo prazo que passo a transcrever.
Concordo que não é preciso inventar a roda, mas seria útil que o AHC tivesse guardado uns 200 caracteres para identificar em que países foi aplicado o que sugere “com resultados positivos para os alunos e para as escolas”. Um especialista, coordenador, presidente, autor e colunista só ganharia em ser concreto, apresentando com clareza onde foi aplicado “com resultados positivos” o que sugere.
Já o director Faisal Aboobakar desperta-me embirração porque deve ter um trauma qualquer com quem escreve em blogue sou redes sociais, pois mistura tudo e mais alguma coisa ao diagnosticar as causas da “alteração na imagem social do professor”. Parece que para ele um dos problemas serão as redes sociais ou um eventual “discurso” dessas redes, porque a forma como escreveu não dá para entender bem o que quer dizer.
Ora… eu não conhecia o director Faisal Aboobakar até há umas semanas me terem apontado um inflamado texto que ele escreveu numa “rede social” (!!) congra a presença num programa televisivo de professores e directores (eu, o Luís S. Braga e o Filinto Lima) que ele verberava por não representarem ninguém e por darem uma má imagem de professores ao, entre outras coisas, escreverem “blogues incendiários” (claro que quando o inquiri, não se dignou sequer responder, certamente porque é muito democrata lá no seu feudo teip). Escreveu ele, na altura, o seguinte, em texto que colocou “público”, para que todos pudessem ler:
Pessoalmente, não me senti achincalhado (mesmo se seria o único “blogueiro” presente), porque não é qualquer director de aviário, que se ufana de ter linha directa para o actual ministro que consegue isso. Mas já o texto no JL me faz pensar em quem o director Faisal Aboobakar julga que representa quando ofende colegas de profissão que nem sequer alguma vez tinham ouvido falar dele. E moro no concelho de Palmela. E dou aulas há 35 anos. E escrevo sobre Educação, em blogue antes deles existirem, há mais de 30.
5ª Feira
Um horizonte de mais de 4,5 anos de governação em maioria absoluta tende a agravar fenómenos já endémicos entre nós, porque cresce o sentimento de impunidade e desresponsabilização de quem é da “equipa” e sente ter as costas quentes para os desmandos, graças às linhas directas para quem decide e manda. O nível de subida das lamas do pântano acelera muito, mesmo em relação a situações semelhantes do passado recente.