O Grande Líder Apresenta-se – 4

Claro que não podia faltar a questão das remunerações, com a consequente reescrita da História sobre o congelamento da carreira, cujos “pormenores” provavelmente só conhecerá quem se preocupa com conhecimentos “enciclopédicos”. Antes de mais, há que perceber que para o actual ministro os professores nem ganham mal e, porventura, até ganharão muito para a incompetência que revelam em compreender os “problemas sociais” e em lidar com os alunos que não são “bons”. Gosto, em especial, quando afirma que quem entra agora “tem uma carreira pela frente”. Resta saber se a não lixarão, como fizeram aos que ficaram com anos de vida profissional perdida e, no limite, ficando encravados 2-3 anos no 4º e 6º escalão, cortesia de um modelo aplicado por gente cega, poderão mesmo vir a ser ultrapassados no futuro por quem entrou 10 anos mais tarde.

E que o actual ministro não venha com a cartilha do não ser possível “refazer a História” porque é mentira que tenha sido (apenas) a troika a ser responsável pelo tempo roubados aos professores dos quadros. Será possível deixar de mentir sobre quem decretou os “congelamentos” e quem governou mais tempo com a carreira docente congelada?

Vamos lá, senhor ministro, no blogue do meu colega Arlindo Ferreira (não sei se será um dos “blogues incendiários” na designação de um dos seus mais fiéis seguidores aqui no concelho onde já ambos morámos) há uma tabela simples que permite perceber quando começaram os congelamentos e quanto tempo duraram. Como verá, a troika foi apenas a fase intermédia do período do – há que assumi-lo com frontalidade – gamanço de tempo. Claro que ainda houve os cortes de salários, sobretaxas e tudo o mais, mas não vamos “refazer a História” a gosto, assim à moda estalinista. Afinal, até acredito que tenha nas estantes uma ou duas Histórias de Portugal, a começar pela do professor Mattoso (filho). Ficam-lhe mal estas imprecisões, deixe-as para o operacional porfírio.

Ora bem… a troika estava por cá em Agosto de 2005? Em 2006? Em 2007? Em Janeiro de 2011? Em 2016? Em 2017? “É fazer as contas” como diria um certo PM socialista que fugiu do “pântano”.

O Grande Líder Apresenta-se – 3

Há formas de pensamento que, de tão enraízadas, dificilmente deixam de vir à superfície, dando-se-lhe o tempo e a oportunidade. Os preconceitos acerca do que são “os professores” (leia-se professores do básico e secundário) estão incrustadas em muita gente, em especial em algumas que até pensam conhecer o meio, por terem amigos ou parentes professores (não-superiores) que, por se acharem uma elite, ajudam a perpetuar os mitos sobre os outros.

Esse tipo de preconceitos é muito comum, infelizmente, nos governantes na área da Educação, em especial desde que acharam que os alunos são o centro único da Educação e que é um sinal de força e independência “malharem” na profissionalidade docente. Nos últimos vinte anos temos assistido a um pouco de tudo, desde logo as acusações, com números “cozinhados”, sobre a falta de assiduidade, não esquecendo os remoques sobre o não quererem sair da zona de conforto ou, mais grave, estarem-se nas tintas para o sucesso dos seus alunos.

Nos últimos tempos, houve um evidente sublinhar das críticas à “qualidade” dos docentes (ver entrevista recente de Nuno Crato, na qual afirmou que iria demorar muito tempo a recuperar a qualidade dos docentes) e da sua formação (acusação especialmente curiosa quando surge de gente que fez carreira de décadas na formação de professores). Agora, surge o actual ministro a dizer que os professores foram formados apenas para dar aulas a “bons alunos” e que não estão preparados para lidar com algumas “mudanças sociais” que ocorreram nos últimos tempos. Ainda há pouco tempo tinham sido excepcionais no período não-presencial.

Talvez isto (só saberem dar aulas a “bons alunos”) seja verdade para certas brigadas de cortesã(o)s do regime, que formam aquela elite de almoços e jantares após as visitas governamentais, ou para grupos de amigos professores que se encaram a si mesmo como excepções, mas lamento dizer que, talvez por não ter uma linhagem académica distinta ou pergaminhos na área, a maioria dos professores que conheço não vive numa bolha ou casulo que os separa da sociedade envolvente. Pelo contrário, a minha geração atravessou um período que o actual ministro (uns bons anos mais novo) felizmente não terá conhecido, tendo chegado à adolescência e idade adulta já no “período europeu” e não no das primeiras vindas do FMI a Portugal. É verdade que tenho a minha origem social num ambiente muito próximo daquele que é o de muitos alunos meus. Tivesse o actual ministro nascido uns anos mais cedo e teria conhecido em primeira mão, como aluno ou mesmo já como professor, a “diversidade” de experiências que marcou o crescimento pessoal e profissional de muitos professores não instalados nos “liceus históricos” dos maiores centros urbanos.

Há afirmações que revelam mais sobre a falta de experiência de quem as produz do que daqueles a quem se dirige.

Quem está “formatado” para ser professor apenas de “bons alunos” é quem aguarda pelos melhores nas Universidades e mesmo assim se queixa da falta de qualidade do ensino no Secundário. Quanto à “frustração” dos professores em relação a uma alegada nova “diversidade”, acredito que exista, mas muito mais em relação aos disparates que o aparato de controlo administrativo ministerial impõe ao quotidiano docente.

A pobreza e a exclusão social são maiores agora do que eram há 30 anos? Em algumas zonas, até pode acontecer, por manifesta inépcia dos sucessivos governos que sempre desviaram o dinheiro europeu para as escápulas mais “rentáveis”. Mas dizer que os professores estão “frustrados” com “uma série de problemas sociais” é ignorar que os professores são uma das classes profissionais que lida com os efeitos dessas mudanças em primeira mão, todos os dias. A analogia com os médicos que seriam formados apenas para ver pessoas saudáveis é, para ser comedido, imbecil. Sei que há amigos do actual ministro, directores de teips e escolas-modelo que partilham desta visão redutora e amesquinhante de muitos colegas. Aqui pela minha zona – onde, como disse, até há directores amigos do poder que está, que quando são visitados varrem certos problemas para debaixo da alcatifa – poderíamos fazer-lhe uma demonstração do que é trabalhar com situações de extrema pobreza, desagregação parental, violência doméstica, pequena criminalidade (por enquanto), proto-gangues e muito mais.

Mas é verdade que somos “arcaicos”, velhotes com formação desajustada, sempre carentes de serem sensibilizados para os “problemas sociais” pelas estagiárias que dão as formações aprovadas lá pelo centro de controlo ideológico instalado no ccpfc e suas ramificações ou pelos tais amigos directores (ou aspirantes) que cultivam o cliché e a conversa fofa como manto para disfarçar um enorme vácuo intelectual e o facto de terem fugido das salas de aula logo que puderam. E acredite, senhor ministro, já tive de me confrontar com alguns e a sua imensa falta de rigor e qualidade, encoberta por imensos “documentos orientadores”, “projectos” e “grelhas” que de nada servem para os alunos superarem as situações dramáticas em que tantos infelizmente vivem.