Há formas de pensamento que, de tão enraízadas, dificilmente deixam de vir à superfície, dando-se-lhe o tempo e a oportunidade. Os preconceitos acerca do que são “os professores” (leia-se professores do básico e secundário) estão incrustadas em muita gente, em especial em algumas que até pensam conhecer o meio, por terem amigos ou parentes professores (não-superiores) que, por se acharem uma elite, ajudam a perpetuar os mitos sobre os outros.
Esse tipo de preconceitos é muito comum, infelizmente, nos governantes na área da Educação, em especial desde que acharam que os alunos são o centro único da Educação e que é um sinal de força e independência “malharem” na profissionalidade docente. Nos últimos vinte anos temos assistido a um pouco de tudo, desde logo as acusações, com números “cozinhados”, sobre a falta de assiduidade, não esquecendo os remoques sobre o não quererem sair da zona de conforto ou, mais grave, estarem-se nas tintas para o sucesso dos seus alunos.
Nos últimos tempos, houve um evidente sublinhar das críticas à “qualidade” dos docentes (ver entrevista recente de Nuno Crato, na qual afirmou que iria demorar muito tempo a recuperar a qualidade dos docentes) e da sua formação (acusação especialmente curiosa quando surge de gente que fez carreira de décadas na formação de professores). Agora, surge o actual ministro a dizer que os professores foram formados apenas para dar aulas a “bons alunos” e que não estão preparados para lidar com algumas “mudanças sociais” que ocorreram nos últimos tempos. Ainda há pouco tempo tinham sido excepcionais no período não-presencial.
Talvez isto (só saberem dar aulas a “bons alunos”) seja verdade para certas brigadas de cortesã(o)s do regime, que formam aquela elite de almoços e jantares após as visitas governamentais, ou para grupos de amigos professores que se encaram a si mesmo como excepções, mas lamento dizer que, talvez por não ter uma linhagem académica distinta ou pergaminhos na área, a maioria dos professores que conheço não vive numa bolha ou casulo que os separa da sociedade envolvente. Pelo contrário, a minha geração atravessou um período que o actual ministro (uns bons anos mais novo) felizmente não terá conhecido, tendo chegado à adolescência e idade adulta já no “período europeu” e não no das primeiras vindas do FMI a Portugal. É verdade que tenho a minha origem social num ambiente muito próximo daquele que é o de muitos alunos meus. Tivesse o actual ministro nascido uns anos mais cedo e teria conhecido em primeira mão, como aluno ou mesmo já como professor, a “diversidade” de experiências que marcou o crescimento pessoal e profissional de muitos professores não instalados nos “liceus históricos” dos maiores centros urbanos.
Há afirmações que revelam mais sobre a falta de experiência de quem as produz do que daqueles a quem se dirige.
Quem está “formatado” para ser professor apenas de “bons alunos” é quem aguarda pelos melhores nas Universidades e mesmo assim se queixa da falta de qualidade do ensino no Secundário. Quanto à “frustração” dos professores em relação a uma alegada nova “diversidade”, acredito que exista, mas muito mais em relação aos disparates que o aparato de controlo administrativo ministerial impõe ao quotidiano docente.
A pobreza e a exclusão social são maiores agora do que eram há 30 anos? Em algumas zonas, até pode acontecer, por manifesta inépcia dos sucessivos governos que sempre desviaram o dinheiro europeu para as escápulas mais “rentáveis”. Mas dizer que os professores estão “frustrados” com “uma série de problemas sociais” é ignorar que os professores são uma das classes profissionais que lida com os efeitos dessas mudanças em primeira mão, todos os dias. A analogia com os médicos que seriam formados apenas para ver pessoas saudáveis é, para ser comedido, imbecil. Sei que há amigos do actual ministro, directores de teips e escolas-modelo que partilham desta visão redutora e amesquinhante de muitos colegas. Aqui pela minha zona – onde, como disse, até há directores amigos do poder que está, que quando são visitados varrem certos problemas para debaixo da alcatifa – poderíamos fazer-lhe uma demonstração do que é trabalhar com situações de extrema pobreza, desagregação parental, violência doméstica, pequena criminalidade (por enquanto), proto-gangues e muito mais.
Mas é verdade que somos “arcaicos”, velhotes com formação desajustada, sempre carentes de serem sensibilizados para os “problemas sociais” pelas estagiárias que dão as formações aprovadas lá pelo centro de controlo ideológico instalado no ccpfc e suas ramificações ou pelos tais amigos directores (ou aspirantes) que cultivam o cliché e a conversa fofa como manto para disfarçar um enorme vácuo intelectual e o facto de terem fugido das salas de aula logo que puderam. E acredite, senhor ministro, já tive de me confrontar com alguns e a sua imensa falta de rigor e qualidade, encoberta por imensos “documentos orientadores”, “projectos” e “grelhas” que de nada servem para os alunos superarem as situações dramáticas em que tantos infelizmente vivem.
Mas trocou para ser secretário e agora ministro!
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O amor à docência é sempre uma coisa incrível. Até aparecer paixão nova.
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Esta gente, das novilínguas e novisocializações e novirelações de trabalho e toda a infinidade de novitretas que por aí vai, devia ter um mínimo de decoro quando vem falar de “mudanças sociais” e coisas que tais, como sendo a novidade que mudou o “ser professor”. Lembra-te, Costa ministro, que muitos de nós já estávamos no terreno naquela meia dúzia de anos a seguir ao 25 de Abril, em que não ficou pedra sobre pedra… a não ser na escola. Esta foi o único porto de abrigo com que as famílias puderam contar. É uma história que ainda está por fazer, mas factos e documentos não faltam. Escola que nem tinha directores nem conselhos gerais, imagina! Mudanças sociais? A sério? E os professores não acompanham a coisa, é isso? E descobriste como? Nos programas das Cristinas? Nos bigbraders? Vá lá, um pouco de vergonha, pode ser? E de respeito, já agora!
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Por acaso ando bastante frustada com os problemas socias dos alunos!???? Nem sei do que se trata!!!!!! Nunca quis saber ?????
Por acaso só tenho,sempre tive e só ensinei para, bons alunos ????
Por acaso nos anos 80, quando começei a lecionar, não havia problemas sociais? Desconhecia-os?
Percorri meio país,sempre em zonas mais do interior e litoral interior…muitos dos problemas de hoje não são tão diferentes dos de outrora. Todos vamos evoluindo. O problema da falta de professores vai para além destas respostas bacocas!
Por acaso não fui formada nas universidades “farinha amparo” ! Aquelas com mais cadeiras de psicologia, pedagogia e ciências da educação que preparavam /preparam para a diversidade?
Passados 36 anos de serviço sei bem lidar com as várias situações, eu e milhares de professores que ainda estão na escola…
O desprestigido da classe docente deve-se a quem? Pois …
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Há, sem dúvida, aqui questões de classse a moldarem a percepção do que deve ser a política educativa. Se não fosse a escola pública, com a qualidade que tinha nos finais dos anos 90, quando concluí o secundário, eu ter-me-ia perdido, pois era filho de trabalhadores, com percursos escolares que não ultrapassaram o primeiro ciclo. Estou grato aos meus professores por me terem aberto um mundo de pensamento, conhecimento e sensibilidade que hoje é desprezado pelo ministro. Estivesse eu agora em idade escolar, teria ido parar à merda de um curso profissional ou calharia numa turma de científico-humanísticos em que reinaria a indisciplina e o facilitismo. Para este “grande líder” em versão Portugal dos Pequenitos, o facilitismo ainda não está bem ao nível que devia estar. O programa é claro: destruir a escola pública, estupidificar a população, reduzir os cidadãos a consumidores acríticos, fazer da larga maioria dos portugueses trabalhadores vergados ao capitalismo do turismo. Ele e os amigos continuaram a viver bem e de modo cosmopolita.
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“teria ido parar à merda de um curso profissional”. Desde quando é que um Curso Profissional é assim designado por alguém que vive a Escola? Eu “apenas” leciono Cursos Profissionais desde 1983, ao longo deste anos tenho apanhado com maus alunos, mas felizmente de uma forma claramente maioritária com Jovens provenientes de classes menos favorecidas que graças a um Curso Profissional hoje se destacam nas suas actividades Profissionais, e, ainda com uma boa quantidade de alunos Licenciados, com Mestrados e mesmo alguns com Doutoramento. Esse seu epíteto é inqualificável e indigno pelo que comporta de xenofobia e demais preconceitos sociais, agravados por virem de alguém que se diz ser proveniente de uma classe menos favorecida. NOTA FINAL- Tenho habilitação Académica e Profiisional (Pedagógica e Didática) no mínimo equivalente à sua, e dou aulas a Cursos Profissionais por opção pessoal com muito prazer em ajudar jovens menos favorecidos a crescerem pessoal e profissionalmente.
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Acabou de ascender ao “Coração de Peido” do Clube de Fãs do Ministro Barba Rala.
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https://www.dn.pt/vida-e-futuro/o-preconceito-contra-o-ensino-profissional-nao-tem-explicacao-11579071.html
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A minha avó dizia : “quando não sabemos o que dizer, fiquemos calados”. O escuteiro fez uma afirmação imbecil, no mínimo.
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Excelentes textos, Paulo!
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Caríssimo Paulo Guinote, abraço-o pela excelência do seu texto focando João Costa e o seu despudor mais flagrante. Aleivoso, medíocre, boçal e mentiroso eis quem conduz a educação neste país tão vergastado no ensino, ao longo de tantos anos! Bem-haja! Maria do Carmo Vieira
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Muito obrigado, Maria do Carmo.
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Dizer que os professores foram formados para ser professores de bons alunos é não perceber mesmo nada da vida de um professor.
Também pertenço ao grupo dos que fizeram a “tropa no feminino”, lidando com muito mais pobreza e falta de meios…
É ignorar o esforço que muitos fizeram para arrancar bons alunos, do interior profundo, com resultados ótimos, no tempo em que a engenharia dos critérios ainda não era prática…
Este tipo de considerações mostram por que razão a distância entre governados e governantes é a principal barreira à solução de problemas que se vivem na escola. O melhor da escola ainda são os alunos!
Não vamos longe…mas o contrário é que seria surpresa, tal vai sendo o hábito!
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O gajo só nos sabe ofender. É por isso que há muito é o queridinho dos directores e directoras. Gostava de ver o gajo a experimentar dar aulas a turmas reais. Borrava-se todo. Saía da sala de aula e ia meter-se na casa de banho. Meteria logo todos os artigos para não voltar a pôr a pata numa sala de aula. É um cínico repugante. A única coisa que me inspira é asco. Uma aversão sem limites.
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“Dizer que os professores foram formados para ser professores de bons alunos é não perceber mesmo nada da vida de um professor”.
NÃO. É ser um canalha sem caráter.
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Nós professores somos do tempo em que só iam para professores os melhores alunos.
Isso acabou, lamento. Já ninguém quer ser professor.
Agora é que a outra estirpe de professores ditos superiores vai ver como a vaca tosse e o que é ensinar maus alunos!
Brevemente eles chegarão lá e a indisciplina também se instalará nos académicos bancos!
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Tal e qual aquilo que percebi quando por várias vezes o encontrei pessoalmente devido a amigo comum. Tem a mania que somos mal formados, que só nos importamos com os bons alunos, que há que mudar a formação de professores. Arrogante quanto basta, despeitado em relação aos professores, como a quase generalidade dos militantes do PS, porque tivemos a ousadia de enfrentar a MLR e seus apaniguados. Esta gente ainda está ressentida com a ousadia que tivemos em 2008.
Depois é um fundamentalista do construtivismo puro, da escola da cidadania, da escola dos projetos, da escola lúdica. Nessa altura disse-lhe que o inferno estava cheio de boas intenções. Enfim, se a educação fosse medicina, esta gente mataria por ignorância. É o que temos. Vai liquidar de vez o ensino público. Os colégios agradecem. Os filhos dos pobres terão a escola lúdica.
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Texto maravilhoso é a nossa realidade!
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Peço desculpa mas, num país decente e com um primeiro ministro decente, este ministro era demitido na hora. Dizer o que disse sobre os seus professores e permanecer ministro é insustentável. É o que eu penso. É possível um ministro da Justiça dizer que os juízes não estão preparados para julgar casos difíceis e ficar impune? É possível um ministro da saúde dizer que os médicos do SNS só conseguem tratar doenças ligeiras e não acontecer nada?
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