É um processo que se vai notando, quando aplicamos “instrumentos de aferião/montorição/avaliação” das aprendizagens com uma estrutura similar ao longo dos tempos. Percebe-se onde se verifica a erosão das capacidades em ternos de atitude, autonomia e capacidade de superação, mais do que dos conhecimentos, dos alunos. Não é coisa da pandemia, pois vem de há mais tempos e tem sido cumulativo o efeito. Nos miúdos do 2º e 3º ciclos do Básico (mas em extensão pelo Secundário) nota-se uma crescente dificuldade em gerir o tempo, em tentar ultrapassar a mais pequena dificuldade sem estar imediatamente a pedir “muleta”, a não utilização da informação recebida (posso escrever “memória” sem que me chamem antiquado?) em novas situações, em achar que o que estão a fazer tem ganhos para o seu futuro, académico e não só. Temos um “núcleo duro” de alunos que pelo seu perfil individual (ou social) mantém um desempenho acima da média e depois temos uma crescente descida dos “médios” para aquilo que está abaixo de um padrão mínimo desejável, mesmo pela bitola das “aprendizagens essenciais”.
A “classe média” mas escolas está em profundo declínio e, ao contrário das efabulações de um ministro perdido no labirinto dos seus preconceitos, cada vez os professores de adaptaram a trabalhar com alunos “não-bons” e a ajudar os políticos a produzir “sucesso” para mostrar lá fora e cá dentro. Em média, os alunos não aprenderam mais, nem sequer as aprendizagens foram mais significativas ou se desenvolveram competências novas e “do século XXI” para além de um verniz muito fino. Daí que se usem tantas artimanhas teóricas ou legais para continuar a alimentar um sucesso que se diz ser obtido sem ceder nas aprendizagens, ao mesmo tempo que se apresentam e implementam planos de “recuperação das aprendizagens” numa completa mistificação, disparada em vários sentidos.
O que observo com turmas até bastante razoáveis é que se eu usar um “instrumento de [ver acima]” equivalente ao que usei há 4 ou 8 anos para “aferir/monitorizar/avaliar” uma determinada aprendizagem, existem dois fenómenos (entre outros) que saltam à vista: uma maior falta de autonomia na resolução das tarefas e a necessidade de muito mais tempo para as conseguir completar, quando pura e simplesmente não desistem de o fazer. Adicionalmente, o triunfo prático das teorias menorizadoras da memória, porque se podem conhecer todos os heróis e vilões das séries de anime e os jogadores de futebol de trás para a frente e de baixo para cima, mas é inútil esperar que, no fim do 6º ano, a maioria recorde conceitos aprendidos no 5º ano ou tenha achado que deveria mantê-los presentes para posterior utilização.
Apliquei hoje uma versão bem pálida do que seria uma ficha global de final de ciclo (6º ano) a duas turmas e foi ver a multiplicação de questões por não tentarem sequer ler as perguntas ou entendê-las e precisarem de orientações quase directas para entenderem o que estava em causa (apesar de terem sido feitas tarefas similares nas aulas ao longo dos dois anos), a incapacidade de resolver a prova em 90 minutos (quando antes apenas 2-3 alunos por turma o não conseguiam fazer) e – mesmo tendo sido explicitada a estrutura da ficha e os conteúdos que seriam abordados – o quase total desinteresse em estudar/relembrar matérias dadas há mais de duas semanas.
Ao contrário de algumas opiniões que se destacam pela imbecilidade, este tipo de resultado desgosta em primeiro lugar quem fez a prova e a vai avaliar (classificar?), pois sente que levou mais de 350 aulas (se contar os tempos desdobrados em turnos) a desenvolver um trabalho que sói não é inglório porque – claro! – ainda há alun@s que mantém uma atitude de empenho, curiosidade, brio e prazer pela aprendizagem que dependem mais das suas características individuais do que de qualquer determinismo social.
Amanhã, serão necessários mais uns 30 minutos para completar a prova, pois poucos foram os que concluíram a parte final, de produção escrita. À qual impus muito poucas exigências e nem sequer coloquei número mínimo de linhas ou palavras, que é para não ter a folha polvilhada de algarismos (há quem chegue a numerar palavra a palavra). Apenas pedi que escolhessem para continuar, mantendo a tipologia e registo, um de três mini-textos que apareceram num exercício anterior da ficha. Que usassem maiúsculas, pontuação e fizessem parágrafos. Porque já isto quase parece exigência de professor que só está preparado para “bons” alunos quando não passa do mínimo dos mínimos ao concluir seis anos de escolaridade.
Acho eu.
Mas estou envelhecido.
E repito: a pandemia pode ter acelerado a descida, mas a bola de neve já vinha a escorregar há algum tempo. Inverter isto – em vez de os mascarar com vias rápidas para a conclusão dos vários ciclos de escolaridade e acesso a cursos de segunda linha em universidades e politécnicos em dificuldades – demora muito tempo e não vai lá com planos e formações coordenadas por cortesã(o)s do regime.
Isso passa com umas rubricazinhas e com uns cosméticos da grande Ariana.
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E eu a pensar que era só comigo. Verdadeiramente irritante é serem muito poucos os professores que verbalizam tudo isto , e apenas encolhem os ombros. O que tem de ser, tem de ser. Junte-se a isto a muita indisciplina que por aí há mas que parece ter desaparecido e é o caos. Aqui ao Norte veio o Sr Ministro da Educação dar-se a conhecer aos Directores. Segundo me disseram a ordem foi que mais do que nunca há que passar, transitar, aprovar -ar, ar, ar TODOS os alunos.
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E pouco disto tem a ver com “recuperação de aprendizagens” que tem sido interpretada como “lecionar conteúdos” mal tratados durante a pandemia.
Anda tudo a olhar para o lado.
O que devia estar a preocupar todo o sistema é erosão retyratada aqui neste post
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Revejo-me totalmente neste texto …
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Realmente é dramática a situação a que chegou a escola pública após décadas de políticas imbecis. Pobres alunos. Com os fracos conhecimentos e fracas capacidades que resultam da escola lúdica, da escola dos afetos e outras tretas, eles vão ser facilmente vítimas de vigaristas, como aconteceu a um jovem muito trabalhador (trinta e muitos) que caiu no conto do vigário e perdeu umas dezenas de milhares de euros….
E já agora parem de dizer mal da escola do século XIX, pois foi ela que produziu a teoria quântica e a teoria da relatividade (logo ali no início do século XX…)
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Talvez essa sensação se deva ao facto de não lidar o suficiente com os frutos da escola privada.
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Uma descrição incrivelmente fiel à realidade. Não pude deixar de sentir uma enorme tristeza.
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Esta foi a conversa de almoço, há dias, com alguns colegas. Vários de nós nos apercebemos, alguns já o testámos, que os nossos atuais alunos não só não conseguem resolver as tarefas e/ou testes que os nossos alunos de há 7 anos resolviam, como não conseguem sequer resolver tarefas/testes que passávamos 2 ou 3 níveis abaixo.
É assustador, mas as notas são positivas e os pais andam todos contentes com o facto de os meninos passarem e estarem entregues durante aquelas horas. Lamento pela canalhada que, ou a sociedade vai mudar muito e ninguém vai exigir nada a ninguém, ou eles estarão bem F… lixados.
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Missão cumprida. Prontinhos para se poder acelerar a próxima fase do plano.
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Posso subscrever as conclusões aqui expressas por PGuinote. Caso aplicasse os materiais de 2014/15 nas actuais turmas 21/22 do E.Secundário, estou certo de que – caso os alunos conseguissem terminar as actividades – as classificações seriam muito, mas muito mais baixas.
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