Sábado

As medidas anunciadas para “mitigar” (confesso que esta é das palavras que me irritam um pouco) a escassez de professores em exercício fazem antecipar alterações preocupantes no regime de recrutamento, selecção, vinculação e contratação de professores, que o ministro Costa anunciou irem ser negociadas brevemente com os sindicatos. Não me vou deter muito no que ele ontem pouco disse, muito menos nas “imprecisões” que marcam quase sempre as suas declarações, no sentido de passar ideias erradas para a opinião pública. A forma sibilina como quer dar a entender coisas que o não são, para criar a ilusão de estar a presentar “soluções”. O caso mais evidente foi o de dizer que quer mudar o concurso de professores, para que estes não tenham de concorrer de quatro em quatro anos como agora, o que é falso a vários níveis. Os professores do quadro não são obrigados a concorrer, se não o quiserem; enquanto os contratados são obrigados todos os anos, tal como os qzp que tiverem ficado sem carga lectiva nas escolas onde estão colocados. O concurso quadrienal – anunciado com grande pompa em 2009, depois de em 2006 ter passado a trienal, com promessas parecidas ás do actual ministro de vincular mais docentes – passou a ser apenas um entre muitos que se sucedem quase todos os anos, em virtude da desregulação que passou a marcar o processo na última década.

Mas voltemos ás medidas anunciadas: as de permitir passar horário incompletos a completos no início do ano lectivo, mas só em algumas zonas do país e em algumas disciplinas, no que é mais um passo na total fragmentação dos concursos e da sua transparência, alegadamente para “agilizar” o suprimento das necessidades que têm surgido de forma mais premente, tudo a par do reforço da “autonomia” dos directores para fazerem uma espécie de contratação directa de docentes, algo muito reclamado por quem apenas quer moldar o corpo docente das suas escolas e regressar a práticas de clientelismo e “horários na gaveta” de outros tempos.

Imaginemos então a situação tal como ela nos está a ser apresentada: um@ qualquer senhor@ directora de uma escola do concelho de Setúbal vai poder ter a capacidade de renovar ou completar horários sempre que tenha necessidade, mas um@ director@ de um agrupamento de Alcácer do Sal ou Vendas Novas já não poderá fazer isso do mesmo modo. Um@ director@ de uma escola de Lisboa ou Almada poderá renovar ou completar horários nas disciplinas de Geografia ou Inglês, mas não de Matemática ou Português. E se a carência se verificar num qualquer concelho do interior beirão ou transmontano não poderá fazer nada disso, porque o ME considera que nessas zonas a escassez de professores não é bem real, provavelmente porque acha que há muitas mobilidades fraudulentas que se absteve de fiscalizar em devido tempo. Porque voltámos ao ambiente de 2008-2009, quando tudo valia para o combate político contra a classe docente e para a auto-desresponsabilização dos governantes pelos problemas.

As medidas agora apresentadas, em especial as que fragmentam e criam desigualdades na capacidade de recrutar professores onde eles faltam deveria ser recusada, desde logo, pelos sindicatos, mas também pelas próprias associações de directores, se é que têm desta problemática uma noção mais ampla do que algum interesse específico ou de verem abrir uma porta que esperam escancarar mais tarde. Sim, já temos os teip a fazerem muito do que entendem, sem que os resultados obtidos com essas facilidades sejam objecto de uma verdadeira avaliação externa. Ocorre-me um ou outro caso, em que a prosápia e as peneiras dos líderes têm muito pouca correspondência nas aprendizagens dos alunos, para além de algumas manobras comunicacionais e façanhas estatísticas na avaliação interna. Mas isso não significa que se deva alargar esse método, de forma assimétrica a algumas zonas do país e áreas do currículo.

Os alunos e escolas de Ferreira do Alentejo, Moimenta da Beira ou Montemor-o-Velho devem ter os mesmos direitos do que os da “Grande Lisboa” ou do All-garve. Não é por leccionar numa dessas zonas (e numa escola que foi teip durante muitos anos) e por ter desde 2018 experimentado falta de professores, meses a fio, em várias disciplinas (não apenas nas agora identificadas), que acho aceitável, justa ou equitativa, uma medida que cria evidentes desigualdades na gestão dos recursos humanos no sistema de ensino público. Já nem adianta dizer que qualquer medida vem tarde, muito tarde, por manifesta incompetência dos governantes na área da Educação e que não é esta forma de tratar as coisas que vai resolver uma boa parte das carências existentes. Basta ver que a idade média de vinculação aos qzp este ano é de 45 anos e há dezenas de docentes a entrar com mais de 60 anos. Esta é a herança de seis anos de geringonça na Educação, no que à vinculação de docentes diz respeito. E não me venham agora com as “contas certas”, que continuaram erradas sempre em outras áreas da governação, mais ou menos fricção epidérmica parlamentar.

É pena é que o ministério da “Matemática para todos” e do “sucesso para todos”, não queira que existam “Professores para todos” através de um recrutamento com regras universais, transparentes e não permeáveis ao clientelismo que já se começa a instalar nas zonas onde a “autonomia” rima com ligações preferenciais à rede político-administrativa do ME. E muito haverá a dizer, daqui a não muito tempo, no modelo que vai reforçar a formação profissional de aviário.