Os Paraísos Artificiais

Il est des jours où l’homme s’éveille avec un génie jeune et vigoureux. ses paupières à peine déchargées du sommeil qui les scellait, le monde extérieur s’offre à lui avec un relief puissant, une netteté de contours, une richesse de couleurs admirables. Le monde moral ouvre ses vastes perspectives, pleines de clartés nouvelles.
L’homme gratifié de cette béatitude, malheureusement rare et passagère, se sent à la fois plus artiste et plus juste, plus noble, pour tout dire en un mot. Mais ce qu’il y a de plus singulier dans cet état exceptionnel de l’esprit et des sens, que je puis sans exagération appeler paradisiaque, si je le compare aux lourdes ténèbres de l’existence commune et journalière, c’est qu’il n’a été créé par aucune cause bien visible et facile à définir. Est-il le résultat d’une bonne hygiène et d’un régime de sage ? Telle est la première explication qui s’offre à l’esprit ; mais nous sommes obligés de reconnaître que souvent cette merveille, cette espèce de prodige, se produit comme si elle était l’effet d’une puissance supérieure et
invisible, extérieure à l’homme
, après une période où celui-ci a fait abus de ses facultés physiques. Dirons nous qu’elle est la récompense de la prière assidue et des ardeurs spirituelles ? Il est certain qu’une élévation constante du désir, une tension des forces spirituelles vers le ciel, serait le régime le plus propre à créer cette santé morale, si éclatante et si glorieuse; mais en vertu de quelle loi absurde se manifeste-t-elle parfois après de coupables orgies de l’imagination, après un abus sophistique de la raison, qui est à son usage honnête et raisonnable ce que les tours de dislocation sont à la saine gymnastique ? C’est pourquoi je préfère considérer cette condition anormale de l’esprit comme une véritable grâce, comme un miroir magique où l’homme est invité à se voir en beau, c’est-àdire tel qu’il devrait et pourrait être ; une espèce d’excitation angélique, un rappel à l’ordre sous une forme complimenteuse. De même une certaine école spiritualiste, qui a ses représentants en Angleterre et en Amérique, considère les phénomènes surnaturels, tels
que les apparitions de fantômes, les revenants, etc., comme des manifestations de la volonté divine, attentive à réveiller dans l’esprit de l’homme le souvenir des réalités invisibles
.

Baudelaire (1860)

Há Quase Uma Década

Agradecendo a referência ao Rui Falcão.

E não me venham tentar condicionar com aquela do “és racista/xenófobo/eurocêntrico/pós-colonialista” porque isto tem origem em África. Digo o mesmo das tretas ocidentais new age, típicas de gente sem grandes problemas materiais, mas com enorme vazios existenciais. Sempre disse aos meus alunos que a minha intolerância nunca é ditada por cores, origens, géneros, etc. Apenas por certas “atitudes”, em especial as que aliam uma espécie de beatice de princípios com a intolerância prática em relação às críticas.

Esclareço que nada me move contra quem sinta que este tipo de “filosofias” é útil e deve ser praticado. Só que, por favor, andam-me a dizer há décadas que o Estado é laico pelo que, devendo permitir, acho que se devia esquivar a promover este tipo de coisas nas escolas públicas.

The end of ubuntu

(...) In this paper we seek to advance arguments that question such a public, widespread, and concerted ‘ubuntu-isation’ of the intellectual, business, public and private lives. Our project follows two main lines of reasoning. (1) We seek to show that the aggressive promotion of ubuntu in post-apartheid South Africa is an elitist project so conceived by the new black elite. It is conceived both as a restorative move that is aimed at securing the dignity of the black masses as well as an attempt at forging a so-called black identity. This line of reasoning will rely on similar historical cases on the continent that sought to aggressively promote an African mode of being, which coincided with both the end of colonialism and the rise of black elitism. We note that such attempts always ended in very public social and political failure. (2) We seek to question the desirability of ubuntu as a mark/guide of the spirit of the nation. Here our critique shall be concentrated on the disjunct that exists between the metaphysical conditions necessary for the attainment of ubuntu and the stark ontological and ethical crisis facing the new elite and ‘our people’.

2ª Feira

Sei perfeitamente que a designação “Escola Pública” não tem um significado unívoco e que se presta a imensas definições, conforme as crenças, convicções ou preconceitos de quem a interpreta a seu modo. A meu modo, a “Escola Pública” é onde todos têm lugar e se podem sentir bem, mas não deve ser, enquanto aparato do Estado para a tranmissão do capital cultural de uma sociedade e um tempo, uma espécie de albergue espanhol para tudo o que são crenças, crendices, credos ou mézinhas, sejam das antigas, sejam das modernas. Não quer dizer que não lhes dê abrigo ocasional e aceite dar-lhes tempo e espaço para se expressarem, mas não posso aceitar que as promova activamente e coloque mesmo a sua chancela legitimadora, como forma de as credibilizar. Ontem, ocorreu-me isto a propósito das iniciativas e “formações” Ubuntu, mas poderia dizer o mesmo se fossem matérias como o Xamanismo, o Mindfulness, a Teosofia ou os Chackras, etc, etc.

Acho muito perigoso que a “Escola Pública”, independentemente da sua formulação, seja espaço para a promoção, de forma activa e com presença oficial de governantes e/ou dirigentes de topo, deste tipo de teorias que poderão ser úteis e aceitáveis por muito boa gente, incluindo professores, alunos e famílias, mas não passam de abordagens “espiritualistas” que podem ser muito bem intencionadas e até satisfazer necessidades pessoais de equilíbrio mental e bem-estar, mas não podem ser validadas como “científicas” como se tentou fazer passar numas jornadas festivas recentes. Em contrapartida, iniciativas nas áreas disciplinares vistas como tradicionais são menorizadas e quase expulsas das formações oficiais do ME e da DGE.

O pior é que se, por exemplo, a filosofia Ubuntu tem um conjunto de princípios cuja bondade parece evidente – a ligação e interdependência entre os seres humanos, estes e a Natureza, a defesa de uma atitude tolerante e colaborativa, em especial em contextos adversos – depois alguns dos seus defensores demonstram, pela prática, que não perceberam nada da mensagem. Ontem, nos comentários no fbook ao pouco que escrevi sobre o assunto (neste post, foi coisa de uma dúzia de palavras em tom irónico) tive direito a confirmar que os “crentes ubuntu” padecem dos mesmos males que criticam a outros e que dizem querer ultrapassar. Num caso, depois de ser acusado de ignorante e preconceituoso (admito, sem problemas, que o sou nestas matérias), uma colega professora desamigou-me mal lhe respondi que estava a demonstrar o contrário do que afirmava e que não vale a pena colocar o nome de Mandela à frente de algo para o tornar acima de crítica, pois uma coisa são ocidentais bem alimentados e com vidas com bastante segurança, apesar das adversidades, e outra alguém que passou décadas preso em defesa de uma causa. Em outro caso, fui acusado de escrever uma “baixaria” e quando pedi que desenvolvesse mais a posição, foi-me dito por um colega professor que estava num “patamar” diferente do meu, tratando-me também como ignorante, como se a filosofia Ubuntu fosse algo muito difícil de compreender.

Ou seja, os defensores da colaboração, compaixão, entreajuda, tolerância e comunhão são os primeiros, à primeira crítica, a agir de uma forma mais intolerante e divisiva do que alguém que, como eu, assume as críticas e não foge a debater o papel destas “filosofias” no nosso sistema de ensino. É esta a “cidadania” e “inclusão” que se praticam com o beneplácito de um ministro em aparente crise existencial?