Há Quem Precise De Um Banho De Realidade

O assunto até mereceria uma abordagem mais detalhada, mas acho que basta explicar que a classe docente de 2022 é já bastante diferente da de 2008, pelo que é uma ilusão pensar que é possível replicar seja o que for. Se sempre houve divisões, agora há completas incompreensões. Há os que se foram embora e foram muitos, há os que se ajustaram ao “paradigma”, seja da gestão, seja da add, e não são assim tão poucos e há os que, mesmo não sendo muito novos, não viveram muitas coisas e nem sequer compreendem quando delas falamos.

Ainda me lembro de alguém, que passou como cometa blogosférico, com quem ia falando até achar que se tinha transformado numa espécie de porta-voz do então secretário Costa; nessa altura, tentei explicar-lhe que parte do que ele me dizia em favor das posições da tutela eram coisas recuperadas de um passado não tão distante, desde logo a gestão flexível do currículo transformada em autonomia e flexibilidade mas, como em outras questões, a resposta era invariavelmente “isso não é do meu tempo”.

Há muita coisa que já não é do tempo de muita gente e há outras pessoas que, sendo desse tempo, já se “reinventaram”. Por isso, as salas de professores estão divididas de um modo diverso do que já tiveram e em termos globais já não é credível conseguir mobilizações significativas que não sejam mesmo episódicas, bastando ver a gritante falta de solidariedade em questões como a já referida add, a questão da mobilidade ou mesmo a forma como alguns “libertários” se tornaram garantes da legislação, mal apanharam um cadeirão ou gabinete disponível. Basta ver como algumas figuras se acomodaram rapidamente ao poder que está, mesmo aqueles que antes apareciam muito reivindicativos (ocorre-me sempre um grupinho de oportunistas, a começar pelo da vinculação dos contratados).

A realidade já não é o que era e não vale a pena estarmos a lamentar uma inevitabilidade. Estranho é que ainda pareça existir quem não consiga ver o que existe á sua volta. Após sucessivas derrotas e quase nenhuma “vitória”, quanto muito uns quantos empates ou prolongamentos, há quem perceber que tudo deve ser repensado e reavaliado em termos de “lutas” laborais no âmbito da docência. Fazer mais do mesmo é continuar num caminho que nos últimos 15 anos trouxe muito pouco ou mesmo quase nada, excepto umas desregulações e truques concursais que deram jeito a alguns. O resto é a crónica do “sucesso” de uma estratégia que conseguiu ir cansando e dividindo ainda mais a classe docente, na qual houve actores principais, mas também adjuvantes, nem que seja por omissão.

Até surgir algo de novo e eficaz vai ser preciso mais do que a vontade de alguns e não sei se acontecerá no meu tempo útil de profissão, porque a aliança, explícita ou implícita, contra os professores que estavam na carreira e se ergueram em 2008 continua muito forte e foi acarinhando aliados no seu interior entre os que estão sempre disponíveis para colaborar com a política de amesquinhamento dos que não consideram seus “pares” e tudo fazem para se erguer à custa de terceiros.

Deve então desistir-se de qualquer resistência? Não, mas é necessário voltar às bases e tentar que, pelo menos a nível local, a terraplanagem da autonomia profissional não seja completa. Porque não há mais deprimente do que observar como a Corte Costista na Educação se vai replicando à micro-escala das “unidades de gestão”. E é indispensável não criar ilusões e olhar a realidade como ela é e não como já foi ou se gostaria que fosse.

Nem Nos Anos De Pandemia Aconteceu

Embora me parece que seja para fazer um 2 em 1 com estes.

Alunos que estiveram infetados ou em isolamento durante os exames do Secundário da primeira e segunda fase podem fazer as provas numa época especial entre 10 e 19 de agosto.

(o curioso é que o ano passado, a propósito de reclamações e recursos a decorrer em Agosto, a dgae tenha aceite o adiamento de todo o processo por, na altura, considerar que não se poderia interromper as férias dos elementos das sadd)

Domingo

Os últimos tempos foram férteis na recuperação de questões que tiveram o seu tempo certo nos anos 90 do século XX, na altura recuperando debates que em termos internacionais tinham tido o seu tempo nas décadas de 60 a 80 desse século. Uma delas é a da disposição física das salas de aula, de que surgiu mais recentemente uma outra sobre as alegadas “salas do futuro”, porque têm computadores, cadeiras coloridas e espaço para trabalharem de forma “dinâmica” uns 15 alunos, na melhor das hipóteses. Existe uma ou duas em escolas devidamente seleccionadas e em que @s director@s têm o telefone directo do shôr ministro desde que era secretário.

A disposição do mobiliário nas salas para uso de professores e alunos não resulta apenas de opções de tipo “ideológico” dos docentes ou da “escola de massas” ou do “modelo de Manchester”. Por vezes, é mesmo um imperativo das condições da própria sala e mobiliário disponível. Há quem fale e escreva como se estivéssemos todos em escolas com salas concebidas para serem geridas em open-space e com uma ocupação humana com baixa densidade. Não é assim que acontece na larga maioria. Mas, mesmo assim, conforme as possibilidades, ao longo das décadas, trabalhei em salas dispostas em U (se pensarem bem é uma outra forma de dar a centralidade ao professor, quando se coloca no interior do U a focar as atenções), em “ilhas” para aulas de trabalho (a que descentra mais a atenção do docente) em grupo ou em filas ordenadas – à moda da tropa como alguns simplismos gostam de resumir – como se considera ser mais “tradicional”. Até já dei aulas em salas tipo oficina ou laboratório, em que temos mesas em filas e depois umas bancadas que funcionam como “ilhas”. Como aluno, nos anos 70 e início de 80 já tinha conhecido estas metodologias (no 1º do preparatório já tive quase todas as aulas em “ilhas”). Não há muito de novo sob este sol e estas estrelas, mesmo que a cada geração se sinta estar a reinventar a roda e a pólvora seca.

Mais interessante, quando se tem uma turma vários tempos seguidos (no 1º ciclo ou no 2º, quando leccionamos mais de uma disciplina) é alterar a disposição da sala, conforme os momentos da aula e o tipo de trabalho. Claro que sendo as nossas salas muito bem insonorizadas, o arrastar de mesas e cadeiras para passar de uma organização para outra, orna-nos muito populares entre as salas vizinhas ou as do andar inferior, directamente debaixo da nossa. Mas que se lixe, este ano até era a direcção e ao lado a biblioteca, pelo que certamente compreenderiam que eu estava, em pós-pandemia, a recuperar “inovações” apesar da escassez de espaço para @s 28 petiz@s. A questão da disposição física das salas está longe de ser central quando as condições estão longe de ser ideais e não se anda a trabalhar de acordo com um plano ideológico rígido. Adaptamo-nos. Ao contrário de certos puristas que pensam ter encontrado a solução ideal e única, o método mais eficaz é o da adaptação às circunstâncias, tentando delas extrair o melhor do elemento humano. Pensei que era isso a “flexibilidade”, mas devo estar enganado.

A segunda questão liga-se à recuperação da lógica da sala como oficina (workshop na sua acepção original, quando adaptada a questões pedagógicas), como tempo e espaço de “construção” do saber. Infelizmente, nem sempre apresentada da melhor forma e quantas vezes com uma deriva para uma espécie de sala bric-à-brac, onde os alunos se debatem com materiais em busca de lhes atribuir um significado, sendo apenas “orientados” para o docente numa estratégia de aprendizagem “activa”. Nada contra, se esse for um dos elementos de toda a estratégia do chamado “ensino/aprendizagem”, tudo contra se assumirem essa solução como praticamente a única forma de trabalho em sala de aula. De novo, também aqui, o importante é saber combinar momentos mais expositivos ou “tradicionais” com outros mais práticos, de exploração de diferentes materiais, adequados a cada disciplina, quanto esses estão acessíveis. Por exemplo, na minha escola, durante diversos anos, uma colega trazia um especialista em escrita com materiais antigos (como penas e tinta feita a partir de pigmentos naturais) e tínhamos aulas de caligrafia bem esborratada e algum divertimento. Mas, se o quiséssemos fazer em ocasiões em que ele não estava disponível, isso não era possível, por não dispormos desses materiais. Mesmo se eu ainda aprendi na primária a escrever com aparo e caneta de tinta permanente e tenho algumas por aí, mesmo um par desse tempo.

A aprendizagem “activa” num modelo de sala-oficina, comum em disciplinas como os velhos Trabalhos Manuais e/ou Oficinais ou as Educações Visual e Tecnológica, assim como em Físico-Química em menor escala no Básico, nem sempre é possível ou pode ser desenvolvida de forma permanente em outras disciplinas. Ou então chamos “oficina” a algo que não é bem isso, mas apenas quer passar por isso. Não chega entregar materiais aos alunos e esperar que eles montem um puzzle de que desconhecem a forma final, só pelo gozo de se pensar que se está a “inovar” quando isso é conhecido e praticado há séculos. Como escrevi, há que saber combinar as coisas e aplicá-las quando elas fazem sentido e não como forma de aplicação acrítica de uma cartilha pré-concebida. O preconceito e a curteza de vistas está mais do lado do método único (seja “activo” ou outro) do que do que procura ver o que se ajusta melhor a cada turma, a cada disciplina, a cada momento da aula, da semana, do ano, mesmo a cada aluno. Até porque pensava que era isso que se designava por “diferenciação pedagógica”.

Depois e ter andado uma boa parte dos anos 90 a discutir estas coisas, confesso que tenho pouca pachorra para estar novamente a ter de abrir a “oficina” para explicar isto, só porque há formadores de professores que, não praticando isso nas suas aulas, gostam de regressar sempre às sebentas de outrora e reapresentar pela enésima vez a última bomboca do pacote da juventude. Por amor da santinha, ensinem que também existem after eights, ferrero rochers, chocolates milka com recheio de caramelo salgado e até com bolachas oreo e tantos outros belos doces que podem saber bem em diferentes momentos do dia.