O Especialista Em Meias-Verdades Sonsas

Estive a rever o pedaço que a RTP3 transmitiu da conferência de imprensa do ministro Costa que, a par do deputado Silva de sua graça Porfírio, se destaca como um dos nossos principais especialistas em dizer verdades pela metade, envolvidas em truques de retórica e números que parentam rigor, mas depois não é bem assim.

A transmissão já o apanhou em andamento e largou-o quando acharam que, mesmo depois de morta, a Isabel II é mais interessante. Pelo que apenas posso comentar esse interlúdio.

Ora bem… de acordo com o ministro já foram feitas 4416 colocações, correspondendo a mais de 2000 substituições, aproveitando logo para dizer que estão em “adjudicação” juntas médicas para “vigilância de padrões irregulares” em baixas que ele diz serem interrompidas “durante o Verão” (a insinuação que por ali passa é óbvia, mas é verdade que é ampliada por alguns coisos que por aí andam de dedo em riste, raramente indo além de um ou dois exemplos), prejudicando professores contratados, esquecendo-se de acrescentar que foi o próprio ME a exigir, de há uns anos para cá, que mal terminassem os atestados e voltassem os professores “titulares” se mandassem embora os contratados, contra a opinião de muita gente.

Acrescentou que este ano existe um ganho de eficácia de 50% na RR2, graças às medidas adoptadas pelo governo nos últimos meses, o que de alguma forma é um atestado de incompetência ao seu antigo chefe de equipa, que não terá tomado esse tipo de medidas, pois também disse que é desde 2019 que se verificou o aumento das aposentações e, cito, um “aumento exponencial” da redução da componente lectiva dos docentes, o que revela até que ponto a iliteracia matemática vai neste país, pois a progressão da dita redução é de apenas 2 horas aos 50 e 55 anos de idade e de 4 só quando se chega aos 60 anos, num limite de 8 horas.

Sim, já sei, foi uma forma de expressão, mas foi introduzida para dar a sensação de um crescimento descontrolado e sem limite, quando não é de nada disso que se trata. O crescimento é aritmético, previsível e com um limite pré-definido. Sim, o homem é de Letras, mas eu também sou. E tem gente no gabinete que lhe pode explicar as coisas. Ou então tem, mas é para lhe aperfeiçoar estas habilidezas da treta destinadas a passar culpas para a malandragem dos professores que só trabalham no Verão e cujo horário tem reduções exponenciais.

Seguiram-se números sobre os efeitos das medidas tomadas nos últimos meses: 1104 reconduções de professores contratados (pensei que fossem mais), 350 docentes a quem não foi renovada a mobilidade estatutária em autarquias, clubes e etc. Lembremos que o ministro Costa pretendia “reduzir enormemente” os 2000 docentes que estaria nesta situação. Ao que parece, por “enormemente” entende-se menos de 20%. Nunca esperei que fossem muitos mais, porque a maioria de quem assim está é porque tem uma boa conexão no “sistema”. Falou ainda em 300 professores a quem foi majorado o horário, o que é um número ínfimo. E em 100 professores de Informática (a disciplina é TIC, o grupo é que é de Informática) já contratados.

A partir daí passou a tratar uma previsão da Pordata, feita por uma ex-chefia de topo do ME, como se fosse uma espécie de previsão que seria importante não cumprir e garantiu que perante tal “cenário preocupante” da falta de professores para 100.000 alunos, se já conseguiu uma redução de 40%. Ou seja, reduziu-se em 40% algo que ainda não se verificou. e acrescentou uma distinção quase subtil entre professores em falta para dar aulas e “horários por atribuir” porque, de acordo com ele, boa parte desses horários será para “apoios, projectos, clubes” e etc, o que para mim é uma novidade, a menos que seja em escolas teip com mais projectos do que disciplinas.

Mas como o seu labor é imenso já contactou “Universidades” e “Centros de emprego” porque parece que andam por aí milhares de licenciados que podem dar aulas, mas não sabem como. Ao que parece, isso inclui pessoal formado na área do Ensino, o que, a ser verdade, nos fará pensar no que andaram a aprender anos a fio, se nem sabem como concorrer para dar aulas. Ahhh… e não me supreendendo nada deu o exemplo dos seus conhecimentos na área da Geografia, declarando que de acordo com uma pessoa sua conhecida “há geógrafos desempregados”, mas que não sabem que há horários para dar aulas disponíveis. Nesta altura, eu já não sabia se deveria rir-me ou simplesmente bater com cabeça na televisão.

Numa transcrição que encontro no Expresso pode ler-se que o ministro Costa afirmou que “98% ou mais dos alunos arrancam o ano letivo com aulas” a todas as disciplinas“.

O que significa que tenho um azar do caraças. No CTurma de 5º ano da minha DT, na próxima 2ª feira, quando fizer a reunião de caracterização da turma, vão faltar 4 docentes, correspondendo a 5 disciplinas. Nenhum dos casos corresponde a baixas interrompidas no Verão. Quase todos os casos correspondem a situações (conhecidas há muito) de serviços moderados definidos por Juntas Médicas ou atestados de longa duração que não foram interrompidos para banhos. E isto aconteceu por todo o país. O ministro Costa decidiu apagar esta parte da narrativa. Mas já sei que dia 16 estará tudo resolvido, pois até nem há falta de professor de TIC.

Por certo, é a velha história das médias….alguém deve ter comido os frangos todos, porque a mim falta quase uma mão cheia deles. Mas eu tenho uma proverbial falta de sorte, porque já em 8 de Abril de 2019, no balanço do 2º período, escrevia que:

O trabalho com a turma tem sido sofrido alguma instabilidade desde o início do ano letivo, em diversas disciplinas, na sequência da necessidade de substituição e dupla substituição de docentes, o que tem conduzido a períodos sem aulas numa ou mais disciplinas em simultâneo. Foi o caso, neste período, das disciplinas de Francês, Inglês e Geografia, o que também explica o diferencial entre as aulas previstas e dadas.

As coisas melhorariam pouco (até ficariam piores em Português) e em Dezembro de 2019, a terminar o 1º período, com a mesma turma, já no 8º ano, os problemas continuavam:

A turma está sem aulas das disciplinas de Francês e Geografia desde o início do ano letivo, o que agrava as dificuldades já verificadas no ano letivo anterior, em que as mesmas disciplinas foram lecionadas de modo intermitente por três docentes diferentes cada uma delas.

No 3º período, nem seria possível atribuir classificação naquelas duas disciplinas, porque o problema da falta de docentes nunca seria ultrapassado ao longo do ano. Mas, como digo, devo mesmo ter um azar do caraças e fazer parte dos outliers quando se calculam as médias destas coisas. Ou então “só vejo o meu quintal” e “só olho para o meu umbigo”, para parafrasear pessoas muito imaginativas nas suas críticas ao que escrevo.

O que o ministro Costa disse é tudo mentira ou mistificação?

Claro que não.

Nada como a proporção certa de verdades, meias verdades, omissões e truncagens para transmitir a impressão desejada, sem nunca dizer uma mentira completa. è preciso a tal habilideza e a já demonstrada sonsice.

6ª Feira

Há não muito tempo, um colega confessava-me o seu espanto perante a falta de ambição demonstrada por muitos alunos em relação ao seu futuro, tendo chegado ao momento de tomar decisões com algum relevo para o seu trajecto pessoal e académico. Em grande parte, isso resulta do meio social e familiar em que se inserem, pouco propenso a esperanças e expectativas. E é por aí que a Escola pode fazer a diferença, incutindo-lhes alguma confiança e abrindo-lhes “janelas” (ui… também entrei numa de chavões dos anos 90) para um mundo que de outro modo desconhecem. Um “mundo” que tantas vezes só é possível entrever, mas que depende mais daquilo que é possível transmitir aos alunos para além do “essencial”, da lógica dos “mínimos”. A “arte de ensinar” não passa apenas pela embalagem colorida, mas por conteúdo substantivo. e a grande falha da actual tendência dominante no “belo pensamento” dos pseudo-utópicos da corte em exercício é considerar que baixando critérios, se consegue elevar seja o que for de forma consistente. Na verdade, apenas se desarma ainda mais os que mais necessitam, quando se lhes dá apenas feijão com arroz (algo de que até gosto, mas que todos os dias acaba por ser de menos), com muito “afecto” e sorrisos e empatia e diversão. Sim, mata a fome, mas tão só. Esta visão é a mais preconceituosa e discriminatória de todas, porque ilude com falso sucesso, baseando-se na descrença das capacidades dos mais desfavorecidos conseguirem mesmo ir mais longe. É a lógica da “caridadezinha” das senhoras das tertúlias da canasta aplicada à Educação Pública.