The Road To Nowhere

E depois os outros é que são liberais, desreguladores. Há uns dias, o ministro Costa afirmou, de forma populista, que não assume que do “outro lado” estejam “corruptos”. Pela observação directa e relatos que vou tendo, concordo que não é “do outro lado” que estão.

O Ministério da Educação (ME) pretende que os professores possam entrar no quadro por decisão da escola onde estiverem colocados e não apenas por via de um concurso nacional de vinculação, como é a norma actualmente. Este foi um dos “pressupostos” para a alteração do modelo de recrutamento actual que o ministério apresentou nesta quarta-feira aos sindicatos de professores.

Acredito que uma versão disto vai avançar, com ou sem acordo dos sindicatos, mais ou menos coreografia. Como é óbvio, não me afecta, pelo que a minha imensa preocupação não é de ordem pessoal, mas sim a de quem não parou as leituras num dado momento e se vai apercebendo de como este tipo de medidas acentua desigualdades, não beneficiando – ao contrário do que é afirmado pela propaganda governamental – os mais desfavorecidos. Pelo contrário, as escolas com melhores condições, conseguirão cativar os professores com um desempenho mais competente, restando a muitas outras quem restar ou… quem tenha o “perfil certo”. Num caso que me ocorre, até porque as fotos são públicas em certas “redes sociais”, há quem goste muito de se fazer rodear em eventos “formativos” por colegas que apresentam das posturas mais (i)nova(dora)s, que depois têm a devida recompensa na sua avaliação.

Caso único e quiçá distorcido pela minha visão cínica? Pois… o problema são os outros casos, menos exibicionistas, em que até dá jeito os apelidos conjugais não se terem transmitido. Tudo em contextos “desafiantes”, claro. Em que a adequação à liderança é um critério claramente valorizado. Ou as boas relações com quem decide.

(e, já agora… há décadas que trabalho nesse tipo de “contextos desafiantes”, com todo o tipo de turmas e alunos, portanto não me venham com conversas de elitismo… porque o verdadeiro preconceito é de quem acha que o combate ao determinismo é baixar os padrões de ensino e, agora, de recrutamento dos docentes)

E, avançando este tipo de medidas de vinculação à medida, esqueçam todo e qualquer protesto no passado com “ultrapassagens”. É que será vê-l@s passar a toda a velocidade, porque a classificação académica em curso profissionalizante de nada serve, se @ shôr@ director@ considerar que quem sabe é el@.

Para quem quiser uma visão alargada dos estudos sobre esta matéria, com conclusões muito abertas” (agora já com o link certo):

Teacher Recruitment and Retention: A Critical Review of International Evidence of Most Promising Interventions

(…) Methods: The review synthesises a total of 120 pieces of research from 13 electronic databases, Google/Google scholar and other sources. Each study is weighted by strength of evidence. Results: The strongest evidence suggests that targeted money can encourage people into teaching but does not necessarily keep them in the teaching profession. The money needs to be large enough to compensate for the disadvantages of working in certain schools and areas, and competitive enough to offset the opportunity costs of not being in more lucrative occupations, and its effect is only short-term. Conclusions: Continuing professional development (CPD) and early career support could be promising approaches for retaining teachers in the profession, but the evidence for them is weak. There is no evidence that any other approaches work, largely because of the lack of robust studies.

Um relatório sobre as medidas mais recentes em Inglaterra, que não passam por “agências de recrutamento” como foi possível ler há pouco tempo a um professor português que para lá emigrou. Esse tipo de estratégia é a equiparação do recrutamento de docentes ao preenchimento de vagas temporárias num serviço de atendimento telefónico.

Teacher recruitment and retention in England

This House of Commons Library Briefing Paper provides information on the recruitment and retention of teachers in England, including the Government’s recently published Teacher Recruitment and Retention Strategy. It also gives an overview of attempts to reduce teacher workload.

Existe um número assinalável de estudos que sublinha que as escolas em contextos mais desfavorecidos ou “isolados” em termos sociais, económicos e mesmo educacionais têm muita dificuldade em contratar e depois reter os professores mais qualificados, sendo ilusório pensar que a sua permanência será longa, caso surjam oportunidades de colocação em escolas com menor grau de desgaste profissional e pessoal.

Pode ler-se aqui apenas um deles.

E já agora, um que sublinha uma evidência a que fogem os governantes como qualquer satanás de palavras cruzadas.

Do disadvantaged schools have poorer teachers? Rethinking assumptions about the relationship between teaching quality and school-level advantage

(…) This result indicates that differences in teaching quality are less a reflection of teacher capabilities than of the challenging circumstances in disadvantaged schools. We argue that policies seeking more equitable achievement should address wider social inequities, rather than unfairly blaming teachers for being unable to level an unequal playing field.

Ainda Há Coisas Que Me Deixam (Quase) Sem Palavras

Eis as instruções para os velhos grunhos e neandertais receberem os “novos professores”. Só falta sugerirem uma formação em protocolo e boas maneiras à mesa.

De: Atendimento (DGEstE) <atendimento@dgeste.mec.pt>
Enviado: 21 de setembro de 2022 17:24
Assunto: Apoio a Novos Professores

Exmo(a). Senhor(a)

Diretor(a)/Presidente de CAP

Por indicação da Direção da DGE, reencaminha-se o anexo, sobre o assunto “Apoio a Novos Professores”.

Com os melhores cumprimentos,

João Gonçalves

Diretor-Geral da DGEstE

Bicicletas

Aguardo com curiosidade a sua chegada em massa às escolas, esperando que não seja como com os computadores. Acho bem e tal. Até me ofereço para ajudar, apesar de envelhecido. Entretanto, como estamos de procedimentos e verbas relativas ao seguro escolar? Ainda é preciso fazer consultas prévias em casos de acidentes que impliquem tratamentos? Pode ser por ajuste directo? Haverá pessoal não docente em quantidade suficiente para o devido acompanhamento a eventuais tratamentos? Não, não estou a ser negativo. Apenas estou a pensar que ainda bem que já não sou encarregado de educação do Básico.

Por fim, só há mesmo 259 estabelecimentos com 5º e 6º ano?

4ª Feira

Se pensarmos a fundo, ainda bem que se vão reformar tantos professores velhos, incompetentes, carentes de formação, carregados de preconceitos e privilégios. Nem sei porque há agora tamanha aflição. Não fizeram tudo para que se fossem embora, no maior número possível os que ainda têm memória de uma carreira? Assim, não ficam livres para contratar esposas, filhos, amigos, compadres, amig@s colorid@s (estou apenas a pensar em casos concretos que conheço em primeiro testemunho de quem está nesses “territórios” muito “inovadores”) ou recorrer a “agências de recrutamento” como num dos exemplos da peça do Público, em que quem passou por esse “modelo” apresenta aquela mesma atitude de amochanço que tanto a tutela deseja que se generalize por cá?